Pareceres
IRC - Pagamentos
26 Outubro 2023
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC

IRC - Pagamentos
PT27706 - agosto de 2023

 

Determinada sociedade por quotas que desenvolve a atividade de táxis utiliza um meio de pagamento fornecido por uma empresa sediada na Irlanda. Esta empresa cobra uma taxa pelo serviço prestado, transferindo para a conta bancária da sociedade o valor já com a dedução da comissão/taxa. Qual o tratamento fiscal em sede de IVA e IRC desta situação, concretamente em relação à obrigatoriedade, ou não, de envio da declaração modelo 30, onde se declara o valor destas comissões/taxas?

 

Parecer técnico

 

O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento em IVA e IRC das comissões cobradas por uma entidade, com sede na Irlanda, para utilização de meio de pagamento.
No caso apresentado, assumimos que as comissões cobradas estão relacionadas com a gestão dos multibancos de uma instituição bancária, com sede na Irlanda.
Enquadramento em IVA
Em referência ao modo de utilização do Código do IVA, importa em primeiro lugar enquadrar a entidade e a operação praticada face às normas de incidência subjetiva (artigo 2.º do Código do IVA) e objetiva (artigo 1.º do Código do IVA). Posteriormente, teremos que aferir da territorialidade ou localização da operação - artigo 6.º do Código do IVA - de modo a determinar em que local deverá a operação ser sujeita a tributação. Determinado o local da tributação deve, então, aferir-se da existência de normas de isenção que se apliquem ao caso.
Assim, no caso em análise, depois de confirmada a sujeição objetiva (tratar-se de prestações de serviços) e subjetiva (os prestadores de serviços serem sujeitos passivos) das operações, deve analisar-se a territorialidade da operação. Para o efeito importa considerar o disposto no n.º 6 e seguintes do artigo 6.º do Código do IVA.
Existem, assim, duas regras de localização das operações definidas no n.º 6 do artigo 6.º do CIVA, ou seja, são tributáveis em território nacional as prestações de serviços a:
- Sujeitos passivos de IVA em território português, cuja sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio, para o qual os serviços são prestados, se situe no território nacional, onde quer que se situe a sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio do prestador [alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do CIVA];
- Às pessoas que não sejam sujeitos passivos de imposto (particulares), quando o prestador tenha no território nacional a sede da sua atividade, um estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio, a partir do qual os serviços são prestados [alínea b) do n.º 6 do artigo 6.º do CIVA]. Daqui resulta, que:
- Pela alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do CIVA, a localização da operação será no lugar da sede, estabelecimento estável ou domicílio do adquirente, isto desde que estejamos perante serviços prestados a sujeitos passivos, denominados de Business to Business (B2B), ou seja, serviços que tenham como destinatários sujeitos passivos de IVA.
- Pela alínea b) do n.º 6 do artigo 6.º do CIVA, a localização da tributação será no lugar da sede, estabelecimento estável ou domicílio do prestador, isto, se estivermos perante serviços prestados a não sujeitos passivos de IVA, ou seja, prestações de serviços que tenham como destinatários não sujeitos passivos de IVA (pessoa particular ou coletiva que não seja sujeito passivo de IVA), operações denominadas de Business to Consumer (B2C).
As regras gerais patentes no n.º 6 do artigo 6.º do CIVA podem ser afastadas por aplicação das regras de exceção dos números seguintes da mesma norma. Assim, determinadas prestações de serviços devidamente identificadas devem ser enquadradas, caso as suas condições se verifiquem, nas normas (de territorialidade) em que as mesmas se inserem.
Nos números 7 e 8 do artigo 6.º do CIVA temos as exceções às duas regras gerais e nos números 9, 10 e 11 as exceções à regra geral das prestações de serviços efetuadas por sujeitos passivos a não sujeitos passivos.
Além disso, o n.º 12 do artigo 6.º prevê algumas situações especiais que, a não terem sido previstas, ocasionariam ausência de tributação e nefastas distorções de concorrência.
No caso em concreto, tratando-se de serviços prestados entre dois sujeitos passivos de IVA, e visto que as operações em causa caem no conceito residual de prestação de serviços do artigo 4.º do CIVA, há que avaliar qual o Estado onde se localiza a operação de acordo com as regras do artigo 6.º do CIVA, para então aferir das obrigações daí derivadas.
