Inventários doados pelo sócio
11-03-2021
Determinada empresa exerce a atividade de cabeleireiro. O sócio a nível particular pretende doar a título gratuito diversos produtos cosméticos à empresa para posterior venda. Que implicações tem essa doação a nível fiscal? Tem tributação em imposto de selo? Como deverá ser contabilizada?
As questões colocadas referem-se ao enquadramento contabilístico e fiscal decorrente do facto de o sócio de determinada sociedade ter doado a esta diversos produtos cosméticos, os quais serão posteriormente vendidos pela sociedade.
Na falta de indicação, assumimos que o donativo em causa não é atribuído no âmbito do Estatuto do Mecenato, nem a entidade beneficiária é uma entidade enquadrável no âmbito desse Estatuto.
Visto que não é indicado o normativo contabilístico adotado pela entidade, iremos abordar esta temática no âmbito das Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF) previstas no Aviso n.º 8256/2015, de 29 de julho.
Entende-se por ativo um recurso controlado pela entidade, proveniente de acontecimentos passados, do qual se espera que fluam para a entidade benefícios económicos futuros.
Os requisitos de reconhecimento como ativo constam nos parágrafos 52 a 58, 87 e 88 da Estrutura Conceptual do SNC e encontram-se relacionados com o potencial de contribuir, direta ou indiretamente, para a obtenção de fluxos de caixa e equivalentes de caixa para a entidade.
Um ativo é reconhecido no balanço quando for provável que os benefícios económicos futuros fluam para a entidade e o ativo tenha um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade.
Por outro lado, um ativo não é reconhecido no balanço quando, relativamente ao dispêndio incorrido, seja considerado improvável que benefícios económicos fluirão para a entidade para além do período contabilístico corrente. Em vez disso, tal transação resulta no reconhecimento de um gasto na demonstração dos resultados.
Como se constata, são necessários juízos de valor para determinar se os itens devem ser reconhecidos em resultados, como um gasto do período, ou se reúnem os requisitos para serem registados como ativo.
Se os bens doados forem destinados para utilização no decurso ordinário da atividade da entidade, com classificação como inventário, a sua atribuição pode ser classificada por contrapartida do reconhecimento de um rendimento nos resultados do período, na conta 78 - "Outros rendimentos".
Se os bens doados forem destinados à atividade de investimento, por exemplo como um item do ativo fixo tangível, essa atribuição pode ser classificada como um ganho diretamente em capitais próprios, na conta 594 – "Outras variações no capital próprio – Doações”.
Em qualquer dos casos, corresponderá a um rendimento tributável, nos termos dos artigos 20.º e 21.º do CIRC.
No caso concreto, como a sociedade irá utilizar os bens que lhe foram doados para serem vendidos no decurso ordinário da sua atividade, estes devem ser reconhecidos como itens do inventário nos termos da NCRF 18 – "Inventários”, parágrafo 6, por contrapartida de resultados do período.
Em termos de mensuração, de acordo com o parágrafo 9 da NCRF 18, os bens do inventário devem ser mensurados pelo custo ou valor realizável líquido, dos dois o mais baixo.
Como esses bens são atribuídos a título gratuito, não existe um custo de aquisição para esses itens, pelo que podem ser mensurados pelo custo corrente (preço de custo de mercado para os mesmos bens).
Essa quantia escriturada passa a constituir o custo para efeitos de mensuração do item. O registo contabilístico pode ser o seguinte:
- Pela obtenção a título gratuito, dos itens de inventário destinados a serem vendidos no decurso ordinário da atividade da empresa:
Débito da conta 382 - "Reclassificação e regularização de inventários e ativos biológicos - Mercadorias", por contrapartida a crédito da conta 784 - "Ganhos em inventários", pelo custo corrente dos bens.
- Pelo reconhecimento como itens do inventário:
Débito da conta 32 - "Mercadorias", por contrapartida a crédito da conta 382 - "Reclassificação e regularização de inventários e ativos biológicos - Mercadorias", pelo custo corrente dos bens.
Alternativamente, os bens de inventário obtidos gratuitamente podem ser registados meramente no programa de gestão de stocks, sem qualquer reconhecimento contabilístico como ativo.
Nesse caso, o registo dos bens adquiridos a título gratuito é efetuado a zero, no programa de gestão de stocks, influenciando (diminuindo) o custo unitário de todos os bens de inventário, pela aplicação da fórmula de custeio do custo médio ponderado.
Com este procedimento, não há reconhecimento de qualquer rendimento no momento da aquisição a título gratuito desses bens, sendo o rendimento obtido pela doação apenas reconhecido no momento da venda dos bens, em função da diminuição do custo das vendas dos inventários vendidos.
Em sede de imposto do selo, nos termos do n.º 1 do artigo 1.º do respetivo Código, o imposto incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral (TGIS), incluindo as transmissões gratuitas de bens. E a verba 1.2 da TGIS aplica-se exatamente à transmissão gratuita de bens.
Porém, de acordo com o disposto no artigo 1.º, n.º 5, alínea e) do Código do Imposto do Selo, para efeitos da verba 1.2 da TGIS, não são sujeitas a imposto do selo as transmissões a favor de sujeitos passivos de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), ainda que dele isentas. Pelo que, a doação dos inventários a uma sociedade, sendo a sociedade um sujeito passivo de IRC, não está sujeita à verba 1.2 da TGIS.