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IRC - Transparência fiscal
9 Abril 2018
PT20358
IRC - Transparência fiscal
Determinada sociedade por quotas exerce a atividade de medicina dentária e odontologia (CAE 86230), enquadrada em IRC no regime geral. Os sócios são ambos médicos dentistas, recebem remuneração mensal e pagam as devidas contribuições para a Segurança Social todos os meses.
Mediante esta situação estará enquadrada em IRC e abrangida pelo regime de transparência fiscal.
No ano findo a empresa registou um lucro fiscal de 2 338,65 euros. Depois de serem calculadas as tributações autónomas devidas pelas deslocações em viatura própria do trabalhador (dos dois sócios), ficou com um resultado líquido de 1 484,30 euros.
Deste valor foi decidido na aprovação de contas (já efetuada) do exercício findo a constituição de uma reserva legal (5 por cento) de 74,22 euros e a distribuição aos sócios do restante, ou seja 1 410,08 euros, cabendo a cada um dos sócios 705,04 euros.
Em face desta situação foram efetuados todos os procedimentos no apuramento dos resultados de 2017? Em que exercício os sócios têm que declarar o rendimento obtido em sede de IRS: 2017 ou 2018? E em que categoria de rendimentos de IRS? O valor a declarar será de 705,04 euros ou 742,15 euros (50 por cento antes da constituição da reserva legal).
Sobre o valor que vai ser distribuído aos sócios, há lugar ao pagamento de algum valor para a Segurança Social?

Parecer Técnico
Resulta da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC que o regime de transparência fiscal se aplica às sociedades de profissionais, sendo que, para estes efeitos existem dois conceitos de sociedades de profissionais.
Atualmente dispõe a alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRC:
«… a) Sociedade de profissionais:
1) A sociedade constituída para o exercício de uma atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, na qual todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa atividade; ou,
2) A sociedade cujos rendimentos provenham, em mais de 75%, do exercício conjunto ou isolado de atividades profissionais especificamente previstas na lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, desde que, cumulativamente, durante mais de 183 dias do período de tributação, o número de sócios não seja superior a cinco, nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público, e pelo menos, 75% do capital social seja detido por profissionais que exercem as referidas atividades, total ou parcialmente, através da sociedade…»
Assim, para efeitos de enquadramento nos conceitos transcritos importa considerar quer a qualidade e número dos detentores das partes sociais e percentagem de capital detido, quer a proveniência dos rendimentos obtidos face às diversas atividade profissionais constantes na lista anexa ao artigo 151.º do Código do IRS, assim como o facto de os sócios exercerem, ou não a sua atividade profissional através da sociedade.
No caso em análise, considerando que se trata de uma sociedade por quotas para o exercício da atividade de medicina dentária, em que todos os sócios são médicos dentistas e exercem a sua atividade profissional nesta sociedade, e admitindo que a totalidade dos rendimentos provém da prestação de serviços de medicina dentária, então, a sociedade estará enquadrada no regime de transparência fiscal.
O regime de transparência fiscal caracteriza-se pelo facto de o rendimento apurado pela sociedade não ser tributado na esfera desta, mas sim na esfera dos seus sócios. Sendo o rendimento tributado na esfera dos sócios no mesmo ano em que é apurado pela sociedade.
Uma das intenções subjacentes à existência de um regime de transparência fiscal era evitar que a forma de tributação condicionasse o modo de estabelecimento dos agentes económicos. Logo, exercer uma atividade profissional em nome individual ou exercer essa mesma atividade profissional através de pessoa coletiva deveria ser inócuo do ponto de vista da tributação.
Este regime de tributação é de aplicação obrigatória. Assim, as entidades que se encontrem por ele abrangidas devem referenciar tal enquadramento aquando do preenchimento da declaração periódica de rendimentos modelo 22. De referir que tal enquadramento é informação que não consta do cadastro do sujeito passivo na Administração Tributária.