Ora, não se tratando das operações elencadas nos números 7 e seguintes do artigo 6.º do CIVA, a operação fica abrangida pela regra geral de localização da alínea a) do n.º 6 do mesmo artigo 6.º, sendo a operação tributável no Estado do adquirente, ou seja, em Portugal.
Neste caso, cabe ao adquirente a entrega do imposto que se mostre devido em Portugal (autoliquidação), o que fará na sua declaração periódica, uma vez que o prestador não tem sede, estabelecimento estável ou residência em Portugal.
Todavia, para o tipo de operação descrita, há que ter em conta a isenção prevista no n.º 27 do artigo 9.º do CIVA.
Assim, quando as comissões bancárias faturadas pela entidade irlandesa tiverem enquadramento em alguma das isenções previstas no n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, as mesmas serão isentas em território nacional (local onde se localiza a operação), caso em que não haverá lugar a autoliquidação de imposto.
Ou seja, não obstante a regra de localização determinar a tributação das comissões bancárias em Portugal, quando essas comissões tiverem enquadramento na norma interna prevista no n.º 27 do artigo 9.º do CIVA que isenta a operação, o adquirente não terá de entregar qualquer imposto.
Por último, chamamos a atenção para os elementos a constar na fatura, considerando que estamos perante operações entre sujeitos passivos de IVA de Estados-membros, salientamos que dever-se-á ter em conta harmonizada no âmbito da União Europeia, a matéria relativa à faturação (Diretiva 2001/115/CE, de 20/12/2001 referente à harmonização da faturação entrou em vigor, nos Estados Membros, em janeiro de 2004).
Em bom rigor, sendo o prestador um sujeito passivo de IVA num Estado-membro, deveria cumprir com o disposto na referida diretiva, sem prejuízo das normas internas aplicáveis em cada Estado-membro. Isto é, na legislação interna da Irlanda deverá existir uma norma idêntica à do número 5 do artigo 36.º do CIVA.
Enquadramento em IRC
As entidades residentes são tributadas em Portugal pela totalidade dos rendimentos auferidos, incluindo os obtidos fora do território nacional, ou seja, pela regra da universalidade ou de base mundial, conforme o n.º 1 do artigo 4.º do Código do IRC (princípio da residência).
Em termos de IRC, as entidades não residentes que não tenham estabelecimento estável em território português são tributadas em Portugal, apenas pelos rendimentos obtidos em território português, conforme n.º 2 do artigo 4.º do CIRC, sendo esta tributação designada de base territorial (princípio da fonte).
Os rendimentos consideram-se obtidos em território nacional, tendo em conta a fonte produtora e/ou a entidade pagadora, conforme o n.º 3 do artigo 4.º do CIRC.
Nos termos da subalínea 7), da alínea c), do n.º 3, do artigo 4.º do CIRC, consideram-se obtidos em território português, os rendimentos derivados de prestações de serviços realizados ou utilizados neste território, cujo devedor aqui tenha residência, sede ou direção efetiva ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado, com exceção dos relativos a transportes, comunicações e atividades financeiras.
O conceito de «atividades financeiras» não se encontra objetivamente definido, recomendando-se, desde já, para salvaguarda da entidade e para evitar entendimentos divergentes, que a questão seja diretamente colocada à Autoridade Tributária - Serviços do IRC, mediante pedido de informação vinculativa nos termos do artigo 68.º da Lei Geral Tributária.
Sem prejuízo do referido no parágrafo anterior, admitimos que se encontrem abrangidos por este conceito os serviços típicos da atividade bancária e financeira, designadamente os relacionados com algumas das operações referidas no artigo 4.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, ficando de fora todos aqueles serviços que, pela sua natureza, possam igualmente ser prestados por qualquer entidade fora do setor bancário e financeiro, não estando por isso sujeita às regras de regulação e supervisão impostas a quem opera nestes setores de atividade.
Haverá que averiguar se será esse o caso de o serviço referido ser considerado uma operação financeira. Ou seja, consideramos que será de verificar se esse serviço está abrangido pela regulação de uma instituição financeira sujeita a supervisão.
Os rendimentos que não se considerem obtidos em território português não estão abrangidos pela obrigação de reporte na declaração modelo 30, por parte da entidade devedora com residência, sede ou direção efetiva em Portugal, conforme resulta da parte final da subalínea 7), da alínea c), do n.º 3, do artigo 4.º do CIRC, conjugada com o n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 98/2021, de 5 de maio.
