Inventários - NCRF 18
PT27259 – novembro de 2022
Numa empresa de construção civil em que a compra é de matérias-primas para aplicação nas obras e a faturação ao cliente é sempre em serviços prestados, como proceder em relação à saída dos materiais dos stocks da empresa? A empresa neste tipo de atividade tem de enviar inventário à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)?
Parecer técnico
A questão colocada refere-se ao tratamento contabilístico dos materiais a incorporar nas prestações de serviços de construção civil.
As prestações de serviços, de acordo com o parágrafo 4, «envolve tipicamente o desempenho por uma entidade de uma tarefa contratualmente acordada durante um período acordado. Os serviços podem ser prestados dentro de um período único ou durante mais do que um período.» (contabilizadas na conta 72 - Prestações de Serviços)
Em termos contabilísticos, as entidades que prestam serviços, por definição, compram matérias-primas e materiais de consumo e utilizam fatores humanos e tecnológicos de modo a obter serviços a fornecer aos seus clientes.
Embora as notas de enquadramento do SNC sejam omissas na definição das diferentes categorias de inventários, da doutrina contabilística parece-nos resultar consensual que aqueles materiais podem ser entendidos como os bens adquiridos e detidos por uma entidade com o objetivo de proceder à sua integração, por exemplo, no processo de prestação de serviços.
Por seu lado, as mercadorias podem ser entendidas como integrando os bens adquiridos e detidos pela entidade com o objetivo de proceder à sua venda no decurso normal do negócio sem que sejam submetidos a qualquer processo de transformação.
Embora, à partida, a distinção entre uma mercadoria e uma matéria-prima ou material de consumo possa parecer clara, a verdade é que poderão surgir algumas dificuldades na aplicação prática destes conceitos, em determinado tipo de atividades. Tal facto apela necessariamente ao julgamento profissional para cada caso em concreto, em face das particulares características do tipo atividade/serviço desenvolvido, da informação disponível para tratamento e da informação que se pretende produzir.
No caso apresentado, a entidade dedica-se à prestação de serviços de construção civil, isto é prestação de serviços, pelo que, os correspondentes materiais adquiridos destinam-se a serem incorporados no serviço a prestar (e a faturar globalmente), concorrendo para o custo da prestação do serviço e, consequentemente, para o apuramento da respetiva margem bruta.
Relativamente aos bens, a entidade adquire esses bens para ficarem em stock, sendo utilizadas quando se realizarem os serviços de construção civil, em função das necessidades.
Os inventários têm o tratamento contabilístico na norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) n.º 18 - Inventários, no parágrafo 11 da NCRF para pequenas entidades (NCRF-PE) e no parágrafo 11 da norma contabilística para microentidades (NC-ME).
Nos termos do parágrafo 6 da NCRF 18 (Inventários), os inventários são ativos:
- Detidos para venda no decurso ordinário da atividade empresarial;
- No processo de produção para tal venda; ou
- Na forma de materiais ou consumíveis a serem aplicados no processo de produção ou na prestação de serviços.
Tal como decorre da alínea c) acima, os bens adquiridos com o objetivo de integrarem na prestação de serviços, na forma de materiais ou consumíveis são considerados inventários.
Assim, face ao exposto, os materiais adquiridos para incorporação nos serviços, devem ser inicialmente registados na conta 312 - Compras - Matérias-primas, subsidiárias e de consumo.
O registo inicial na conta de matérias-primas, subsidiárias e de consumo deve ser efetuado pelo respetivo custo de aquisição, podendo incluir todos os custos diretamente suportados com essa aquisição.
Pela entrada desses materiais em armazém, há que proceder ao reconhecimento do inventário, conforme se segue:
- Débito da conta 33 - Matérias-primas, subsidiárias e de consumo por contrapartida a crédito da conta 312 - Compras - Matérias-primas, subsidiárias e de consumo, pelo custo de aquisição.
Assim que os materiais forem consumidos no âmbito do processo produtivo da entidade, que neste caso será através do seu consumo na prestação de serviços de construção civil, o custo dessas matérias-primas e outros materiais devem ser imputados ao custo das prestações de serviços, em função das respetivas quantidades efetivamente consumidas.
Assim, o registo contabilístico do consumo desses materiais pode ser:
- Débito da conta 612 - Custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas - Matérias-primas, subsidiárias e de consumo por contrapartida a crédito da conta 33 - Matérias-primas, subsidiárias e de consumo, pelo custo dos inventários determinado pela fórmula de custeio utilizada pela entidade (custo específico, custo médio ponderado ou FIFO).
O valor remanescente não consumido no período de tributação, integrará o saldo da Classe 3 - Inventário, conta 33 - Matérias-primas, subsidiárias e de consumo.
A obrigação de comunicação dos inventários está prevista no artigo 3.º-A do Decreto-Lei n.º 198/2012, de 24 de agosto. Este artigo foi alterado com a publicação do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro, passando o mesmo a ter a seguinte redação:
«(...) 1 - As pessoas, singulares ou coletivas, que tenham sede, estabelecimento estável ou domicílio fiscal em território nacional, que disponham de contabilidade organizada e estejam obrigadas à elaboração de inventário, devem comunicar à AT, até ao dia 31 de janeiro, por transmissão eletrónica de dados, o inventário valorizado respeitante ao último dia do exercício anterior, através de ficheiro com características e estrutura a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.
2 - Relativamente às pessoas que adotem um período de tributação diferente do ano civil, a comunicação referida no número anterior deve ser efetuada até ao final do 1.º mês seguinte à data do termo desse período.
3 - Ficam dispensadas da obrigação de comunicação a que se refere o n.º 1 as pessoas aí previstas a que seja aplicável o regime simplificado de tributação em sede de IRS ou IRC (...).»
Como se pode constatar, foi revogada a dispensa de obrigação de comunicação que estava em vigor, aplicável às pessoas, singulares ou coletivas, cujo volume de negócios do exercício anterior ao da referida comunicação não excedesse 100 mil euros.
Com a nova redação, apenas ficam dispensadas da comunicação dos inventários valorizados as pessoas singulares ou coletivas que tenham sede, estabelecimento estável ou domicílio fiscal em território nacional e que apliquem o regime simplificado em sede de IRS ou IRC.
Assim, desde 1 de janeiro de 2020, passaram a estar obrigadas a proceder à comunicação dos inventários a entidade que reúna, cumulativamente, as seguintes condições:
- Tenha sede, estabelecimento estável ou domicílio fiscal em território português;
- Disponha de contabilidade organizada; e
- Não esteja enquadrada em nenhum regime simplificado de tributação.
A comunicação de inventários inclui todos os tipos de inventários, incluídos na classe 3, nomeadamente mercadorias, produtos acabados, produtos e trabalhos em curso, matérias-primas, etc., pelo que no caso em concreto existindo matérias-primas e cumpridos os demais requisitos a entidade está obrigada à comunicação dos inventários.