PT20583 - IRC / Tributação autónoma/ Cedência de viatura
01-04-2018
Uma empresa dedica-se à manutenção de torres eólicas e adquiriu uma viatura ligeira de passageiros através de um contrato de crédito. Essa viatura é utilizada por dois técnicos que se deslocaram da Alemanha e vão permanecer em Portugal durante dois anos. A viatura ao fim de dois anos será devolvida. A prestação do bem que a empresa paga é debitada posteriormente à empresa alemã, à qual os dois técnicos estão afetos.
A viatura deverá ser amortizada e a amortização sujeita a tributação autónoma, uma vez que o bem será devolvido dentro de dois anos ou pode deixar de amortizar-se a mesma?
A prestação paga inclui juros que são contabilizados como gasto. Estes juros são sujeitos a tributação autónoma, uma vez que são debitados ao cliente?
Parecer Técnico
A questão colocada refere-se ao tratamento contabilístico e fiscal da aquisição de uma viatura ligeira de passageiros e as respetivas depreciações e a sujeição a tributações autónomas.
A viatura adquirida em causa irá ser usada pela entidade através de uma cedência de utilização (locação) a uma terceira entidade, sendo classificada como um item do ativo fixo tangível nos termos da norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) n.º 7 - Ativos fixos tangíveis.
De acordo com o parágrafo 6 da NCRF 7, os itens do ativo fixo tangível são itens tangíveis que sejam detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para locação a outros, ou para fins administrativos e, dos quais se espera que sejam usados durante mais do que um período.
Ainda que viatura seja cedida a uma terceira entidade através de uma locação, continuando sob o controlo e gestão da empresa, e continuando a gerar benefícios económicos pela sua utilização (através da cedência), esta deve ser classificada como um item do ativo fixo tangível.
A depreciação de um bem, como por exemplo de uma viatura ligeira de passageiros, é a imputação aos resultados do período da quantia depreciável de um item do ativo fixo tangível ao longo da sua vida útil, conforme decorre das definições previstas no parágrafo 6 da norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) n.º 7 - Ativos fixos tangíveis.
Na prática essa quantia depreciável corresponde à diferença entre o valor de aquisição do ativo e o seu valor residual estimado, sendo este último a quantia que a empresa espera obter da alienação de tal ativo no final da vida útil.
No caso das viaturas ligeiras de passageiros, é possível efetuar uma estimativa fiável do valor residual das viaturas, devido à existência de um mercado ativo para esse tipo de itens.
Por outro lado, a vida útil do item do ativo fixo tangível corresponde ao período ao longo do qual se espera que a empresa use esse ativo.
Desta forma resulta que as depreciações dos itens dos ativos fixos tangíveis são contabilizadas, em cada período, no valor correspondente à sua utilização nesse período, numa base sistemática durante a vida útil, sendo ainda possível utilizar um sistema de duodécimos na sua contabilização, para demonstrar, de uma forma mais equilibrada ao longo do período e desde o mês em que esse ativo começa efetivamente a gerar benefícios para a empresa, essa imputação aos gastos da empresa.
O parágrafo 55 da NCRF 7 refere que as depreciações dos itens dos ativos fixos tangíveis começarão quando estes estejam disponíveis para uso, ou seja, quando estiverem no local e nas condições necessárias à sua utilização pela empresa.
As depreciações apenas devem cessar no momento em que o item do ativo fixo tangível for desreconhecido (por alienação, abate, etc.) ou quando for classificado como ativo não corrente detido para venda, nos termos da NCRF 8.
Essas depreciações não podem cessar quando o ativo se tornar ocioso ou for retirado do uso a não ser que o ativo esteja totalmente depreciado.
A não contabilização do gasto da depreciação, quando tenha sido efetivamente incorrido, representa uma clara derrogação às normas contabilísticas, não existindo qualquer justificação aceitável para tal acontecer. Essa não contabilização desse gasto não permite que as demonstrações financeiras apresentem uma imagem verdadeira e apropriada da posição financeira e dos resultados das operações da empresa.
