Pareceres
IRC - aceitação de gastos com combustíveis e reparações
21 Outubro 2024
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

IRC - aceitação de gastos com combustíveis e reparações
PT28184 - maio de 2024

 

Determinada empresa tem vários veículos em nome e uso da sociedade. A estas viaturas são aplicadas as normas vigentes, quer no que diz respeito à dedução do IVA nos termos dos artigos 19.º e 20.º do CIVA quer no que diz respeito às tributações autónomas, nos termos do artigo 88.º do CIRC.
No entanto, tem vindo a apresentar gastos de valor considerável com viaturas não pertencentes à empresa, nomeadamente combustível, portagens, parques de estacionamento e até uma ou outra reparação. Não pertencendo à empresa, os gastos não são aceites e como tal acrescem ao resultado.
Qual o procedimento relativamente à tributação autónoma? Deve ser feito algum procedimento adicional?

 

Parecer técnico

 

A questão colocada refere-se ao enquadramento fiscal referente à aceitação de gastos com combustíveis e reparações. No caso concreto as faturas são referentes a viaturas que não pertencem aos ativos da empresa, não sendo referidos se pertencem aos sócios-gerentes ou trabalhadores.
Relativamente a esta operação, começamos por referir que, para uma entidade pessoa coletiva, a dedução de gastos terá de atender antes de mais ao disposto no artigo 23.º do Código do IRC, onde são elencados os gastos e perdas que podem ser deduzidos, referindo o seu n.º 1 que na determinação do lucro tributável (regime geral), são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
O artigo 23.º do CIRC dá primazia ao facto do gasto ser efetivamente incorrido no exercício da atividade do sujeito passivo. Neste artigo, são também definidos requisitos mínimos quanto ao tipo de documento suporte da operação, sendo inclusivamente limitada a dedutibilidade fiscal do encargo nos casos em que este deve ser suportado por fatura.
Os gastos dedutíveis e referidos no n.º 2 do artigo 23.º do CIRC devem ser comprovados com documentos, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.
Os gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo na aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:
- Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;
- Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se trate de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;
- Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;
- Valor da contraprestação, designadamente o preço;
- Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.
Mais se estabelece no n.º 6 deste preceito que, se o fornecedor dos bens ou o prestador do serviço estiver obrigado à emissão da fatura nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo acima referido deve então assumir a forma de fatura.
No caso concreto dos combustíveis importa ainda considerar o disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 23.º-A, que referem que, não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
«(...) j) Os encargos com combustíveis na parte em que o sujeito passivo não faça prova de que os mesmos respeitam a bens pertencentes ao seu ativo ou por ele utilizados em regime de locação e de que não são ultrapassados os consumos normais; (...).»
Pelo exposto, tratando-se de gastos relacionados com uma viatura deve justificar-se a afetação dessa viatura à atividade desenvolvida, pelo que admitimos que no caso em análise seja feito, por exemplo, um contrato de comodato. Condição seguinte será aferir se o tipo de gastos que se pretende afetar está, ou não, devidamente documentado.
Assim, não se encontrando a utilização de determinada viatura afeta ao exercício da atividade profissional ou não tendo um contrato de locação ou de comodato, as despesas com ela relacionadas (combustíveis, seguros, manutenção e conservação) não poderão ser consideradas como gasto para efeitos de determinação do lucro tributável, pois não se encontram reunidas as condições do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, em conjugação com as limitações do artigo 23.º-A do CIRC.
Em suma, para que possa considerar fiscalmente os custos incorridos pela empresa utilizadora com esta viatura, essa utilização deve ser justificada através do aluguer, cedência, empréstimo, ou ainda estar ao abrigo de um contrato de comodato (de acordo com a noção constante do artigo 1 129.º do Código Civil. «Comodato» é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir).
A contabilização de despesas, como sejam reparações de viaturas, combustíveis e seguros, relacionadas com bens que não pertencem ao ativo da empresa, nem se encontram abrangidas por contratos de aluguer (ALD ou aluguer operacional), poderão ser relevadas na contabilidade na rubrica 62 - Fornecimentos e serviços externos, se estiverem relacionadas com a atividade da empresa.
Sendo uma viatura ligeira de passageiros, os encargos suportados estão sujeitos a tributação autónoma, conforme os números 3 e 5 do artigo 88.º do CIRC, independentemente da aceitabilidade fiscal.
Caso as despesas em causa não sejam incorridas ao serviço da entidade patronal nos termos referidos anteriormente, então estaremos perante uma remuneração acessória (remuneração em espécie) do sócio-gerente ou trabalhador, considerado como remuneração do trabalho dependente, categoria A, nos termos do CIRS.
A aquisição de bens e serviços pelo sócio-gerente ou trabalhador, poderá também ser considerado como rendimento do trabalho dependente, ou seja, ficam sujeitos a tributação, por força do n.º 2 do artigo 1.º do CIRS os rendimentos mencionados, quer em dinheiro quer em espécie, determinando-se o valor destes de acordo com as regras estabelecidas no artigo 24.º do CIRS.
Essa remuneração acessória não será considerada para a determinação de retenção na fonte da categoria A, pois está excecionada no n.º 1 do artigo 99.º do CIRS, não há retenção na fonte sobre os rendimentos em espécie de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 99.º do CIRS.
De acordo com o n.º 2 do artigo 99.º-C do CIRS, «considera-se remuneração mensal o montante pago a título de remuneração fixa, acrescido de quaisquer outras importâncias que tenham a natureza de rendimentos de trabalho dependente, tal como são definidos no artigo 2.º, sem prejuízo do disposto no número seguinte.»
Sendo considerado rendimento do trabalho dependente, deverá constar na declaração mensal de remunerações (DMR).
Sendo o sócio um dos gerentes da empresa ou trabalhador da mesma o pagamento de despesas pessoais, é considerado como um rendimento em espécie, pelo que deverá ser contabilizado na conta 63X - «Gastos com pessoal», sendo fiscalmente aceite na medida em que é tributado na esfera do trabalhador.
De todo o modo, deve ser evitado que despesas de caráter pessoal de sócios-gerentes e trabalhadores sejam faturadas e pagas pela empresa, a menos que sejam consideradas como integrantes da remuneração dos trabalhadores e gerente.
Face ao exposto, no caso em apreço, estamos perante despesas pessoais que poderão ser enquadradas como rendimento de trabalho dependente, devendo ser declarado como rendimento em espécie na DMR nos códigos A63 a A67 (dependendo do tipo de despesas) ou código A (nos casos em que não couber nos códigos A63 a A67).
Sendo considerado rendimento de trabalho dependente, as faturas poderão ser contabilizadas na conta 63x - Gastos com o pessoal, sendo este gasto aceite fiscalmente.
No caso de as despesas não serem consideradas rendimento do trabalho dependente, as faturas devem ser contabilizadas na conta 688X - Gastos não aceites e acrescer no quadro 07, campo 752 da declaração modelo 22.
Nesta hipótese, chamamos a atenção que se pode presumir que se trata de saídas de verbas que reverteram a favor dos sócios devendo ser aplicado o tratamento que normalmente é dado aos adiantamentos por conta de lucros (são considerados como rendimentos de capitais - categoria E do IRS), dando lugar à correspondente retenção na fonte à taxa de 28 por cento [artigo 71.º, n.º 1, alínea a) do CIRS].