Pareceres
IRS - aquisição de viatura de empresa por trabalhador
2 Dezembro 2024
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

IRS - aquisição de viatura de empresa por trabalhador
PT28242 - julho 2024

 

Determinada empresa, que exerce uma atividade não isenta, tem no seu ativo uma viatura ligeira de passageiros que adquiriu em junho de 2017, por 23 500 euros (inclui IVA que não foi deduzido), que se encontra totalmente amortizada e que pretende alienar a um trabalhador.
A empresa obteve de diversas empresas de venda de veículos usados propostas de venda entre os nove e os dez mil euros. O funcionário fez uma proposta para adquirir a viatura por oito mil euros. De acordo com os termos do n.º 6 do artigo 24.º do CIRS, o valor de mercado da viatura é o valor de aquisição deduzido da desvalorização definida na Portaria n.º 467/2010, ou seja, 5 875 euros = 23 500 euros - 75% x 23 500 euros.
Se a empresa vender ao trabalhador por um valor inferior às propostas, mas superior ao valor de mercado, nos termos do n.º 6 do artigo 24.º do CIRS, haverá ou não lugar a tributação em espécie na esfera do trabalhador?
Em termos de IVA, relativamente à venda da viatura, como a empresa não deduziu o IVA, nos termos do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA, irá ter de emitir uma fatura com IVA isento. Que código de isenção deve usar na emissão da fatura (M19, M99 ou outro) e que artigo deve ser mencionado na fatura (nos termos do n.º 32 do artigo 9.º)?

 

Parecer técnico

 

