Agosto de 2022
Determinado sócio não residente (canadiano) de uma empresa portuguesa pretende fazer levantamento de lucros. Deve ser feita retenção da taxa liberatória de 28 por cento?
A pessoa em questão também tem salário como sócio-gerente nesta empresa (desconta taxa de IRS de 25 por cento). Em 2023 deve entregar a declaração modelo 3 em Portugal? Estes rendimentos também são para declarar no Canadá?
Parecer técnico
A questão colocada refere-se ao tratamento fiscal da distribuição de lucros (dividendos), por uma sociedade portuguesa, a um sócio pessoa singular residente fiscal no Canadá.
Em primeiro lugar, haverá que verificar se os lucros da sociedade são ou não distribuíveis, recomendando-se a análise dos artigos 32.º e 33.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
No caso de sociedades por quotas, será ainda de ter em consideração o disposto nos artigos 217.º e 218.º do CSC. E, no caso de sociedades anónimas, o disposto nos artigos 294.º a 297.º do CSC.
Assim, após a validação e cumprimento das obrigações e aplicações constantes da legislação mencionada, verificando-se que existem de facto lucros distribuíveis, os sócios ou acionistas podem em qualquer momento, incluindo para além do momento da aprovação de contas de um determinado exercício, deliberar a distribuição desses montantes retidos na sociedade (reservas livres ou resultados transitados), nos termos do artigo 22.º do CSC para cuja leitura se remete.
As deliberações dos sócios ou acionistas em assembleia geral, nomeadamente a deliberação de aprovação das contas e aplicação dos resultados, têm de constar em ata, conforme disposto no artigo 63.º do CSC. Essa ata é o documento de suporte para efetuar os respetivos registos contabilísticos.
Em termos fiscais, na esfera dos sócios pessoas singulares, as distribuições de lucros são consideradas como rendimentos de capitais (categoria E de IRS), conforme a alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS.
Esses rendimentos ficam sujeitos a tributação na data de colocação à disposição, ou seja, na data em que a sociedade decidir efetuar o pagamento dos lucros aos sócios, de acordo com a distribuição deliberada em assembleia geral, conforme estabelecido na subalínea 2) da alínea a) do n.º 3 do artigo 7.º do CIRS.
Tratando-se de sócios não residentes em território português, apenas os rendimentos considerados obtidos neste território serão objeto de tributação em IRS, conforme previsto no n.º 2 do artigo 15.º do Código desse imposto.
O artigo 18.º do CIRS estabelece que se consideram obtidos em território português, os rendimentos de capitais, nomeadamente dividendos (lucros distribuídos) devidos por entidades que nele tenham residência, sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento, conforme a alínea g) do n.º 1 desse artigo.
Os rendimentos pagos relativos a lucros obtidos por sociedades portuguesas, sujeitas a IRC, e colocados à disposição de sócios, pessoas singulares, não residentes em território português, estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28 por cento, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do CIRS.
Todavia, o artigo 101.º-C do CIRS prevê a possibilidade de não se proceder à retenção na fonte (no todo ou em parte) relativamente àqueles rendimentos, quando entre Portugal e o Estado de residência do beneficiário dos lucros existir convenção destinada a evitar a dupla tributação (CDT) e nela estiver previsto que a competência para a tributação dos referidos rendimentos não é atribuída a Portugal ou o é apenas de forma limitada.
Na situação em apreço, como existe CDT entre Portugal (Estado de origem dos rendimentos) e o Canadá (Estado de residência do beneficiário), a taxa de retenção na fonte em Portugal pode ser reduzida para a taxa prevista nessa convenção para os rendimentos relacionados com dividendos, desde que a mesma seja acionada.
Ora, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º da CDT celebrada entre Portugal e o Canadá, a retenção na fonte relativa a lucros ou dividendos distribuídos a sócios/pessoas singulares pode ser reduzida à taxa de 15 por cento do montante bruto dos referidos rendimentos, sem prejuízo da necessidade de verificar o disposto nos números seguintes.
Para acionar a CDT e ser possível aplicar a taxa de 15 por cento de retenção na fonte, o sócio residente fiscal no Canadá deve fazer prova perante a sociedade portuguesa, da verificação dos pressupostos que resultem da CDT, através da apresentação do formulário modelo 21-RFI (disponível no Portal das Finanças) devidamente preenchido e assinado, acompanhado de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência (Canadá) que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado (vide n.º 2 do artigo 101.º-C do CIRS).
Caso não se obtenham atempadamente estes documentos necessários para acionar a convenção, a sociedade portuguesa será obrigada a entregar a totalidade do imposto (calculado à taxa de 28 por cento sobre o valor dos lucros distribuídos colocados à disposição) nos cofres do Estado português, permitindo-se, porém, que o sócio canadiano venha a solicitar o reembolso total ou parcial do imposto, no prazo de dois anos a contar do termo do ano em que os lucros forem colocados à sua disposição, nos termos e condições previstos no n.º 7 do artigo 101.º-C do CIRS.
A sociedade portuguesa deve ainda entregar a declaração modelo 30, a qual se destina a dar cumprimento à obrigação acessória prevista no n.º 7 do artigo 119.º do CIRS e no artigo 128.º do CIRC.
Tratando-se de uma pessoa singular não residente que apenas aufira, em Portugal, rendimentos sujeitos a taxas liberatórias [alínea a) do n.º 1 e alínea a) do n.º 4, ambos do artigo 71.º do CIRS], sem prejuízo da aplicação de CDT à situação em concreto, encontra-se desobrigada da entrega da declaração modelo 3, conforme resulta da alínea a) do n.º 1 do artigo 58.º do CIRS.