Por outro lado, sempre que uma entidade devedora com residência, sede ou direção efetiva em território nacional, pague rendimentos de serviços (por exemplo, pagamento de comissões por intermediação na celebração de quaisquer contratos) a uma entidade não residente em Portugal, que se considerem obtidos em território nacional nos termos legais, quer haja lugar a retenção na fonte, quer seja aplicada a dispensa total ou parcial de retenção, ou alguma isenção, tais rendimentos (e retenções na fonte, quando efetuadas) devem ser reportados pela entidade devedora na declaração modelo 30.
Assim, pressupondo que no caso em concreto são rendimentos que se enquadram em atividade financeiras, os rendimentos não serão considerados obtidos em território português, pelo que não haverá lugar a retenção na fonte, nem à entrega da declaração modelo 30.
Contudo, se não se enquadrar como tal, devido à existência das duas regras de tributação dos rendimentos nos diversos Estados, pode ocorrer uma dupla tributação sobre esses rendimentos, pois os rendimentos podem ser tributados no país onde são obtidos (regra da territorialidade) e no país de residência da empresa que os obtêm (regra da universalidade), quando esse país não for o mesmo.
Devido a esta situação foram criadas as convenções para evitar a dupla tributação (CDT) internacional celebradas entre Portugal e outros Estados, disponíveis para consulta no portal das finanças os países com os quais Portugal celebrou tais CDT, com o objetivo de estabelecer uma redução ou eliminação de tributação de determinados rendimentos obtidos num Estado por residentes do outro Estado.
O artigo 98.º do CIRC estabelece que não existe obrigação de se efetuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 94.º do CIRC quando, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional que vincule o Estado Português ou de legislação interna, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha a sede nem direção efetiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.
Para ser evitada essa tributação em Portugal, as empresas intermediárias, não residentes sem estabelecimento estável, podem acionar a respetiva CDT celebrada entre Portugal e o referido país de residência, neste caso por aplicação do artigo 7.º dessa convenção.
Para tal, a empresa portuguesa deverá estar na posse de um certificado modelo 21 RFI devidamente preenchido e assinado pelo beneficiário efetivo dos rendimentos acompanhado de um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais do país do beneficiário do rendimento certificando que a entidade em causa é residente para efeitos fiscais nos termos do artigo 4.º da convenção para evitar a dupla tributação, no período em causa, e sujeita a imposto sobre o rendimento nesse Estado. Este formulário pode ser obtido junto da autoridade fiscal irlandesa.
O formulário é válido pelo prazo máximo de um ano, e expira no último dia do período identificado no certificado de residência fiscal.
Em qualquer circunstância, mantém-se a obrigatoriedade de apresentação da declaração modelo 30 relativa aos pagamentos a entidades não residentes, que deve ser apresentada, através de transmissão eletrónica de dados, até ao fim do segundo mês seguinte àquele em que proceda ao pagamento das referidas comissões ou taxas. (conforme resulta da conjugação do disposto no artigo 128.º do Código do IRC e n.º 7 do artigo 119.º do Código de IRS).
A entidade portuguesa deve ainda obter um número de identificação fiscal português especial para a empresa não residente sem estabelecimento estável, beneficiária de rendimentos considerados obtidos em território português (se esta não possuir tal NIF). Esse NIF especial deve ser indicado no respetivo campo da declaração modelo 30.
No caso de a empresa beneficiária do rendimento não entregar o modelo 21-RFI até à data-limite para realizar a retenção na fonte, a entidade portuguesa deve proceder a essa retenção na fonte, entregando o respetivo imposto ao Estado português, conforme determina o n.º 5 do artigo 98.º do CIRC.
Nessa situação, a empresa beneficiária do rendimento pode solicitar o reembolso total ou parcial do imposto que tenha sido retido na fonte, no prazo de dois anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto gerador do imposto, mediante a apresentação de um formulário de modelo 24-RFI, desde que cumpra as respetivas condições referidas para o acionamento da convenção.
Caso exista a obrigação de efetuar a retenção na fonte, nomeadamente por não ter sido apresentado o formulário modelo 21-RFI em devido tempo, a empresa portuguesa deve proceder à entrega do valor da retenção na fonte ao Estado português até ao dia 20 do mês seguinte à realização do pagamento do rendimento, através da declaração de retenções de IRC/IRS.