De acordo com a alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, constituem rendimento do trabalho dependente as remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica, sendo exemplo, nomeadamente, os constantes nas subalíneas da própria alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, sendo de destacar a seguinte:
«10) Os resultantes da aquisição pelo trabalhador ou membro de órgão social, por preço inferior ao valor de mercado, de qualquer viatura que tenha originado encargos para a entidade patronal (…).»
Ora, face ao exposto, a alienação de uma viatura abaixo do preço de mercado, consubstancia um rendimento em espécie, tributável na esfera pessoal do funcionário que o aufere.
O apuramento do valor tributável de um rendimento em espécie dá-se nos termos do artigo 24.º do CIRS, indicando o seu n.º 1 que: «A equivalência pecuniária dos rendimentos em espécie, incluindo quando assumam a forma de criptoativos, faz-se de acordo com as seguintes regras, de aplicação sucessiva:
a) Pelo preço tabelado oficialmente;
b) Pela cotação oficial de compra;
c) Tratando-se de géneros, pela cotação de compra na bolsa de mercadorias de Lisboa ou, não existindo essa cotação, pelo preço médio do respetivo ano ou do último determinado e que constem da estiva camarária;
d) Pelos preços de bens ou serviços homólogos publicados pelo Instituto Nacional de Estatística;
e) Pelo valor de mercado, em condições de concorrência.»
Sem prejuízo, há ainda que atentar ao disposto nos números 6 e 7 do mesmo artigo, que determinam o seguinte:
«6 - No caso de aquisição de viatura pelo trabalhador ou membro de órgão social, o rendimento corresponde à diferença positiva entre o respetivo valor de mercado e o somatório dos rendimentos anuais tributados como rendimentos decorrentes da atribuição do uso com a importância paga a título de preço de aquisição.
7 - Na determinação dos rendimentos previstos nos n.ºs 5 e 6, considera-se valor de mercado o que corresponder à diferença entre o valor de aquisição e o produto desse valor pelo coeficiente de desvalorização acumulada constante de tabela a aprovar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.»
Nestes termos, o rendimento em espécie será apurado pela diferença positiva entre o respetivo valor de mercado da viatura (determinado com base na Portaria n.º 383/2003, de 14 de maio) e o somatório dos rendimentos anuais tributados como rendimentos decorrentes da atribuição dessa mesma viatura (que, tendo sido o caso, terão sido apurados nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do CIRS) com o valor pago a título de aquisição.
Como já referido, para determinar o valor da viatura, há que verificar o seu mês e ano de matrícula e, consequentemente, a taxa de desvalorização imposta pela referida portaria.
Estes rendimentos devem constar na DMR com o código A67.
Sobre o cálculo sugerimos a leitura de um artigo na revista «Fleet Magazine» sobre a tributação do rendimento por atribuição ou aquisição de viatura por parte do colaborador, que pode consultar no site da OCC.
Assim, para efeitos de IRS, só haverá lugar a tributação se o valor pago pelo colaborador foi inferior ao valor de mercado, calculado nos termos da Portaria n.º 383/2003, de 14 de maio.
O valor de mercado em plena concorrência, será determinante, não no cálculo dos rendimentos em IRS, mas em IRC e IVA.
Em sede de IRC, e tratando-se de uma alienação, importa proceder ao cálculo da mais ou menos-valia fiscal, nos termos do artigo 46.º e seguintes do Código do IRC.
Regra geral, conforme determina o n.º 2 do referido artigo 46.º do CIRC, as mais-valias são apuradas pela diferença entre o «valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente, das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas nos artigos 28.º-A, 31.º-B e ainda dos valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 31.º-A.»
Contudo, relativamente às viaturas, a Circular n.º 6/2011, revela o seguinte entendimento da administração fiscal:
«32. Para as viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo valor de aquisição ou de reavaliação exceda aquele limite, deve observar-se o seguinte:
32.1. O cálculo da mais-valia ou menos-valia fiscal é efetuado também de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 46.º do Código do IRC devendo considerar-se, na respetiva fórmula de cálculo, as depreciações praticadas.
Face à ratio subjacente à imposição de limites ao reconhecimento de gastos com este tipo de bens quando o respetivo valor de aquisição ou de reavaliação ultrapassa determinado montante, a interpretação mais consentânea com esse ratio é considerar que, para efeitos de determinação das respetivas mais-valias ou menos-valias, o valor das depreciações que releva é o das praticadas na contabilidade.»
Assim, no caso concreto das viaturas, não deverão considerar-se apenas as depreciações aceites fiscalmente, mas as praticadas na contabilidade.
Nos termos do artigo 47.º do CIRC, o valor de aquisição da viatura, subtraído das depreciações acumuladas, deve ser corrigido do coeficiente de desvalorização monetária - no caso em concreto, sendo este valor nulo, a correção é irrelevante.
Face ao exposto, teremos que a mais-valia ou menos-valia fiscal também é nula.
No que respeita ao cálculo da mais ou menos-valias fiscal, recomendamos ainda a leitura das páginas 40 a 43 e 68 e 69 do manual de preenchimento do quadro 07 da declaração modelo 22, divulgado pela Autoridade Tributária.
Na ótica do IRC, nos termos do n.º 1 do artigo 63.º do CIRC, nas operações efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais (operações vinculadas), devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticas aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, nas situações elencadas no n.º 4 do artigo 63.º do CIRC.
