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11 Maio 2022
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PT26932 – abril 2022

Como proceder, no enquadramento em IRC e IVA, quanto à regularização de inventários por roubo de mercadoria na área da ourivesaria? A empresa participou do roubo às autoridades, mas não tem seguro contra roubo, porque as entidades de seguros não fazem seguros a ourivesarias, dado o risco elevado. A comunicação às Finanças do abate da mercadoria na contabilidade é efetuada pela GNR à AT ou tem de ser o sujeito passivo a efetuar a comunicação?

Parecer técnico

O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento fiscal (em sede de IRC e IVA) de roubo em inventários.
No caso em apreço, trata-se de uma ourivesaria que pretende regularizar os inventários por roubo de alguns dos artigos. O roubo foi participado às autoridades. A empresa não tem seguro para este tipo de ocorrências porque, segundo ela, as seguradoras não fazem seguro a ourivesarias, dado o risco elevado de roubo.
Em termos do imposto sobre o rendimento, há que ter em consideração que, de acordo com o Código do IRC, mais concretamente, com o disposto no seu artigo 23.º, o reconhecimento fiscal de um gasto depende da comprovação do mesmo e de que este é incorrido ou suportado pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
A Autoridade Tributária (AT) relativamente ao roubo de mercadorias tem emitido doutrina que vai no sentido de não considerar como gasto a perda de inventário resultante do mesmo.
Este entendimento encontra-se expresso na ficha doutrinária Processo 2019 000694, PIV n.º 15 076, sancionado por despacho de 24 de abril de 2019, da diretora de serviços do IRC.
Refere a AT nesta ficha doutrinária que «no que concerne à aceitação dos gastos para efeitos de determinação do lucro tributável, o n.º 1 do artigo 23.º do CIRC determina que os mesmos são dedutíveis, desde que incorridos pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.»
Refere ainda o n.º 3 do mesmo preceito legal que os gastos considerados dedutíveis devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.
Verificando-se que, para que os gastos e perdas, independentemente da sua natureza, possam ser dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, tenham sempre que ter conexão com a obtenção ou garantia de rendimentos sujeitos a IRC, no caso concreto dos gastos ou perdas que resultem de furtos, essa análise terá, obrigatoriamente, que ter em consideração o contexto em que o mesmo ocorreu e o elemento patrimonial em causa.
Ora, não se pode inserir o furto ou o roubo no quadro normal da atividade exercida e, embora não se possa ignorar que esses riscos existem, o que é certo é que podem ser minimizados e haverá sempre que acautelar que a eventual relevância fiscal de um furto ou roubo não se constitua em via relativamente fácil de evasão fiscal.
Em regra, não se poderá concluir que as perdas que resultem de furtos possam ser consideradas como decorrentes da atividade normal desenvolvida pelos sujeitos passivos, nem que contribuam para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, não podendo, dessa forma, aceitar-se para efeitos fiscais, a sua dedutibilidade.
Admite-se, no entanto, que em situações excecionais e mediante o cumprimento de certas condições, tal princípio possa ser derrogado, devendo, para o efeito, proceder-se a uma análise casuística e circunstanciada da situação em concreto. Concluindo nesta ficha doutrinária: «Assim, concluiu-se que as perdas resultantes do furto em causa, não podem ser aceites como componente negativa do lucro tributável."
Já outro entendimento sobre esta temática teve o Tribunal Central Administrativo Sul vertido no Processo 6 540/02, de 2 de julho de 2002, da secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul do qual extraímos o seguinte sumário:
«I - Nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do CIRC, "o lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3 é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste código.”
II - No artigo 23.º do CIRC enuncia-se, a título exemplificativo, as situações que podem integrar o grupo dos elementos negativos a relevar para efeitos de determinação do lucro tributável, consagrando como critério definidor que se consideram como custos ou perdas "os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.”
