PT28267 – Inventário
Agosto 2024
Uma determinada empresa de produção aplica como critério valorimétrico para o produto acabado apenas o custo das matérias-primas e de transporte associados, não incluindo quaisquer outros gastos. Posteriormente é aplicada uma margem (calculada com referência ao preço de venda) para incluir os custos indiretos e diretos associados à produção.Tendo em conta o disposto na NCRF 18, e no caso de a entidade não dispor de recurso que lhe permitam apurar de outra forma os gastos de transformação, este critério poderá ser aceite quer contabilisticamente, quer fiscalmente?
Parecer Técnico
O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento contabilístico do custo dos inventários.
Face à exposição colocada, partimos do pressuposto que a entidade em questão aplica as vinte e oito Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF) do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), revistas no Aviso n.º 8256/2015, de 29 de julho.
A Norma Contabilística e de Relato Financeiro 18 - "Inventários" tem como objetivo o de prescrever o tratamento para os inventários. Um aspeto primordial na contabilização dos inventários é a quantia do custo a ser reconhecida como um ativo e a ser escriturada até que os réditos relacionados sejam reconhecidos.
Esta Norma proporciona orientação prática na determinação do custo e no seu subsequente reconhecimento como gasto, incluindo qualquer ajustamento para o valor realizável líquido. Também proporciona orientação nas fórmulas de custeio que sejam usadas para atribuir custos aos inventários.
Nos termos do parágrafo 2 da NCRF 18, esta norma aplica-se a todos os inventários que não sejam:
a) Produção em curso proveniente de contratos de construção, incluindo contratos de serviços diretamente relacionados (ver a NCRF 19 - Contratos de Construção);
b) Instrumentos financeiros; e
c) Ativos biológicos relacionados com a atividade agrícola e produto agrícola no ponto da colheita (ver a NCRF 17 - Agricultura).
Esta Norma não se aplica à mensuração dos inventários detidos por:
a) Produtores de produtos agrícolas e florestais, do produto agrícola após a colheita, até ao ponto em que sejam mensurados pelo valor realizável líquido de acordo com práticas já bem estabelecidas nesse setor. Quando tais inventários sejam mensurados pelo valor realizável líquido, as alterações nesse valor são reconhecidas nos resultados do período em que se tenha verificado a alteração;
b) Corretores/negociantes de mercadorias que mensurem os seus inventários pelo justo valor menos os custos de vender. Quando tais inventários sejam mensurados pelo justo valor menos os custos de vender, as alterações no justo valor menos os custos de vender são reconhecidas nos resultados do período em que se tenha verificado a alteração.
O parágrafo 6 da norma define os inventários como ativos:
a) Detidos para venda no decurso ordinário da atividade empresarial;
b) No processo de produção para tal venda; ou
c) Na forma de materiais ou consumíveis a serem aplicados no processo de produção ou na prestação de serviços.
Os inventários devem ser mensurados pelo custo ou pelo valor realizável líquido (preço de venda estimado no decurso ordinário da atividade empresarial menos os custos estimados de acabamento e os custos estimados necessários para efetuar a venda), dos dois o mais baixo (§ 6 da NCRF 18).
O custo dos inventários deve incluir todos os:
- Custos de compra;
- Custos de conversão; e
- Outros custos incorridos para colocar os inventários no seu local e na sua condição atuais.
Os custos de compra dos inventários incluem o preço de compra, direitos de importação e outros impostos (que não sejam os subsequentemente recuperáveis das entidades fiscais pela entidade) e custos de transporte, manuseamento e outros custos diretamente atribuíveis à aquisição de bens, de materiais e de serviços. Osdescontos comerciais, abatimentos e outros itens semelhantes devem ser deduzidos na determinação dos custos de compra.
Os custos de conversão de inventários incluem os custos diretamente relacionados com as unidades de produção, tais como mão-de-obra direta. Também incluem uma imputação sistemática de gastos gerais de produção fixos e variáveis que sejam incorridos ao converter matérias em produtos acabados.
Nos parágrafos 23 e seguintes da NCRF 18 estão previstas as fórmulas de custeio, que se dividem essencialmente em três:
1) Custo específico - o custo dos inventários de itens que não sejam geralmente intermutáveis e de bens ou serviços produzidos e segregados para projetos específicos deve ser apurado através da identificação específica dos seus custos individuais (§ 23);
2) FIFO (first in, first out) - o custo dos inventários, que não sejam os referidos no parágrafo 23, deve ser apurado pelo uso da fórmula "primeira entrada, primeira saída" (FIFO). A fórmula FIFO pressupõe que os itens de inventário que foram comprados ou produzidos primeiro sejam vendidos em primeiro lugar e consequentemente os itens que permanecerem em inventário no fim do período sejam os itens mais recentemente comprados ou produzidos; ou
3) Custo médio ponderado - o custo dos inventários, que não sejam os referidos no parágrafo 23, deve ser apurado pelo uso da fórmula do custo médio ponderado. Pela fórmula do custo médio ponderado, o custo de cada item é determinado a partir da média ponderada do custo de itens semelhantes no início de um período e do custo de itens semelhantes comprados ou produzidos durante o período. A média pode ser determinada numa base periódica ou à medida que cada entrega adicional seja recebida, o que depende das circunstâncias da entidade.
De referir que, uma entidade deve usar a mesma fórmula de custeio para todos os inventários que tenham uma natureza e um uso semelhantes para a entidade. Para os inventários que tenham natureza ou uso diferentes, poderão justificar-se diferentes fórmulas de custeio.