Os sujeitos passivos abrangidos pelo regime de transparência fiscal, seguem o disposto no Código do IRC para as entidades que exercem a título principal atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola. Assim, para determinação da matéria coletável, ao resultado contabilístico do período, obtido pela diferença entre rendimentos e ganhos e gastos e perdas, serão adicionadas e subtraídas, respetivamente, as variações patrimoniais positivas e negativas não refletidas naquele resultado, e demais correções resultantes do Código, determinando-se assim o resultado tributável (lucro tributável ou prejuízo tributável).
Ao resultado tributável apurado pela sociedade serão deduzidos os prejuízos fiscais nas condições previstas no artigo 52.º do Código do IRC e eventuais benefícios fiscais que operem por dedução ao resultado tributável, obtendo-se assim a matéria coletável.
A imputação da matéria coletável aos sócios será feita de acordo com o que estiver previsto para esse efeito no ato constitutivo, ou, na falta de elementos, em partes iguais. Não releva o facto de terem, ou não, sido distribuídos lucros. Ou seja, a matéria coletável é imputada aos sócios independentemente de a estes ter sido paga ou colocada à disposição qualquer importância.
Conforme previsto no artigo 20.º do Código do IRS, constitui rendimento, tributável no âmbito da categoria B, os rendimentos imputados pela sociedade de profissionais (a matéria coletável da sociedade), quando tais sociedades se encontrem abrangidas pelo regime de transparência fiscal. Se o valor auferido pelo sócio a título de adiantamento por conta de lucros (importâncias efetivamente pagas ou colocadas à disposição) for de montante superior ao resultado imputado, então, este prevalece sobre o primeiro.
O rendimento imputado pela sociedade de transparência fiscal, ou o valor auferido a título de adiantamento por contas de lucros, caso seja superior, constituem um rendimento líquido desta categoria de rendimentos.
Na esfera dos sócios de sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal, verificamos que os rendimentos provenientes de lucros ou de adiantamentos por conta de lucros não sendo qualificados como rendimentos de capitais - Categoria E -, não são sequer sujeitos a retenção na fonte aquando do seu pagamento ou colocação à disposição. De facto, esta é uma das grandes atrações do regime de transparência fiscal face ao regime geral, que é o facto de os sócios poderem dispor livremente dos lucros da sociedade desde que exista disponibilidade financeira e as normas que regem a sociedade assim o permitam.
No regime de transparência fiscal, a matéria coletável apurada na sociedade não é tributada na esfera desta, mas é sim, imputada aos sócios e tributada por estes. Esta tributação na esfera dos sócios ocorre independentemente de existir ou não trabalho desenvolvido pelos sócios (sem prejuízo da verificação das condições para a aplicação deste regime especial de tributação).
Sendo que no regime de transparência fiscal há uma diferença relevante face ao regime geral, referimo-nos à distribuição de lucros, ou adiantamento por conta destes. Enquanto que, na esfera dos sócios, os lucros distribuídos por uma sociedade abrangida pelo regime geral são qualificados como rendimentos de capitais e tributados à taxa liberatória de 28%, o mesmo não acontece quando a sociedade que distribui os lucros se encontra na transparência fiscal. Neste caso, os rendimentos obtidos pelos sócios a título de lucros ou adiantamento por conta de lucros, não configuram rendimentos de capitais, conforme alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS.
Neste sentido, os sócios poderão fazer retiradas de dinheiro durante o ano, a título de lucros ou adiantamento por conta de lucros, cenário que não configura a obtenção de rendimento tributável.
Apenas há a referir que quando as quantias adiantadas a título de lucros superam o valor da matéria coletável imputada, então o sócio deverá fazer o respetivo ajustamento e ser tributado pela quantia efetivamente auferida a título de lucros, podendo no período seguinte fazer o ajustamento em sentido inverso.
Assim, importa perceber, no caso exposto, se estamos perante o processamento das remunerações dos sócios gerentes, ou se estamos perante adiantamentos por conta de lucros.
Em sede de segurança social, exclui-se do âmbito de aplicação do regime aplicável aos membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas e entidades equiparadas, os sócios gerentes de sociedades constituídas exclusivamente por profissionais incluídos na mesma rubrica da lista anexa ao Código do IRS e cujo fim social seja o exercício daquela profissão, de acordo com o artigo 63.º, alínea d) da Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro.
