PT19388
IRC – Filial: Preços de transferência
01-06-2017
Determinada empresa tem como ramo de atividade a criação de programas informáticos. O capital desta empresa é constituído por um único sócio, uma empresa norte-americana.
A única faturação que a empresa portuguesa vai emitir é uma fatura mensal à empresa-mãe norte-americana com a descriminação de todas as despesas incorridas em Portugal, porque quem fatura aos clientes é a empresa estrangeira.
Ou seja, esta empresa em Portugal vai ter resultado fiscal zero e não vai apresentar rendimentos relacionados com a atividade.
As questões são as seguintes:
- Em IRC, esta situação é possível e aceite fiscalmente?
- Em termos de IVA, a faturação das despesas à empresa-mãe é isenta? Está ao abrigo do artigo 6.º?
Parecer técnico
A questão colocada refere-se à incidência fiscal de serviços intragrupo prestados por uma empresa subsidiária, sedeada em Portugal, à empresa-mãe, sedeada nos Estados-Unidos da América.
Foi estabelecido um contrato de prestações de serviços intragrupo, abrangendo todos os encargos suportados pela empresa portuguesa para a realização da sua atividade, atendendo a que esta empresa portuguesa não tem qualquer outro cliente, uma vez que é a empresa-mãe americana que fatura aos clientes os serviços que são prestados pela empresa portuguesa.
Esses serviços irão ser prestados pela empresa subsidiária portuguesa, utilizados os respetivos recursos internos, no apoio operacional e administrativo para os clientes da empresa-mãe.
Para a realização desses serviços, a empresa subsidiária portuguesa irá obter como contraprestação um montante anual correspondente ao total dos custos suportados associados à realização da atividade para os clientes da empresa-mãe americana, parecendo não existir a aplicação de uma margem de lucro sobre esses encargos na faturação emitida à empresa-mãe.
A colega coloca a questão se tal forma de determinação do valor da contraprestação de serviços não pode determinar implicações e contingências fiscais em Portugal.
Na realidade, como esse montante do valor da contraprestação de serviços faturado à empresa-mãe não inclui qualquer margem de lucro para empresa portuguesa, nomeadamente a utilização de valores de margem que normalmente seriam praticados entre entidades independentes para o mesmo tipo de serviço, pode vir a ser considerado que estão a ser desviados rendimentos tributáveis de Portugal para o Estado americano, eventualmente, com propósitos de planeamento fiscal abusivo (p.e. se a empresa-mãe apresenta baixos lucros na sua atividade interna, querendo adicionar os lucros obtidos da atividade em Portugal aos lucros da empresa americana, devido à existência de um regime fiscal mais atraente nesse país do que em Portugal).
Para evitar este planeamento fiscal, existe o artigo 63.º do Código do IRC, que estabelece as normas referentes aos preços de transferência, que visam estabelecer regras fiscais de determinação dos resultados tributáveis em cada país pela realização de atividades económicas e financeiras contratadas e acordadas em regime de plena concorrência, ainda que efetuadas entre entidades com relações especiais.
Como se tratam de prestações de serviços intragrupo, realizadas entre entidades com relações especiais (n.º 4 do artigo 63.º do CIRC), essas condições estabelecidas entre a empresa-mãe e a sua subsidiária (preço, condições de pagamento, etc.) para a realização desses serviços devem ser idênticas às praticadas em condições de concorrência, ou seja, por entidades independentes para o mesmo tipo de serviços.
Para as entidades comprovarem que estão a efetuar operações comerciais em plena concorrência, têm que comparar as suas operações relacionadas com as operações entre entidades independentes através de determinação pelo método mais apropriado.
A Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, estabelece os indicadores a ser tidos em conta para a escolha do referido método mais apropriado para se determinar a comparação entre as operações vinculadas das duas entidades relacionadas e operações semelhantes não vinculadas (entre entidades independentes).
No caso em concreto, deve-se atender aos métodos previstos no artigo 6.º a 8.º da referida portaria, escolhendo o método do preço comparado de mercado, caso a empresa efetue ou conheça o valor de rédito para o mesmo tipo de prestações de serviços realizadas no mercado entre entidades independentes, ou alternativamente, o método do preço de revenda minorado ou método do custo majorado, que tem em conta a aplicação de uma margem de mercado, deduzido ao preço de venda ou acrescido ao preço de custo.
A análise pelo método escolhido deve estar devidamente documentada, sendo incluída no dossier de preços de transferência (parte do dossier fiscal) das duas empresas relacionadas, caso a isso seja obrigada.
Se, a entidade atingir valores de rendimentos anuais (vendas líquidas e outros rendimentos) superiores a 3.000.000 de euros, esta é obrigadas a preparar o dossier de preços de transferência, nos termos do n.º 3 do artigo 13.º da Portaria, indicando a justificação dos preços, condições e termos acordados nas operações vinculadas (entre as duas empresas).
Ainda que não seja obrigada a preparar o dossier de preços de transferência, deve justificar as condições (preços e pagamento) das operações e o método escolhido.
Nos termos do n.º 7 do artigo 63.º do CIRC, a entidade portuguesa é obrigada a declarar no Anexo H da IES, a existência ou inexistência, no período de tributação a que aquela respeita, de operações com entidades com as quais está em situação de relações especiais, devendo ainda, no caso de declarar a sua existência:
- Identificação das entidades em causa;
- Identificação e declaração dos montantes das operações realizadas com cada uma;
- Declaração se organizou, ao tempo em que as operações tiveram lugar, e mantém, a documentação relativa aos preços de transferência praticados (dossier de preços de transferência).
No entanto, ainda que se tenha que se cumprir com a obrigação de efetuar as operações vinculadas com preços de concorrência, apenas quando uma das entidades envolvidas for não residente em território nacional, a empresa nacional deve efetuar as devidas correções ao lucro tributável no período de tributação em que tal se verificarem essas operações, que não foram efetuadas com preços de mercado, conforme previsto no n.º 8 do artigo 63.º do CIRC.
Se os montantes envolvidos forem materialmente relevantes no âmbito do grupo, pode solicitar-se a obtenção de um acordo prévio sobre preços de transferência com as duas autoridades fiscais envolvidas (portuguesa e americana), de modo a evitar contingências fiscais futuras.
No caso em concreto, a empresa portuguesa é obrigada a acrescer no quadro 07 da Modelo 22 o montante da margem de mercado para a realização desses serviços à empresa-mãe americana, com o objetivo do lucro tributável da empresa portuguesa incluir os resultados da atividade desenvolvida, tal como se fosse praticada com os clientes, entidades independentes.
Em termos de IVA, a fatura emitida à empresa americana, tratando-se do débito de encargos, é considerada como uma prestação de serviços nos termos do artigo 4.º desse imposto.
Por aplicação da regra geral de localização das prestações de serviços, prevista na alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do CIVA, esta operação não é tributável em Portugal, devendo a fatura ser emitida sem liquidação de IVA, e colocando-se a menção pela aplicação de IVA: "IVA autoliquidação", conforme previsto no n.º 13 do artigo 36.º do CIVA.
Essa operação deve ser incluída no campo 8 do quadro 06 da Declaração Periódica do IVA.