Ordem nos media
Isenção de PEC para os taxistas abre nova frente de contestação ao Governo
10 Janeiro 2004
«Esta é a pior das machadadas num combate sério à fraude e evasão fiscal» , Domingues de Azevedo, presidente da Câmara de Técnicos Oficiais de Contas
A solução encontrada pelo Governo para isentar os taxistas do Pagamento Especial por Conta (PEC) de IRC poderá virar-se contra o próprio executivo. A autorização de alteração do enquadramento societário da actividade daqueles profissionais, a expensas do Estado, para que fiquem de fora da esfera dos contribuintes sujeitos a PEC, foi classificada por agentes diversos como uma «habilidade», uma «ilegalidade», uma «discriminação», e «uma das mais sérias machadadas ao combate à fraude e evasão fiscal». Curioso é que os próprios taxistas estão descontentes com a solução encontrada pelo Governo para calar a contestação: «Em vez de mexer num imposto cego e injusto, o Governo optou por retroceder na organização da actividade, colocando as coisas como elas eram nos anos 40. Duvido que se vão escangalhar 11 mil sociedades de táxis para aderir a um regime que não tem qualquer benefício», declara o presidente da Federação Portuguesa do Táxi, Carlos Ramos. O Governo aceitou isentar os taxistas do pagamento do PEC ao autorizar a alteração do enquadramento jurídico da actividade, transferindo o regime fiscal de IRC para IRS. O Estado assume mesmo todos os custos e emolumentos dessa alteração, se esta for cumprida até 31 de Julho, conforme o Decreto-Lei 4/2004, de 6 de Janeiro. O Governo aceita ainda proceder à devolução das prestações do PEC pagas pelos taxistas que adiram a este novo regime. Mas uma vez que a maior parte destes profissionais não procedeu a nenhuma liquidação, o Estado pouco perderá em termos de receitas já arrecadadas. O decreto abrange todas as situações: os taxistas que só possuem uma licença e um automóvel passam de sociedade unipessoal a empresários em nome individual; os que detém mais de uma licença transformam as suas sociedades por quotas em estabelecimentos industriais de responsabilidade limitada. No caso de haver vários sócios, reagrupam as quotas num único nome ou repartem as licenças pelos sócios que se podem estabelecer como empresários em nome individual. Uma «habilidade» que, segundo as associações de taxistas, não resolve os problemas de fundo do sector. Não só porque o regresso ao estatuto de empresário em nome individual é encarado como «um recuo em termos sociais», mas também porque o regime fiscal de IRS é desfavorável para estes profissionais, que não querem misturar o negócio do táxi com os rendimentos dos seus agregados familiares. «Os taxistas não querem deixar de pagar impostos nem querem ter nenhum privilégio», garante Carlos Ramos. «Apenas contestam um imposto cego e injusto, que tem de ser alterado. Com esta habilidade, o Governo está a criar a ideia que os taxistas são uma classe privilegiada ou que são uns arruaceiros». O alegado benefício do Governo aos taxistas está a suscitar uma acesa polémica. O presidente da Confederação do Comércio Português (CCP), Vasco da Gama considerou a medida «absolutamente discriminatória e inaceitável», questionando mesmo a legalidade do diploma publicado no Diário da República. «O decreto pode ser inconstitucional por ferir a equidade fiscal», observou aquele dirigente. Para o presidente da Câmara de Técnicos Oficiais de Contas, Domingues de Azevedo, o novo regime autorizado pelo executivo altera o campo de incidência da matéria colectável, que é da competência exclusiva da Assembleia da República. «Há uma alteração de lei com força superior», referiu em declarações à Lusa, acrescentando que com esta decisão o Governo descredibiliza todo o processo de pagamento de impostos. «Esta é a pior das machadadas num combate sério à fraude e evasão fiscal», considerou. O fiscalista Saldanha Sanches, citado pela Lusa, considerou que o decreto lei não é inconstitucional, mas sim «uma habilidade fiscal ensinada pelo Governo aos taxistas». «Estas habilidades costumavam ser ensinadas pelos contabilistas e advogados...», observou. Uma série de associações empresariais estão a reclamar que a mesma possibilidade seja oferecida às pequenas, médias e micro empresas, responsáveis por mais de 90 por cento da taxa de emprego do país. «As matérias fiscais têm de ser transparentes. Tem de se evitar mais um processo discriminatório que penalizará todo o tecido económico», defendeu a Associação Comercial e Industrial de Coimbra.