De acordo com o artigo 133.º n.º 1, alínea b) da Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, com as alterações dadas pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (OE 2011), são abrangidos pelo regime de segurança social dos trabalhadores independentes, os sócios ou membros das sociedades de profissionais definidas na alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRC (CIRC). Desta forma, os sócios gerentes das sociedades de transparência fiscal são enquadrados como trabalhadores independentes.
Assim, o enquadramento em Segurança Social, far-se-á anualmente através da declaração de rendimentos, sendo a determinação do rendimento relevante feita nos termos do artigo 162.º do Código Contributivo.
No entanto, recomendamos um pedido de parecer vinculativo à Segurança Social, uma vez que esta entidade ainda não se pronunciou como será feita essa alteração de MOE para trabalhador independente e mesmo em que momento será feito atendendo a que a verificação dos pressupostos de enquadramento na transparência fiscal só é confirmada no final do exercício. Ou mesmo se se pode aplicar alguma isenção se nomeadamente quando acumulem a situação de sócio da sociedade de profissionais com atividade profissional por conta de outrem para outra entidade.
Relativamente ao pagamento de imposto, referimos já que as sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal são isentas de IRC, exceto no que respeita às tributações autónomas. Logo, na autoliquidação deste imposto de uma sociedade transparente esta apenas calculará tributação autónoma. O pagamento do imposto ocorrerá pois, na esfera dos sócios.
As sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal não estão abrangidas pela obrigatoriedade de pagamento por conta (este ocorrerá igualmente na esfera dos sócios) nem de pagamento especial por conta, a Administração Tributária já se pronunciou sobre esta questão, caso dúvidas existissem. Refere-se à Circular n.º 8/90, de 16 de fevereiro e ao Despacho de 21-12-2009 - Processo n.º 138/2009.
As sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal estão sujeitas às diversas obrigações a que estão inerentes às vulgares entidades que exercem a título principal atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, nomeadamente de possuir contabilidade organizada de acordo com a normalização contabilística vigente e de entrega das diversas declarações fiscais (declaração periódica de rendimentos modelo 22, Informação Empresarial Simplificada/ Declaração Anual, Modelo 10, etc.).
Haverá a destacar o facto de a sociedade abrangida pelo regime de transparência fiscal ter de entregar o Anexo G (Regimes especiais - sociedades e outras entidades sujeitas ao regime de transparência fiscal) da IES. Sendo que os sócios, pessoas singulares deverão entregar, juntamente com a sua declaração de rendimentos modelo 3, o anexo D (Transparência fiscal - Imputação de rendimentos; Herança indivisa - Imputação de rendimentos).
Em termos contabilísticos não há qualquer especificidade para este tipo de sujeito passivo, pois a diferença reside no campo fiscal. De facto, aquando da estimativa de imposto, o sujeito passivo enquadrado no regime de transparência fiscal deverá considerar as regras próprias deste regime, no fundo, apenas apura tributação autónoma, caso esta exista.
Assim, aquando do encerramento das contas o sujeito passivo enquadrado no regime de transparência fiscal deverá proceder ao apuramento do resultado, ao resultado contabilístico apurado haverá que abater o imposto estimado (tributação autónoma), chegando-se assim ao resultado líquido do período.
Este será objeto de aprovação das contas a deliberação acerca da sua distribuição, devendo para o efeito considerar as circunstâncias que resultam da legislação comercial, nomeadamente a constituição de reservas e condições para a distribuição.
O movimento contabilístico deverá acompanhar a deliberação tomada, sendo que o resultado cuja deliberação reside na distribuição aos sócios deverá ser relevando em lucros disponíveis, sendo esta conta saldada aquando do pagamento ou por acerto de contas com adiantamentos já efetuados.
Será a matéria coletável apurada no quadro 10 da modelo 22, por exemplo do ano de 2017, que será imputada aos sócios. Estes, de acordo com a percentagem que lhe é imputável deverão considerar tal valor no anexo D à modelo 3 do ano de 2017.