Para este efeito, consideram-se as operações comerciais, incluindo qualquer operação ou série de operações que tenha por objeto bens tangíveis ou intangíveis, direitos ou serviços, ainda que realizadas no âmbito de um qualquer acordo, designadamente de partilha de custos e de prestação de serviços intragrupo, bem como operações financeiras e operações de reestruturação ou de reorganização empresariais, que envolvam alterações da estrutura de negócio, a cessação ou renegociação substancial dos contratos existentes, em especial quando impliquem a transferência de bens tangíveis, intangíveis, direitos sobre intangíveis, ou compensações por danos emergentes ou lucros cessantes (conforme n.º 2 do artigo 63.º do CIRC).
Assim, se eventualmente existirem relações especiais entre o trabalhador e a entidade empregadora, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º do CIRC, então a mais-valia fiscal deverá ser calculada, atendendo ao valor ao valor de mercado da viatura, se for superior ao valor pago pelo trabalhador.
Por sua vez, em sede de IVA, o n.º 1 do artigo 3.º do Código do IVA define as transmissões de bens como sendo «a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.»
Por sua vez, reforça a alínea f) do n.º 3 do mesmo artigo 3.º do CIVA que é ainda equiparada a uma transmissão onerosa, «ressalvado o disposto no artigo 26.º, a afetação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a fins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto.»
Assim, em primeiro lugar, importa desde logo verificar se a viatura em causa foi objeto do direito à dedução aquando da sua aquisição - não o tendo sido, não se verificará qualquer regularização do IVA.
Por outro lado, tendo sido a viatura objeto do direito à dedução aquando da sua aquisição, por força da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA, a sua transmissão gratuita é equiparada a uma transmissão onerosa de bens.
Por sua vez, e admitindo que o IVA foi dedutível, tendo a transmissão sido efetuada a custo zero, haverá que apurar o valor tributável da operação, nos termos do artigo 16.º do Código do IVA, que, regra geral, se dá pelo valor da contraprestação obtida ou a obter - no entanto, no caso em concreto, sabemos que fora nulo.
Nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, «para as operações referidas nas alíneas f) e g) do n.º 3 do artigo 3.º, o preço de aquisição dos bens ou de bens similares, ou, na sua falta, o preço de custo, reportados ao momento da realização das operações.»
No entanto, para efeito de determinação do valor tributável, haverá ainda que diferenciar o facto de existirem relações especiais. Pois não é indiferente se a venda é efetuada ao sócio ou trabalhador da empresa, ou a uma outra entidade independente (sem a existência de relações especiais).
Desta forma sempre que existam relações especiais nos termos do n.º 10 do artigo 16.º do CIVA (e se verifique algum dos casos referidos nesse preceito - vide também o artigo 63.º do CIRC), o valor tributável para efeito de cálculo do imposto será o valor normal, «valor de mercado» (vide n.º 4 do artigo 16.º do CIVA).
No entanto, conforme dita o n.º 12 do referido artigo 16.º do CIVA, são consideradas relações especiais «as relações estabelecidas entre um empregador e um empregado, a família deste ou qualquer pessoa com ele estreitamente relacionada.»
De acordo com o n.º 10 do artigo 16.º do CIVA, numa relação especial, o valor tributável de uma operação é o valor normal apurado nos termos do n.º 4, sempre que:
«a) A contraprestação seja inferior ao valor normal e o adquirente ou destinatário não tenha direito a deduzir integralmente o imposto;
b) A contraprestação seja inferior ao valor normal e o transmitente dos bens ou o prestador dos serviços não tenha direito a deduzir integralmente o imposto e a operação esteja isenta ao abrigo do artigo 9.º;
c) A contraprestação seja superior ao valor normal e o transmitente dos bens ou o prestador dos serviços não tenha direito a deduzir integralmente o IVA.»
Assim, e consequentemente, o n.º 4 do artigo 16.º do Código do IVA indica-nos que o valor normal de uma operação é:
«a) O preço, aumentado dos elementos referidos no n.º 5, na medida em que nele não estejam incluídos, que um adquirente ou destinatário, no estádio de comercialização em que é efetuada a operação e em condições normais de concorrência, teria de pagar a um fornecedor ou prestador independente, no tempo e lugar em que é efetuada a operação ou no tempo e lugar mais próximos, para obter o bem ou o serviço ou um bem ou serviço similar;
b) Na falta de bem similar, o valor normal não pode ser inferior ao preço de aquisição do bem ou, na sua falta, ao preço de custo, reportados ao momento em que a transmissão de bens se realiza;
c) Na falta de serviço similar, o valor normal não pode ser inferior ao custo suportado pelo sujeito passivo na execução da prestação de serviços.»
No caso em concreto, tal como indicado, o valor apurado por um perito independente, para a viatura no seu estado atual, é de 9 000 a 10 000 euros, sendo esse, certamente, o valor que o adquirente teria de desembolsar por tal viatura, em condições normais de mercado, devendo ser este o valor que serve de base à liquidação do IVA, adicionado, se for o caso, dos elementos do n.º 5 do mesmo artigo.
A liquidação de imposto pode ser efetuada pelo próprio sujeito passivo que efetua a transmissão gratuita, uma vez que, de acordo com o n.º 3 do artigo 37.º do CIVA, não existe obrigatoriedade de repercussão do imposto nos casos concretos em análise, podendo ainda a operação ser suportada por mero documento interno (n.º 7 do artigo 36.º do CIVA).
No entanto, estão contempladas no Código do IVA isenções ao imposto, nomeadamente, as transmissões de bens afetos exclusivamente a uma atividade isenta, quando não tenham sido objeto do direito à dedução e bem assim as transmissões de bens cuja aquisição ou afetação tenha sido feita com exclusão do direito à dedução nos termos do n.º 1 do artigo 21.º (n.º 32 do artigo 9.º).»
No caso aqui apresentado, na venda desta viatura afeta ao ativo fixo da empresa, tendo a mesma sido adquirida com exclusão do direito à dedução nos termos do artigo 21.º do CIVA, a operação será isenta nos termos do n.º 32 do artigo 9.º do CIVA.