III - Sendo inequívoco que a existência de mercadorias é um valor positivo, porque se destinam à realização de operações de afluxo de valores positivos ao rédito da empresa, a perda material de mercadorias, seja a que título for, designadamente por furto, não pode deixar de ser considerada como realidade que foi "indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.”
IV - Assim, demonstrado que ficou o furto de mercadorias mantidas em armazém pela impugnante e a impossibilidade de fazer com que as seguradoras assumam contratualmente o risco por tal facto, nada obsta a que o valor desse furto seja considerado como custo ou perda para efeitos fiscais.»
Verificamos que existem posições dissonantes entre a AT e alguma jurisprudência relevante.
Assim, na perspetiva da AT, a primeira questão que se suscita é a da prova da efetiva ocorrência do roubo e dos valores em causa, a apreciar pela Autoridade Tributária, já que os elementos para o efeito existentes se circunscrevem, normalmente, à mera participação às autoridades policiais. Sendo certo ainda que, não se podendo inserir o furto ou o roubo no quadro normal da atividade exercida e considerando que, não obstante esses riscos existirem, podem, contudo, ser minimizados (nomeadamente, através da constituição de um seguro sobre aquele risco), a Autoridade Tributária tem adotado entendimentos bastante restritivos quanto à sua aceitação como gasto. Em regra, poderá dizer-se que:
- Existindo indemnização, aceitar-se-á sempre, pelo menos, o valor da perda até à concorrência da indemnização, uma vez que, neste caso, a ocorrência da perda é indispensável para obter e garantir os rendimentos sujeitos a IRC: a indemnização; ou
- Não existindo indemnização, ou, existindo, o respetivo valor não cobre a totalidade do valor da perda, a dedutibilidade fiscal da perda, na sua totalidade, no primeiro caso, ou da parte não coberta pela indemnização, no segundo, dependerá da avaliação da prova da ocorrência do roubo. Tratando-se de matéria de apreciação subjetiva poderá fazer à Autoridade Tributária, uma consulta prévia vinculativa englobando os elementos de prova, nomeadamente a participação às autoridades policiais, com relação dos bens roubados.
Não havendo seguro, poderá ser difícil a aceitação da dedução, uma vez que, tal como já mencionado, o entendimento da Autoridade Tributária tem sido de penalizar casos em que o risco em causa seja segurável e tais encargos com seguro fiscalmente aceites, mas que não foi constituído esse seguro. No entanto, atendendo a existência de decisões judiciais no sentido contrário à posição da AT, sugerimos que este caso em concreto seja exposto por intermédio de uma informação vinculativa, nos termos do artigo 68.º da Lei Geral Tributária (LGT).
Outro aspeto relevante será que a aceitação fiscal só pode ocorrer quando a perda foi contabilisticamente evidenciada no exercício em que o roubo ocorreu, artigo 18.º, n.º 2 CIRC. Sendo o gasto aceite fiscalmente, tal valor não deverá ser acrescido no quadro 07 da modelo 22.
Relativamente ao IVA, em nossa opinião, a situação é mais pacífica.
Refere a alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do IVA que se consideram transmissões de bens «(...) a afetação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a fins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto.»
O artigo 86.º também do Código do IVA refere que «salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua atividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem em qualquer desses locais.»
Consideramos, em nossa opinião, que a participação policial do furto, bem como um relatório da ocorrência assinado por testemunhas, comunicação à seguradora do facto ainda que sem sucesso para a indemnização, serão suficientes para a elisão da presunção vertida no artigo 86.º do Código do IVA.
Nestas situações, para regularização dos inventários não se mostra necessário a emissão de fatura. Para o efeito bastam os documentos justificativos já referidos para afastar a presunção do IVA.
Assim, relativamente ao IVA, julgamos que a presunção prevista no artigo 86.º do Código do IVA se encontra elidida desde que se faça prova do roubo designadamente através de:
- Participação às autoridades policiais;
- Relatório da ocorrência assinado por testemunhas;
- Participação à seguradora, mesmo que recusada.