PT27016 - IRS - Rendimentos em espécie (Cartões-presente)
Maio de 2022
Determinada empresa tem por hábito oferecer cartões-presente com valores que variam entre os 500 e os mil euros. Estes cartões são oferecidos a clientes e a pessoal afeto a esses clientes. Esporadicamente, oferece também a alguns funcionários da própria empresa. A empresa que emite os cartões emite fatura pelo valor carregado e pago. Como contabilizar estes valores e quais as implicações fiscais (IRC/IRS e tributação autónoma)?
As questões colocadas referem-se ao enquadramento fiscal e contabilístico da atribuição de cartões-oferta a clientes e trabalhadores.
Para definir o tratamento em sede de IVA destes cartões oferta há duas hipóteses em relação ao IVA.
Em termos IVA, o tratamento é distinto em função do destino a dar ao "voucher". O Oficio-Circulado n.º 30208 de 2019/01/04, define e distingue os diferentes tipos de vale, no capítulo II:
i) Vales de Finalidade Única (VFU) e,
ii) Vale de Finalidade Múltipla (VFM).
1.ª Hipótese - o cartão oferta é considerada um instrumento que se traduz num pré-pagamento em que a taxa de imposto e o local de fornecimento /realização estão identificados, caso em que foi liquidado IVA aquando da sua aquisição (o que não parece ser o caso).
2.ª Hipótese - O cartão oferta permite ao seu detentor receber bens ou serviços no valor do cheque ou usando o cartão como meio de pagamento, mas nem os bens ou serviços se encontram identificados, nem a taxa de IVA se encontra determinada à data de aquisição de cheques/cartão, pelo que não pode ser liquidado IVA.
No caso referido na 1.ª hipótese, a entidade suporta IVA mas não o poderá deduzir uma vez que, destinando-se tais cheques /cartões a consumos particulares dos seus trabalhadores e clientes será difícil que se consiga provar que é IVA suportado para a realização das operações previstas no artigo 20.º do CIVA (operações praticadas pelo sujeito passivo que conferem direito à dedução).
No caso mencionado na 2.ª hipótese não há IVA liquidado na aquisição do cheque, pelo que não se coloca o problema da sua dedução. Pelos mesmos motivos atrás indicados (quanto à não incidência de IVA na sua aquisição) também não há liquidação deste imposto pela sua entrega aos trabalhadores.
Assim, se os cartões-oferta forem considerados vales de finalidade múltipla, a aquisição e correspondente atribuição aos clientes/trabalhadores não terá qualquer impacto na esfera da sociedade, uma vez que, nos termos do número 14 do artigo 7.º do CIVA, o facto gerador do imposto ocorrerá apenas na utilização do vale, sem prejuízo do disposto no número 15 do mesmo artigo 7.º.
Em sede de IRC, no tocante à aceitação fiscal, o número 1 do artigo 23.º do CIRC indica que «para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC».
O que significa que, estando em causa ofertas, se não se conseguir provar que o encargo foi suportado para a obtenção de rendimentos sujeitos e não isentos de IRC (o que, além de outras condições, implica que a pessoa que beneficiou da oferta tenha alguma relação comercial ou de prestação de serviços com a empresa), o mesmo não será aceite em termos fiscais.
Em relação às ofertas de cartões de compras a entidades externas à empresa, nomeadamente a clientes, há que verificar a que título se procede a tal oferta de cartões.
Tratando-se de uma mera liberalidade da empresa, a concessão desse cartão de compras sem a obtenção de qualquer contrapartida, determina que esses encargos sejam classificados como outro gasto e perda (na conta 688), e não estando enquadrados no regime fiscal do mecenato previsto no artigo 61.º e 62.º ambos do Estatuto dos Benefícios Fiscais não pode ser considerado como um gasto dedutível em IRC.
Se se tratar de ofertas de clientes como forma de publicidade e promoção das vendas, junto de clientes, ou qualquer operação de marketing, desde que devidamente se possa comprovar que tais encargos visem garantir a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC, tais encargos podem ser dedutíveis em IRC.
