Pareceres
IRC - dupla tributação internacional
16 Fevereiro 2024
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.


IRC - dupla tributação internacional
PT27854 - dezembro de 2023

 

Determinado sujeito passivo tem como atividade a intermediação na prestação de serviços ao nível da contratação de músicos, luzes, palco e tudo o que se relaciona com espetáculos (CAE 9293 - Organização de atividades de animação turística).
Foi realizado um espetáculo de música em Espanha, tendo sido processada uma fatura correspondente ao serviço de intermediação na realização do espetáculo.
A empresa espanhola está a fazer retenção na fonte à taxa de 19 por cento, tendo já sido enviado um comprovativo de residência fiscal, mas a empresa invoca o artigo 17.º da convenção para evitar a dupla tributação.
Como pode ser pedido o reembolso dessa retenção? Não estará abrangido pela convenção, uma vez que a atividade é a de prestador de serviços, embora seja da atividade musical?


Parecer técnico


A questão colocada refere-se com a dupla tributação jurídica internacional.
No caso concreto é referido que se está perante um serviço de intermediação na realização de um espetáculo de música. A atividade é de intermediação na prestação de serviços ao nível da contratação de músicos, luzes, palco e tudo o que se relaciona com espetáculos.
É referido que «a empresa espanhola está a fazer retenção na fonte à taxa de 19 por cento, tendo já sido enviado um comprovativo de residência fiscal, mas a empresa invoca o artigo 17.º da convenção», sendo questionado «como pode ser pedido o reembolso dessa retenção.»
A convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 6/95, de 28 de janeiro.
As convenções estabelecem qual o Estado ou Estados que tem competência para tributar os rendimentos.
De acordo com o artigo 17.º do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE sobre o Rendimento e o Património, que serve de referência à celebração das convenções bilaterais, na maioria dos casos, os rendimentos obtidos por um residente de um Estado contratante na qualidade de artista (quer sejam atribuídos ao próprio artista ou a outra pessoa, ou seja, quer as atividades sejam exercidas por conta própria ou por conta de outrem) podem ser tributados no Estado da fonte (da prestação do trabalho), sem qualquer limitação.
Assim, competirá ao Estado de residência do artista a eliminação da dupla tributação, através da dedução ao imposto sobre o rendimento desse Estado, o correspondente imposto português ou mesmo através do método da isenção.
No entanto, há sempre que atender ao disposto na Convenção que se pretenda aplicar, pois, dado que alguns países formularam reservas a algumas disposições do referido artigo 17.º, podem existir mecanismos diversos.
O artigo 17.º do acordo bilateral prevê o tratamento deste tipo de rendimentos e refere que:
«(...) 1 - Não obstante o disposto nos artigos 14.º e 15.º, os rendimentos obtidos por um residente de um Estado contratante na qualidade de profissional de espetáculos, tal como artista de teatro, cinema, rádio ou televisão, ou músico, bem como de desportista, provenientes das suas atividades pessoais exercidas nessa qualidade, no outro Estado contratante, podem ser tributadas nesse outro Estado.
2 - Não obstante o disposto nos artigos 7.º, 14.º e 15.º, os rendimentos da atividade exercida pessoalmente pelos profissionais de espetáculos ou desportistas nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas atividades dos profissionais de espetáculos ou dos desportistas.
3 - O disposto nos números 1 e 2 não é aplicável se as atividades exercidas num Estado contratante forem financiadas principalmente através de fundos públicos do outro Estado contratante ou de uma das suas subdivisões políticas ou administrativas ou autarquias locais. Neste caso, os rendimentos auferidos dessas atividades só podem ser tributados nesse outro Estado (...)»
Face ao disposto nos números 1 e 2 do artigo 17.º da Convenção, a tributação ocorrerá no local onde são exercidas as atividades, isto é, onde o evento se realiza, pelo que não é eliminada a dupla tributação por via da dispensa de retenção, cabendo ao Estado de residência levar a cabo esse procedimento se assim o entender.
Não obstante, quando se trate de empresas, sendo rendimentos de natureza comercial, são tratados como lucros de empresas, compreendendo esta expressão todos os rendimentos resultantes da exploração de uma empresa, o artigo 7.º do modelo de convenção reconhece o direito de um Estado de tributar os rendimentos auferidos pelos seus residentes e, por outro lado, o direito de um Estado tributar os rendimentos auferidos no seu território.
No entanto, nenhum Estado pode tributar uma empresa não residente pelos seus rendimentos ou pelos seus lucros auferidos no outro Estado através de um estabelecimento estável. Assim sendo, havendo estabelecimento estável em Portugal, os rendimentos serão tributados em Portugal, apenas e só pela atividade exercida em território nacional, sendo imputados ao estabelecimento estável os lucros que poderia ter realizado em território nacional, caso se tivesse constituído uma empresa em Portugal.
Nesta imputação, deverão ser consideradas as despesas suportadas, onde quer que tenham sido efetuadas, nomeadamente as despesas gerais com a administração efetuadas pela sede da empresa, numa fração proporcional determinada com base na relação existente entre o volume de negócios do estabelecimento estável e o volume de negócios da empresa no seu conjunto.
