PT21377 - Inventários - IVA e sujeito passivo misto
01-11-2018
Determinado contribuinte pretende dar início à atividade de compra e venda de imóveis (CAE 68100) como empresário em nome individual, com contabilidade organizada.
A ideia é comprar os imóveis, subcontratar outras entidades para procederem à sua remodelação e após a obra terminada, proceder à venda dos mesmos.
A atividade ficaria enquadrada no regime de isenção de IVA ao abrigo do artigo 9.º do CIVA e não teria direito à dedução, pelo que teria de suportar o IVA de todas as despesas com a remodelação do imóvel.
A questão coloca-se quando pode acontecer que se compre um imóvel com recheio e esse facto poder constar ou não da escritura de compra.
Parte desse recheio pode ser restaurado pelo próprio (coisas pequenas) ou comprar uma peça de mobiliário ou outra que se enquadre melhor na casa, após remodelação da mesma. A casa após remodelada será vendida mobilada (com recheio), fator esse que poderá ser mencionado na escritura ou não.
Esta situação do recheio da casa poderá implicar uma atividade secundária sujeita a IVA? Haverá obrigação de emissão de fatura pela venda, uma vez que esta poderá ser mencionada na escritura? Ou será melhor não mencionar nada na escritura de compra, nem na escritura de venda, quanto ao recheio, uma vez que o peso do mesmo no negócio é reduzido? Como proceder num caso destes?
Quanto à contabilização, uma vez que se trata de mercadorias mas sujeitas a alterações, a compra do imóvel deverá ser contabilizado, no ato da compra, na conta de mercadorias e depois transferido para a conta de matérias-primas ou produto em curso, onde se deverá lançar todas as despesas com a remodelação e no final da obra, o saldo dessa conta deverá ser transferido para a conta de mercadorias?
Ou no ato da compra, pode-se contabilizar logo como matérias-primas ou produto em curso? E no final, transferir o saldo da conta para a conta de mercadorias?
Parecer técnico
As transmissões de bens e as prestações de serviços realizadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, são operações abrangidas pela incidência do IVA, conforme resulta do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA.
Sendo que os conceitos de transmissão de bens e de prestação de serviços se encontram, respetivamente, nos artigos 3.º e 4.º do Código do IVA.
Não obstante a sujeição a imposto, importa sempre analisar-se a existência, ou não, de normas de isenção que se apliquem ao caso em concreto. No artigo 9.º do Código do IVA são elencadas diversas operações que estão isentas de IVA.
As isenções previstas no artigo 9.º do Código do IVA são de aplicação obrigatória. O sujeito passivo perante a realização de uma qualquer transação que se insira nas situações elencadas, deve obrigatoriamente utilizar a norma de isenção, sem prejuízo das situações previstas de renúncia à isenção do IVA. Ainda que sendo de aplicação obrigatória a sua interpretação será restritiva, isto é, apenas se aplica perante a verificação plena das condições.
Resulta do n.º 30 do artigo 9.º do Código do IVA que estão isentas de imposto "... as operações sujeitas a imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis...".
A venda de um imóvel, sendo uma operação sujeita a IMT, é uma transmissão isenta de IVA.
Entendemos que, sendo transacionados outros bens, tais como mobiliário, juntamente com o imóvel, estaremos perante diferente transação. Pelo que a venda do mobiliário, não se enquadrando da norma de isenção referida é uma operação sujeita a IVA nos moldes gerais previstos no Código do IVA.
Considerando que o sujeito passivo que até aqui praticava exclusivamente operações isentas de IVA estaria dispensado de emitir fatura, conforme n.º 3 do artigo 29.º do Código do IVA, agora, perante a transmissão de bens sujeitos a IVA, e não isentos, perde essa possibilidade. Pelo que a venda do mobiliário deverá ser suportada por fatura, conforme alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IVA.
Em sede de IVA, tratando-se de sujeito passivo misto (pratica operações sujeitas a IVA e operações isentas de IVA) deve observar-se a doutrina prevista no artigo 23.º do Código do IVA, sugerindo-se também leitura do Ofício-Circulado n.º 30103/2008, de 23 de abril, para efeitos do exercício do direito à dedução do imposto suportado.
Em termos genéricos, temos subjacente ao exercício do direito à dedução do imposto suportado o facto de as operações que o suportam (no exercício de uma atividade económica) terem uma relação direta com as operações praticadas a jusante e que serão operações tributáveis, assim resulta do disposto no artigo 19.º e seguintes do Código do IVA.
Assim, confere direito à dedução integral, o imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações que, integrando o conceito de atividade económica para efeitos do imposto, sejam tributadas, isentas com direito a dedução ou, ainda, não tributadas que conferem esse direito, nos termos da alínea b), II, do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA.
