IRC - classificação de rendimentos
PT27767 – outubro de 2023
Determinada empresa limitada vai ceder o direito de superfície de um imóvel que tem no seu ativo a outra empresa. A empresa que adquiriu o direito de superfície propõe-se a demolir o edifício já construído no imóvel e a construir um novo edifício para explorar um hipermercado, pelo prazo de 30 anos, com rendas mensais, sendo que no final dos 30 anos, o imóvel será da empresa que cedeu o direito de superfície, com todas as suas benfeitorias e construções.
Como contabilizar esta operação e confirmar que a empresa que cedeu o direito de superfície só é tributada em IRC pelas rendas recebidas à medida do seu recebimento?
Parecer técnico
A questão colocada refere-se à celebração de um contrato de cedência do direito de superfície de um terreno para a construção para uma terceira entidade. A questão em concreto refere-se à contabilização desta operação na esfera da entidade proprietária do terreno, que vai ser objeto de cedência do direito de superfície.
Em termos legais, este tipo de contratos está regulado pelos artigos 1 524.º a 1 542.º do Código Civil (CC).
Conceptualmente, o direito de superfície consiste na faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações.
No momento da extinção do contrato pelo decurso do prazo, o proprietário do terreno tem o direito de adquirir as obras, mediante o pagamento de uma indemnização ao superficiário, exceto convenção em contrário entre as partes, conforme previsto no artigo 1 538.º do CC.
Para efetuar a contabilização apropriada para esta operação, em primeiro lugar, há que verificar as condições desta cedência, que estão devidamente estabelecidas no contrato, nomeadamente quanto à possibilidade do edifício transitar para a entidade proprietária do terreno no final do contrato.
Na esfera da entidade proprietária do terreno, com a cedência do direito de superfície, a propriedade plena do terreno é subdivida em nua propriedade e o direito de superfície, sendo atribuído um valor para cada parte do terreno.
Pressupõe-se que a empresa está a aplicar as normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF) completas do SNC.
Iremos pressupor que o terreno está classificado como item do ativo fixo tangível na esfera da entidade cedente.
O tratamento contabilístico mais apropriado para a situação em concreto é classificar o contrato de cedência (temporária) do direito de superfície, como uma locação financeira, em que efetivamente existe a transferência dos riscos e vantagens por esse direito de superfície do proprietário para o superficiário, mantendo o primeiro reconhecida a nua propriedade do terreno.
Nos termos da norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) n.º 9 - Locações, a entidade proprietária, como locadora, deve reclassificar o direito de superfície para uma conta de dívidas a receber, mantendo reconhecida a nua propriedade do terreno como um item do ativo fixo tangível.
Como a entidade proprietária é, ao mesmo tempo, locadora e proprietária do imóvel (negociante), esta deve reconhecer imediatamente o lucro ou prejuízo de venda no período em que se estabelece o contrato, conforme previsto no parágrafo 38 da NCRF 9.
Ainda que o contrato de cedência do direito de superfície tenha um prazo específico, a entidade proprietária deve proceder ao reconhecimento do lucro ou prejuízo pela venda desse direito de superfície no momento da sua cedência, não existindo qualquer possibilidade de diferimento do reconhecimento desse lucro ou prejuízo para os períodos seguintes.
O rédito de vendas a reconhecer é o justo valor do ativo, ou, se mais baixo, o valor presente dos pagamentos mínimos da locação, calculado a uma taxa de juro do mercado.
O custo de aquisição é a quantia escriturada do ativo, objeto da locação, neste caso do direito de superfície.
A diferença entre o rédito da venda e o custo de aquisição é o lucro (ou prejuízo) da operação de cedência, que é reconhecido de acordo com a política seguida pela entidade para as vendas.
Neste caso, o rédito de vendas pode ser o valor associado ao contrato de cedência do direito de superfície, acrescido do justo valor do edifício (se for o caso), que reverterá para a empresa proprietária no final do contrato. Será esta a retribuição recebida ou a receber, pelo qual este rédito deve ser reconhecido (cf. parágrafo 9 da NCRF 20).
O justo valor do edifício deve ser determinado com base na estimativa do respetivo valor no final do contrato, devendo ainda ser atualizado para o momento presente a uma taxa de desconto de mercado, conforme o parágrafo 11 da NCRF 20.
O respetivo rendimento financeiro associado a essa atualização deve ser reconhecido em resultados numa base linear ao longo do período do contrato de cedência, nos termos do parágrafo 35 da NCRF 9.
De acordo com o parágrafo 10 da NCRF 20, esse rédito de vendas deve ser reconhecido em termos líquidos de quaisquer encargos ou descontos, diretamente relacionados.
Neste caso, ao rédito de vendas, constituído pelo custo do contrato adicionado do valor presente do edifício (se for o caso), pode ser deduzida a indemnização a pagar pela aquisição desse edifício no final do contrato de cedência do direito de superfície, se esta for devida (cf. artigo 1538.º do CC).
Apenas se pode considerar esta indemnização, na determinação do rédito da venda, se esta for fiavelmente determinada (p.e. com base nas clausulas contratuais) e não estiver condicionada a factos supervenientes.
Os registos contabilísticos, na ótica da entidade proprietária do imóvel, podem ser os seguintes: Pelo contrato de cedência do direito de superfície:
- Débito da conta 278 - Outros devedores e credores, pelo justo valor do edifício e direito de superfície cedido (deduzido da indemnização, se devida), (rédito de venda);
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 431x - Ativos fixos tangíveis - Direito de superfície, pela quantia atribuída ao direito de superfície, destacado do valor da nua propriedade do terreno;
- Débito/Crédito da conta 6871 - Rendimentos e ganhos em investimentos não financeiros - Alienações (ou 7871 - Rendimentos e ganhos em investimentos não financeiros - Alienações), pela diferença negativa (ou positiva) entre o rédito de venda e o valor do direito de superfície.
No momento do recebimento da cedência do direito de superfície:
- Débito 12 - Depósitos à ordem por contrapartida a crédito da conta 278 - Outros devedores e credores, pelo valor recebido.
No final do contrato, pela respetiva denúncia e aquisição do edifício pela proprietária:
- Débito da conta 432 - Edifícios e outras construções, pelo custo de aquisição (que pode ser o valor da dívida acrescido de alguma indemnização a pagar);
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 278 - Outros devedores e credores, pelo valor atual da dívida (que corresponderá ao valor nominal determinado inicialmente);
- Crédito da conta 12 - Depósitos à ordem, pelo pagamento de alguma indemnização se devida (artigo 1538.º CC).
Se o edifício reverter para a entidade proprietária sem o pagamento de qualquer indemnização, por tal estar previamente estabelecido contratualmente, o custo de aquisição desse edifício pode ser apenas o valor da anulação da dívida do contrato de locação não liquidado.
Apenas no caso de não existir qualquer indemnização prevista, sendo o edifício entregue no final do contrato de cedência, se poderá efetuar o reconhecimento desse edifício pelo respetivo justo valor, determinado por um especialista avaliador. A contrapartida nesse caso é efetivamente uma variação patrimonial positiva para empresa (conta 594).
Em termos de IRC, a entidade proprietária do terreno é tributada pela cedência do direito de superfície, pela respetiva mais ou menos valia determinada nos termos do artigo 46.º do CIRC.
Para além disso, apenas existe uma nova tributação em IRC se o edifício reverter para a proprietária a título gratuito (sem existência de qualquer indemnização e no final do contrato de cedência), determinada nos termos do n.º 2 do artigo 21.º do CIRC.