Para aferir do enquadramento no conceito de estabelecimento estável há que analisar o artigo 5.º do Código do IRC (CIRC), em particular o seu n.º 7, que dispõe que não se considera que uma empresa tem estabelecimento estável em território português pelo simples facto de aí exercer a sua atividade por intermédio de um comissionista ou de um outro agente, desde que essas pessoas atuem no âmbito normal da sua atividade.
Não sendo esse o caso, ou seja, não sendo os rendimentos obtidos através de estabelecimento estável em território nacional, o princípio generalizado de todas as convenções celebradas com Portugal, é o de tributar os «lucros» da empresa no Estado onde a empresa se encontra sedeada.
Por outro lado, tratando-se de rendimentos obtidos por uma pessoa singular na qualidade de profissional de espetáculos, tal como artista de teatro, cinema, rádio ou televisão, ou músico, podem ser tributadas no Estado onde foram exercidas pessoalmente essas atividades artísticas, de acordo com o disposto no artigo 17.º do da Convenção celebrada entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha, afastando assim a aplicação do artigo 7.º da mesma Convenção.
Esse direito de o Estado da fonte do rendimento tributar mantém-se, ainda que o rendimento decorrente do exercício de atividade de artista de espetáculo seja pago a uma empresa (sociedade). Apenas os rendimentos decorrentes da atividade de agente do artista, por exemplo, podem ser enquadrados no artigo 7.º da Convenção (serviços de management).
Para efeitos de tributação, importa considerar que de acordo com a convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e Espanha, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º, «os lucros de uma empresa de um Estado contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua atividade no outro Estado contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua atividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável.»
Pelo que não sendo a atividade exercida em Espanha, por meio de um estabelecimento estável aí situado, só Portugal terá legitimidade para tributar os rendimentos, pelo que deverá a entidade portuguesa acionar a convenção.
Importa ainda assim considerar eventuais correções na declaração modelo 22 nos casos de crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional.
Concretamente, o campo 749 do quadro 07 da declaração modelo 22, é utilizado nas situações em que haja rendimentos obtidos no estrangeiro que dão direito a crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional nos termos do artigo 91.º do CIRC.
Nele é inscrito o imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro, de modo que os rendimentos aí obtidos sejam considerados pelo seu valor ilíquido.
Por outro lado, é considerada no campo 353 do quadro 10, para efeitos de dedução à coleta e até à sua concorrência, a menor das seguintes importâncias:
• Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;
• Fração do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, acrescidos da correção deste campo 749, líquidos dos gastos direta ou indiretamente suportados para a sua obtenção.
Assim, ainda que a taxa do imposto pago no estrangeiro seja superior à do IRC, o valor a mencionar no campo 749 é o imposto pago no estrangeiro, mas o crédito de imposto a inscrever no campo 353 do Quadro 10 fica limitado à fração do IRC correspondente ao rendimento ilíquido do imposto pago no estrangeiro líquido dos gastos direta ou indiretamente suportados para a sua obtenção.
Existindo convenção para eliminar a dupla tributação (CDT) celebrada por Portugal, deverá ser acionada, através da emissão do certificado de residência fiscal, considerando que:
• A dedução no campo 353 do quadro 10 não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos na convenção;
• Se a coleta total (campo 378 do quadro 10) for insuficiente, o excesso do crédito de imposto pode, ainda, ser deduzido no campo 379 do quadro 10, até à concorrência da derrama municipal.
Veja-se as instruções de preenchimento do quadro 10 da declaração modelo 22.
Exemplo:
Uma sociedade (qualificada como PME) auferiu e contabilizou como rédito, rendimentos provenientes de um país estrangeiro, no valor de 3 600 euros (valor líquido do imposto suportado). Para obtenção desses rendimentos, suportou gastos diretos e indiretos no montante de 650 euros. A coleta total ascendeu a 500 euros e a derrama municipal (por hipótese, à taxa de 1 por cento) a 470 euros.
Admitamos que os referidos rendimentos foram tributados no Estado da fonte à taxa de:
a) 10% (1.ª hipótese)
b) 40% (2.ª hipótese) - País com CDT
Rendimento ilíquido - rendimento líquido / (1 - taxa)
a) 3 600 / (1 - 10%) = 4 000
b) 3 600 / (1 - 40%) = 6 000
Tributação ocorrida no estrangeiro:
a) 4 000 x 10% = 400
b) 6 000 x 40% = 2 400
IRC pago em Portugal correspondente aos rendimentos ilíquidos deduzidos dos gastos suportados:
a) (4 000 - 650) x 17% = 569,50 > 400
Correção no quadro 07:
- Campo 749 - Acréscimo de 400
Dedução no quadro 10:
- Campo 353 - Dedução de 400
b) [(6 000 – 650) x 17% + (6 000 - 650) x 1%] = 963 < 2 400
Correção no Quadro 07:
- Campo 749 - Acréscimo de 2 400
Deduções no quadro 10:
- Campo 353 - Dedução de 500 (até à concorrência da coleta)
- Campo 379 - Dedução de 463 (o valor excedente, porque existe CDT e porque é inferior ao valor da derrama municipal)
Importa referir que, quanto aos impostos que de acordo com o disposto na CDT, tenham sido indevidamente retidos em Espanha deverá o sujeito passivo informar-se junto dos serviços da autoridade fiscal desse país para aferir quais os procedimentos fiscais devidos.