Caso o imposto seja suportado na aquisição de bens ou de serviços exclusivamente afetos a operações sujeitas a imposto, mas sem direito a dedução ou a operações que em sede de IVA não se insiram no exercício de atividades económicas, não é, naturalmente, admissível o do exercício do direito à dedução.
Segundo o previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA, sempre que esteja em causa a determinação do IVA dedutível respeitante a bens ou serviços parcialmente afetos à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica, é obrigatório o recurso à afetação real dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens ou serviços nessas e nas restantes operações, conforme se prevê no n.º 2 do mesmo artigo.
Tratando-se de bens ou serviços afetos à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica, parte das quais não conferem direito à dedução, a alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 23.º do Código do IVA, estabelece que o imposto dedutível seja determinado mediante a utilização de uma percentagem, apurada nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, sem prejuízo de o sujeito passivo poder optar pela afetação real, nos termos do n.º 2.
No caso de utilização da afetação real, obrigatória ou facultativa, e ainda segundo o n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, os critérios a que o sujeito passivo recorra para determinar o grau de afetação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, podem ser corrigidos ou alterados pela Autoridade Tributária, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.
As correções ou alterações a que se refere o número anterior devem ser promovidas pelos competentes serviços de inspeção, quando, no exercício das respetivas competências detetem vantagens injustificadas no exercício do direito à dedução.
Pelo Ofício-Circulado n.º 79713/89, de 18 de julho, foi imposto a utilização do método de afetação real nas empresas de construção civil que desenvolvam a atividade de prestação de serviços de construção civil (empreitadas), sujeita a IVA, conjuntamente com a de construção de imóveis para venda, isenta de IVA. Sendo a atividade de construção para venda, que se carateriza por ter um caráter irregular (obras plurianuais), suscetível de gerar oscilações muito acentuadas na percentagem de dedução (pro rata).
O tratamento contabilístico do reconhecimento deste tipo de inventários de produção própria/realização de obras de melhoramento em inventários implica a acumulação dos custos relacionados com a produção na conta 36 - "Produtos e trabalhos em curso", e no final da obra, na conta 34 - "Produtos acabados e intermédios", por contrapartida do reconhecimento do rendimento referente à variação dos inventários de produção (conta 73).
O rédito e os gastos de venda relacionados com a venda dos inventários apenas são reconhecidos no momento da venda (que ocorre após a conclusão da produção).
Os registos contabilísticos podem ser:
Durante os períodos contabilísticos em que a produção decorrer: Pelos custos incorridos e imputados aos produtos:
- Débito da conta 61/62/63/6x (dependendo da respetiva natureza dos encargos) por contrapartida a crédito da conta 12/2x/3x/4x8 (dependendo da operação), pelo custo de aquisição dos bens e/ou serviços, depreciações e outros, incluindo os custos suportados com a subcontratação.
No final do período, pelo reconhecimento do inventário (produção em curso):
- Débito da conta 36 - "Produtos e trabalhos em curso" por contrapartida da conta 73 - "Variação dos inventários de produção", pelo somatório dos custos incorridos e imputados aos produtos (determinados de acordo com a imputação determinada por critérios de imputação definidos pela contabilidade analítica).
No início de cada período seguinte durante a produção:
- Débito da conta 73 - "Variação dos inventários de produção" por contrapartida da conta 36 - "Produtos e trabalhos em curso", pelo total transitado do ano anterior
No período de conclusão da produção:
- Débito da conta 34 - "Produtos acabados e intermédios" por contrapartida da conta 73 - "Variação dos inventários de produção", pela totalidade dos custos incorridos e imputados aos bens.
No momento da venda:
Pelo reconhecimento do rédito de venda de bens:
- Débito da conta 21 - "Clientes" por contrapartida a crédito da conta 71 - "Vendas", pelo valor de venda (rédito), pelo preço de venda; (há que registar a conta de IVA liquidado se aplicável).
Pelo reconhecimento do gasto relacionado com a venda:
- Débito da conta 73 - "Variação dos inventários de produção" por contrapartida a crédito da conta 34 - "Produtos acabados e intermédios", pelo custo total da construção vendida.
De referir que a conta 73 - "Variação dos inventários de produção" serve para efetuar a anulação dos custos incorridos, com o objetivo de reconhecer o ativo referente à produção em curso ou produção acabada.
Como se constata, através deste procedimento, ainda que apenas se reconheça o rédito (e o respetivo gasto de vendas) no momento da entrega dos inventários ao cliente, os custos incorridos na produção, reconhecidos como gastos do período, também são anulados pelo reconhecimento da variação dos inventários de produção, permitindo que a entidade apresente resultados mais equilibrados ao longo dos períodos de produção.
No entanto, a margem (lucro) pela venda dos inventários apenas é reconhecida no momento dessa venda, que apenas ocorre no momento da entrega e aceitação dos inventários pelo cliente.