IRC - Doação
PT27598 - maio de 2023
Uma empresa (pequena entidade), que explora um franchising de um supermercado, faz donativos mensais a uma associação numa média de mil euros por mês. Quando a associação faz a recolha é emitida fatura com o NIF da associação e no final do mês a associação emite a respetiva fatura dos donativos em espécie (total mensal).
Como é emitida uma fatura sempre que há donativos, isso faz com que os mesmos façam parte das vendas e sejam comunicadas no SAF-T. Em termos de balancear os proveitos/custos, não é problema, pois a fatura emitida pela associação é do mesmo valor da soma das faturas emitidas ao longo do mês (vendas).
Ao lançar-se as vendas e debitando-se a conta caixa faz com que haja movimentos/aumentos que não são reais. Como contabilizar estes donativos?
Parecer técnico
A questão colocada refere-se a uma entidade que pretende fazer um donativo em espécie a uma associação. No caso em concreto, a entidade tem como atividade supermercado e irá fornecer bens de forma gratuita a essa associação.
Os donativos constituem entregas de dinheiro ou de valores em espécie (direitos ou bens), que tenham sido concedidos sem contrapartidas, ou seja, não existe uma obrigação de caráter comercial ou pecuniário das entidades que recebam tais bens ou valores.
Este é o princípio básico do conceito de donativo, em termos fiscais, conforme disposto no artigo 61.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF). Esta norma pressupõe um espírito de liberalidade dos doadores, ou seja, sem que exista a expectativa de receber contrapartidas pecuniárias ou comerciais da entidade beneficiária da doação.
Nos termos do artigo 61.º do EBF são considerados como donativos para efeitos fiscais as entregas em dinheiro ou em espécie, concedidos, sem contrapartidas que configurem obrigações de caráter pecuniário ou comercial, às entidades públicas ou privadas, previstas nos artigos 62.º, 62.º-A e 62.º-B do EBF, cuja atividade consista predominantemente na realização de iniciativas nas áreas social, cultural, ambiental, desportiva ou educacional.
Conforme estabelece a referida norma fiscal, apenas os donativos que tenham consistido em entregas efetivas de dinheiro ou em espécie (bens) às entidades previstas nos artigos 62.º, 62.º-A e 62.º-B do EBF podem ser considerados como gastos dedutíveis em termos fiscais.
Nos termos do n.º 11 do artigo 62.º do EBF, para os donativos em espécie, o valor a considerar, para efeitos do cálculo da dedução ao lucro tributável, é o valor fiscal que os bens tiverem no exercício em que forem doados, deduzido, quando for caso disso, das depreciações ou provisões efetivamente praticadas e aceites como custo fiscal ao abrigo da legislação aplicável. Se os bens doados já se encontram totalmente depreciados não há gasto fiscal inerente nem majoração.
Caso o donativo seja enquadrável em algum dos tipos de mecenato previstos nos referidos artigos 62.º e seguintes do EBF, a entidade beneficiária é obrigada à emissão de recibo e demais obrigações acessórias, nos termos previstos no artigo 66.º do EBF.
Assim, conforme estabelece a referida norma fiscal, apenas os donativos que tenham consistido em entregas efetivas de dinheiro ou em espécie (bens) às entidades previstas nos artigos 62.º, 62.º-A e 62.º-B do EBF podem ser considerados como gastos dedutíveis em termos fiscais.
Já os donativos em espécie efetuados por sujeitos passivos de imposto devem atender às regras estabelecidas no CIVA para as transmissões gratuitas de bens. No caso concreto, admitimos estar perante um saldo em cartão que não é convertível em dinheiro, mas antes para utilização exclusiva na troca por bens, no estabelecimento do mecenas.
O n.º 1 do artigo 3.º do CIVA define como regra geral que as transferências onerosas de bens, em que exista alteração do exercício do direito de propriedade, serão consideradas transmissões de bens para efeitos de IVA.
O artigo 1.º do CIVA estabelece que as transmissões de bens, tal como definidas no artigo 3.º, estão sujeitas a imposto, sendo esse imposto devido e exigível, ao Estado, no momento em que os bens serão postos à disposição, conforme disposto no n.º 1 do artigo 7.º do mesmo Código.
Em complemento a esta regra geral, o n.º 3 do artigo 3.º do CIVA refere outras realidades jurídicas distintas das transferências onerosas como assimiladas a transmissão de bens, entre as quais se inclui «(...) a sua transmissão gratuita quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto (alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º CIVA).»
