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IRC - mais-valias em microentidades após investimentos financeiros
15 Setembro 2022
IRC - mais-valias em microentidades após investimentos financeiros
PT 27127 - agosto de 2022

A empresa "ALFA” (microentidade) vendeu a sua quota que detinha na empresa "BETA” ao sócio desta empresa. O valor nominal da quota é de 2 500 euros e foi vendida por 41 950 euros.
A ata da venda foi elaborada a 30 de dezembro de 2021 e o registo notarial na conservatória foi feito a 28 de fevereiro de 2022.
O registo desta operação, a nível contabilístico, é feito a 30 de dezembro de 2021 ou a 28 de fevereiro de 2022? Quais as operações a registar a nível contabilístico na empresa "BETA”? O valor da mais-valia está sujeito a IRC?

Parecer técnico

A questão colocada refere-se ao enquadramento contabilístico e fiscal da transmissão de uma participação financeira por parte de uma empresa ("ALFA"), segundo pressupomos, mediante contrato celebrado no final de 2021, só tendo ocorrido o registo comercial dessa transmissão no início de 2022.
Pressupomos também do exposto que a empresa "ALFA" aplica a norma contabilística para microentidades (NC-ME).
Começamos por salientar que a transmissão de quotas é um facto sujeito a registo comercial obrigatório, conforme decorre do artigo 3.º, n.º 1, alínea c) e artigo 15.º, n.º 1, ambos do Código do Registo Comercial.
E os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo (artigo 14.º do Código do Registo Comercial).
Em termos contabilísticos, na preparação e apresentação das demonstrações financeiras, a entidade deve ter em consideração a característica qualitativa referente à substância sobre a forma, nos termos do parágrafo 35 da estrutura conceptual do SNC.
Independentemente da forma legal da aquisição de um bem (por exemplo, ser efetuada através de um contrato de promessa), não existindo ainda a transferência legal ou jurídica da propriedade desse bem, em termos da substância económica, este deve ser considerado como um ativo para a entidade (promitente-compradora), a partir da data em que ocorra a transferência substancial dos riscos e vantagens pela posse do bem. E, consequentemente, a empresa promitente-vendedora deve desreconhecer esse item a partir da data em que transferiu substancialmente os riscos e vantagens pela posse do mesmo.
Este tratamento contabilístico está intimamente relacionado com o cumprimento da definição de ativo, nomeadamente o critério do controlo, previsto na estrutura conceptual do SNC [vide alínea a) do parágrafo 49 e parágrafo 87].
Muitas vezes os ativos estão associados a direitos legais. Porém, de acordo com o parágrafo 56 da estrutura conceptual do SNC, ainda que não exista um controlo legal do bem, se a entidade detiver todos os riscos e vantagens pela propriedade do mesmo, não detendo o anterior proprietário controlo substancial na sua gestão, pode considerar-se que existe controlo económico do ativo pela entidade (promitente-compradora).
Da mesma forma, o promitente-vendedor, ainda que não tenha sido efetuada a transferência legal de propriedade do ativo (pelo registo comercial da transmissão da quota), poderá ter que desreconhecer esse ativo, desde que tenha transferido substancialmente os riscos e vantagens pela propriedade do item, não detenha controlo continuado de gestão com grau geralmente associado com a sua posse, nem o controlo efetivo do ativo, nos termos das normas contabilísticas.
Todavia, a avaliação de quando se efetua a transferência substancial dos riscos e vantagens pela propriedade do ativo (neste caso, uma participação financeira) do anterior proprietário (empresa "ALFA") para a entidade atual exige alguns juízos de valor, devendo ser aferida caso a caso.
Deverá assim, tal situação ser aferida junto do órgão de gestão da entidade.
Em face do exposto, somente quando se considera que a empresa "ALFA" transferiu substancialmente os riscos e vantagens pela propriedade da quota a que se refere o contrato, é que se deverá proceder ao desreconhecimento da mesma, conforme se explica de seguida.
O parágrafo 17.3 da NC-ME estabelece que as participações de capital são mensuradas ao custo de aquisição e sujeitas a ajustamentos subsequentes derivados de eventuais imparidades.
Adicionalmente, o parágrafo 17.4 da NC-ME determina que uma entidade deve desreconhecer um ativo financeiro (ou parte de um ativo financeiro) apenas quando os direitos contratuais aos recebimentos resultantes do ativo financeiro se realizam, expiram ou são transferidos para outra entidade.
Assim, sugerem-se os seguintes registos contabilísticos pela alienação da quota a um terceiro:
Pela anulação de eventuais perdas por imparidade associadas ao investimento financeiro alienado (se existirem):
- Débito da conta 419 - Investimentos financeiros - Perdas por imparidade acumuladas, por contrapartida a crédito da conta 414x - Investimentos financeiros - Investimentos noutras empresas.
Pelo desreconhecimento do investimento financeiro alienado e reconhecimento da mais-valia ou menos-valia associada (se existir):
- Débito da conta 278x - Outros devedores (ou diretamente na conta 12 - Depósitos à ordem, consoante exista, ou não, diferimento do pagamento), pelo valor de realização determinado contratualmente relativo à alienação da participação financeira;
- Débito da conta 6862 - Outros gastos - Gastos nos restantes investimentos financeiros - Alienações (se da alienação resultar uma perda);
- Crédito da conta 414x - Investimentos financeiros - Investimentos noutras empresas, correspondente ao valor escriturado da participação financeira alienada;
- Crédito da conta 7862 - Outros rendimentos - Rendimentos nos restantes ativos financeiros - Alienações (se da alienação resultar um ganho).
Relativamente à declaração modelo 22, as mais-valias e as menos-valias contabilísticas seguem o regime regra, ou seja, as «mais-valias contabilísticas» são deduzidas no respetivo campo 767 e as «menos-valias contabilísticas» são acrescidas no respetivo campo 736.
Relativamente às mais ou menos valias fiscais, haverá que analisar o disposto nos artigos 46.º a 47.º-A e 51.º-C, todos do CIRC.
Na ótica da sociedade por quotas participada (empresa "BETA"), a alteração da titularidade do seu capital não implica necessariamente nenhum registo contabilístico, a menos que as contas de capital (conta 51) estejam subdivididas por nome ou designação de sócio, caso em que deverá ser efetuada a respetiva reclassificação contabilística.