A derrogação das normas contabilísticas originada com o objetivo de algum tipo de poupança fiscal não pode ser considerada aceitável sob qualquer ponto de vista, contabilístico ou fiscal.
Este tipo de situações leva a que as demonstrações financeiras não mostrem fiabilidade na informação que têm como finalidade apresentar ou se espera que razoavelmente representem, sendo esta uma das características qualitativas previstas na estrutura conceptual do SNC, e pode levar ainda a possíveis correções à matéria coletável ou ao imposto apurado por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, uma vez que de acordo com o artigo 17.º do Código do IRC (CIRC) essa determinação do resultado tributável deverá ter como base a contabilidade, devendo esta estar organizada de acordo com a normalização contabilística em vigor.
No caso em concreto, a viatura adquirida, com objetivo de ser cedida temporariamente (como uma locação) a uma terceira entidade, deve continuar a ser objeto de depreciação no decurso do período de vida útil estimado na atividade da entidade.
Quanto às tributações autónomas sobre os encargos suportados e incorridos com as viaturas ligeiras de passageiros, há que atender ao princípio subjacente a essas tributações de IRC.
A tributação autónoma tem por princípio tributar os consumos e outro tipo de situações efetuados pelos sujeitos passivos de IRC, que podem ter uma componente de utilizações pessoais e particulares dos seus órgãos sócias e empregados, ou seja, que se considera que possam estar fora do âmbito da atividade da empresa, ou ainda de situações não tributadas num momento anterior.
Em rigor, tais situações deviam ser tributadas em sede de IRS, mas dada a natureza desses encargos suportados pela empresa, e pela dificuldade na imputação objetiva aos rendimentos pessoais dos utilizados ou beneficiários, o CIRC estabelece uma tributação própria, para além do IRC, a ser suportada pela empresa.
O caso típico de incidência em tributações autónomas é os encargos suportados relativos às viaturas ligeiras de passageiros, pois aqui claramente pode existir uma componente de utilização pessoal da viatura pelos órgãos ou empregados da entidade.
No caso em concreto, existe o redébito dos encargos suportados com as viaturas ligeiras de passageiros à entidade alemã, com a qual foi estabelecido um contrato de manutenção dos equipamentos da empresa.
Nesse contrato, foi acordado que os encargos suportados pela e, em nome da, empresa portuguesa para a manutenção dos equipamentos, nomeadamente os encargos suportados com viaturas ligeiras de passageiros adquiridas, são debitados à empresa alemã, incluindo o valor da prestação mensal devida à entidade bancária financiadora da aquisição dessas viaturas (capital e juros).
Trata-se da utilização dessas viaturas na realização da atividade da empresa portuguesa, pela cedência temporária à entidade alemã (como uma locação), efetuando-se a imputação dos encargos dessas viaturas, como componente do valor do rédito acordado com esse cliente, sendo que as viaturas são utilizadas pelos empregados da empresa alemã.
Em termos contabilísticos, por regra, o débito de encargos suportados a uma outra entidade não tem necessariamente que ser reconhecido como um rendimento. É mais apropriado reconhecer uma redução de gastos por esse débito de despesas.
No caso em concreto, como se trata da cedência temporária da viatura à entidade alemã tendo como contrapartida o recebimento de um valor de renda previamente definido, esta operação pode ser tratamento como uma locação operacional da viatura a essa entidade alemã.
Com este tratamento contabilístico, os encargos suportados com as viaturas ligeiras de passageiros devem manter-se reconhecidos como gastos do período em que foram suportados, incluindo o gasto da depreciação e os encargos com os juros suportados pelo financiamento obtido.
Apesar dos encargos se manterem reconhecidos como gastos relacionados com as viaturas ligeiras, estes não estarão sujeitos a tributações autónomas, atendendo a que as viaturas não são utilizadas especificamente por empregados da própria empresa.
Como a viatura é objeto de cedência à empresa alemã, existindo um rendimento associado a essa locação, os encargos relacionados com viatura não estão sujeitos a tributação autónoma, nos termos da alínea a) do n.º 6 do artigo 88.º do CIRC.