Para além das Fórmulas de Custeio, a NCRF 18 também prevê a aplicação de Técnicas para a Mensuração do Custo. Enquanto as Fórmulas de Custeio se baseiam nos custos de entradas reais dos inventários, as Técnicas para a Mensuração do Custo baseiam-se em custos teóricos. Ou seja, de acordo com estas técnicas a empresa não tem de esperar pelo custo real, podendo mensurar as saídas por valores aproximados aos reais.
Os custos reais são aqueles que se verificam quando acontece o registo após o acontecimento do facto. Na mensuração da produção, esta é avaliada à medida que vai ocorrendo, ou seja, a posteriori, uma vez conhecidos os custos reais. São consideradas as quantidades de bens e serviços efetivamente consumidas, valorizadas aos preços de aquisição efetivos.
No entanto, nem sempre é possível trabalhar a custos reais, por exemplo, no que diz respeito ao apuramento do custo da mão-de-obra, uma vez que os encargos sociais são calculados através de uma taxa teórica; o mesmo sucede com os restantes gastos gerais de fabrico quando estes são imputados através de taxas teóricas.
Nos termos do parágrafo 21 da norma, as técnicas para a mensuração do custo de inventários, tais como o método do custo padrão ou o método de retalho, podem ser usadas por conveniência se os resultados se aproximarem do custo.
Os custos padrão tomam em consideração os níveis normais dos materiais e consumíveis, da mão-de-obra, da eficiência e da utilização da capacidade produtiva. Estes devem ser regularmente revistos e, se necessário, devem sê-lo à luz das condições correntes.
A outra técnica de mensuração de custo que a norma sugere, o método do retalho, é utilizado "no setor do retalho para mensurar inventários de grande quantidade de itens que mudam rapidamente, que têm margens semelhantes e para os quais não é praticável outros métodos de custeio" (NCRF 18, § 22).
Ou seja, este método pode ser aplicado em negócios que possam ter uma elevada quantidade de referências de bens, que são comprados e vendidos numa base diária, para o qual se conhece a margem de comercialização e essas margens sejam semelhantes, e não seja praticável a utilização de outros métodos, como o Custo Específico, FIFO ou Custo Médio Ponderado. As atividades nas quais se poderão aplicar esta metodologia dizem respeito à compra e venda de bens de consumo, como por exemplo, supermercados, hipermercados, compra e venda de acessórios de moda, certos tipos de retalhistas de calçado ou vestuário, etc.
Na utilização desta técnica de mensuração, para o cálculo do valor do inventário, deverá ser utilizada uma margem de comercialização em percentagem aplicada ao valor da venda (margem bruta). Por sua vez, "o custo do inventário é determinado pela redução do valor da venda do inventário na percentagem apropriada da margem bruta."
De uma maneira genérica, a entidade para saber o valor do inventário e calcular o custo das mercadorias vendidas, tem de saber o valor das vendas e aplicar uma margem em percentagem a essas vendas, subtraí-la e obter o custo, assim como o valor da existência final.
Sobre o assunto, aconselhamos a consulta do manual de formação "NCRF 18 - Inventários" de 2023, desenvolvido pela Ordem dos Contabilistas Certificados, que pode aceder no site da OCC em Formação > Materiais de apoio à formação.
Para exemplificar a aplicação do método do retalho, atenderemos ao exemplo constante na página 124 do referido manual que passamos a citar:
"Por exemplo, considere-se que uma determinada entidade vendeu num mês 500.000 euros de mercadorias, sabe-se que aplica uma margem aos seus produtos de 20% das vendas.
Neste mesmo mês comprou 250.000 euros de produtos e tinha em stock inicial o valor de 300.000 euros. Pretende-se o cálculo do custo das mercadorias vendidas e respetivo stock final.
Resolução
- Vendas 500.000,00 €
- Margem 100.000,00 € (500.000,00 € * 20%)
- CMV 400.000,00 € (500.000,00 € - 100.000,00 €)
Logo pela fórmula do CMV vem:
EF = EI + Compras - CMV, logo, EF= 300.000 + 250.000 - 400.000
EF = € 150.000,00"
Face ao exposto, é questionado sobre a possibilidade da aplicação do método de retalho como técnica de mensuração dos inventários, por uma empresa de produção.
Ora, conforme suprarreferido, o método de retelho pode ser aplicado por entidades no setor do retalho para mensurar inventários de grande quantidade de itens que mudam rapidamente, e que são comprados e vendidos numa base diária, para o qual se conhece a margem de comercialização e essas margens sejam semelhantes, e não seja praticável a utilização de outros métodos.
Assim, no caso concreto, concluímos que a aplicação do método de retalho não é possível para a entidade em questão, por esta ser uma empresa de produção e não uma empresa de retalho (compra e venda de mercadorias).
Não obstante o exposto no parágrafo anterior, relembramos que, não sendo praticável a aplicação de outros métodos, como o Custo Específico, FIFO ou Custo Médio Ponderado, o parágrafo 21 da NCRF 18 dispõe que, em alternativa, pode ser utilizado o método do custo padrão, tomando em consideração os níveis normais dos materiais e consumíveis, da mão-de-obra, da eficiência e da utilização da capacidade produtiva (sendo determináveis), sendo que, estes devem ser regularmente revistos e, se necessário, devem sê-lo à luz das condições correntes.