Assim, quando os sujeitos passivos não tenham deduzido (total ou parcialmente) o imposto suportado a montante dos bens que vão ser objeto de doação, tais entregas, não consistindo numa transmissão de bens nem sendo uma operação assimilada, estão fora do âmbito de incidência do imposto, não sendo, portanto, tributadas em IVA.
Para além do referido na parte final da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA, existe, ainda, uma outra exclusão à incidência de imposto relativamente à transmissão gratuita de bens, conforme referido na última parte do n.º 7 do artigo 3.º do CIVA, referentes a ofertas de reduzido valor.
Essas ofertas de bens, que tenham um valor unitário igual ou inferior a 50 euros, e cujo valor global anual não exceda cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior, em conformidade com os usos comerciais, não estarão sujeitas à liquidação de imposto.
Atendendo a estas normas, se os donativos em causa respeitarem a entrega de bens, cuja oferta tenha um valor unitário até 50 euros, essa transmissão gratuita não deverá ser tributada em IVA, pressupondo que o valor anual das ofertas não exceda cinco por mil do volume de negócios da empresa no ano anterior.
Não estando perante as duas situações descritas em cima, ou seja, o donativo exceda o valor unitário de 50 euros ou o seu valor anual exceda cinco por mil do volume de negócios do ano anterior, e ainda, se o imposto suportado na aquisição desses bens tenha sido deduzido, ainda que parcialmente, pela empresa, quando existir donativo sobre esses bens, essa entrega será assimilada a uma transmissão onerosa de bens, devendo ser sujeita a tributação de IVA.
O valor tributável desta operação será constituído pelo preço de aquisição dos bens ou de bens similares ou, na sua falta, pelo preço de custo, reportados ao momento das realizações das operações [alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA], sendo definido pelo preço que um adquirente, em condições normais de concorrência, teria de pagar a um fornecedor independente, por um bem similar (custo de reposição), conforme o n.º 4 do artigo 16.º do CIVA.
No entanto, de acordo com o n.º 10 do artigo 15.º do CIVA, se essas transmissões gratuitas de bens forem destinadas à posterior distribuição a pessoas carenciadas, efetuadas ao Estado, a instituições particulares de solidariedade social e a organizações não-governamentais sem fins lucrativos, encontram-se isentas de imposto.
Em relação ao IVA que seja devido, não é obrigatória a sua repercussão ao adquirente, conforme refere o n.º 3 do artigo 37.º do CIVA, pelo que este não terá de ser exigido ao adquirente, podendo a liquidação ser efetuada com base em documento interno, junto à fatura emitida pela "oferta".
Tal como referenciámos, em regra tem de liquidar IVA nessas prestações de serviços gratuitas não existindo qualquer limite de valor abaixo do qual se aplique a não sujeição a IVA. Porém, referimos que há uma informação vinculativa despacho de 2012-03-27 - processo: n.º 3 024, com um entendimento diferente permitindo a não liquidação de IVA em algumas prestações de serviços gratuitas, pelo que desde já aconselhamos a sua leitura.
Em termos contabilísticos, a tomada de base do preço de transmissão para apuramento do imposto (IVA) devido não equivale ao reconhecimento do rédito, nem à tributação desse montante em sede de IRC. Aquilo que existe da perspetiva da contabilização será a determinação do custo associado a essa prestação gratuita, e suportado pela entidade, podendo existir, ou não, argumentação quanto à sua dedução fiscal, o que dependerá das circunstâncias e condições em que ocorre essa prestação.
Relativamente à dedutibilidade fiscal dos gastos incorridos (questões 4 e 5), o artigo 23.º do CIRC, determina que «são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC».
Tal aferição deverá ser feita pelo sujeito passivo, ou seja, deverá a entidade a conseguir estabelecer a relação de causa/efeito entre o gasto incorrido e o rendimento daí gerado.
Não sendo provado o «caráter de indispensabilidade» destes encargos nem observadas as condições previstas e referenciadas anteriormente relativamente ao previsto no EBF, tais valores não serão dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, devendo, por isso, ser acrescidos no quadro 07 da declaração modelo 22.
Em termos contabilísticos, caso a entidade esteja a oferecer artigos dos seus inventários, deve debitar a conta 6882 - Donativos por contrapartida da conta 38x - regularizações de inventários.