Aconselhamos, neste sentido, a que seja averiguado, junto dos sócios/administradores, se esta condição se encontra, ou não, cumprida, relativamente às ofertas dos cartões a clientes.
No tocante às ofertas aos colaboradores, na medida em que estas configurem uma vantagem económica para estes, estaremos perante rendimentos do trabalho dependente, mais concretamente rendimentos em espécie, tributáveis em sede de IRS.
Isto porque, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS:
"3 - Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente:
(...)
b) As remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente:".
As ofertas em espécie e em dinheiro, nomeadamente através de vales/cheques/ cartões de oferta, concedidas aos funcionários, constituem uma vantagem económica para os trabalhadores, decorrente do facto de serem trabalhadores daquela empresa o que se irá, certamente, refletir num bem-estar destes trabalhadores e também refletir no seu desempenho laboral.
Dessa forma, esses cartões oferta concedidos aos funcionários deverão ser considerados como rendimentos de trabalho dependente (Categoria A de IRS), que poderão figurar no recibo de remunerações.
A confirmar-se este enquadramento (como rendimento do trabalho dependente), o gasto será totalmente aceite em sede de IRC, por enquadramento na alínea d) do número 2 do artigo 23.º do CIRC.
Os rendimentos em espécie estão excecionados da obrigação de retenção na fonte prevista no artigo 99.º do CIRS, sendo apenas englobados na declaração de rendimentos a entregar ao trabalhador e na Declaração Mensal de Remunerações.
Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 119.º do CIRS, a entidade patronal está obrigada a entregar ao trabalhador, até 20 de janeiro de cada ano, documento comprovativo das importâncias devidas no ano anterior, incluindo os rendimentos em espécie que lhes hajam sido atribuídos.
Caso esses cheques oferta, tenham um caráter de regularidade nos termos do artigo 47.º do Código Contributivo, estão sujeitos a contribuições para a Segurança Social.
O artigo 47.º da Lei n.º 110/2009, define o conceito de regularidade: "Considera-se que uma prestação reveste caráter de regularidade quando constitui direito do trabalhador, por se encontrar preestabelecida segundo critérios objetivos e gerais, ainda que condicionais, para que este possa contar com o seu recebimento e a sua concessão tenha lugar com uma frequência igual ou inferior a cinco anos."
Os benefícios dos trabalhadores que configurem rendimentos de trabalho dependente na esfera deste, são, na esfera da entidade patronal um gasto com o pessoal, dedutível para efeitos de determinação do resultado tributável, na medida em que se insere na alínea d) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.
Em termos contabilísticos, a atribuição desse valor em espécie aos empregados, deve ser classificada contabilisticamente como um benefício de empregados de curto prazo, conforme previsto no parágrafo 9 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) n.º 28 - Benefícios de empregados.
No registo de tais encargos deve respeitar-se o regime do acréscimo ou da especialização ou periodização económica, conforme refere o § 22 da Estrutura Conceptual. Pelo que, se tais cartões forem adquiridos por quantidade ou momento diferente da sua atribuição ao trabalhador, podem ser registados na conta 281 - Diferimentos - Gastos a reconhecer, até à sua atribuição efetiva.
Caso, os cartões não identificarem o seu titular, a empresa deve ter especial cuidado em documentar as ofertas de tais cartões, nomeadamente, identificando sempre o beneficiário. De facto, se não for possível conhecer as pessoas às quais foram atribuídos os citados cartões, além da não aceitação fiscal do gasto (porque não é conhecido o destino dado, torna-se impossível fazer prova do n.º 1 do art.23.º do CIRC), tais encargos podem assumir-se como despesas não documentadas ficando sujeitas a tributação autónoma (taxa de 50% ou 60% caso existam prejuízos fiscais).
Em termos de lançamentos contabilísticos poderemos ter:
Pela oferta dos vales aos trabalhadores:
(D) 63X - Gastos com o pessoal
(C) 12X - Depósitos à ordem
No que se refere aos cartões aos clientes, deverá ser registado da seguinte forma:
(D) 68X - Ofertas
(C) 12X - Depósitos à ordem