Pareceres
IVA - aquisição de eletricidade em Espanha
9 Dezembro 2024
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

 

IVA - aquisição de eletricidade em Espanha
PT28248 - julho 2024

 

Determinado sujeito passivo possui uma viatura 100 por cento elétrica e procedeu ao carregamento da mesma em território espanhol. O fornecedor desse serviço emitiu a fatura, mas à taxa de 21 por cento.
Por se entender que a mesma deveria ter sido isenta, que fazer perante a mesma, dado que se duvida que o fornecedor em causa anule e emita outra e também porque existem mais cinco faturas em condições semelhantes?

 

Parecer técnico

 

O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento em IVA da aquisição de eletricidade em Espanha.
No caso em concreto, a entidade é proprietária de uma viatura elétrica. Em deslocação a Espanha, fez carregamento de eletricidade, recebendo faturas com IVA à taxa espanhola.
Nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IVA (CIVA), considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.
Para esse efeito, a energia elétrica, o gás, o calor, o frio e similares são considerados bens corpóreos (n.º 2 do artigo 3.º do CIVA).
Para sabermos onde é que o fornecimento de energia elétrica se considera realizado, temos de analisar as regras de localização das transmissões de bens.
Localizar uma operação para efeitos fiscais significa determinar o território onde ela é tributada, ou seja, determinar o ordenamento jurídico fiscal que lhe é aplicável. Através das regras de localização das operações, o legislador estabelece determinados critérios de conexão, que nos permitem identificar o Estado com poderes para exigir o imposto devido pelas operações efetuadas entre pessoas ou entidades estabelecidas ou residentes em diferentes Estados, ou seja, estabelece as regras de «distribuição de competências do poder de tributar.»
Para a adequada localização das operações é necessário proceder, em primeiro lugar, à sua correta qualificação, da qual dependerá essa localização, que se revela, por vezes, especialmente problemática.
No n.º 1 do artigo 6.º estabelece-se a regra de localização inerente às transmissões de bens, sendo tais operações tributáveis em Portugal, quando os bens aqui se situem, quando se inicia o transporte ou a expedição para o adquirente, ou no caso de não existir transporte ou expedição, quando são postos à disposição do adquirente.
Esta regra aplica-se, sem reservas, se as operações forem praticadas no interior do território nacional, uma vez que, noutras circunstâncias, tal já não se verifica, pois num contexto internacional deverá atender-se também ao local de destino dos bens, à luz do princípio da tributação no destino.
No que se refere ao fornecimento de energia elétrica, após o estabelecimento do mercado interno da União Europeia, o mercado da eletricidade e do gás foi gradualmente liberalizado, tendo em vista aumentar a eficiência deste setor. Na sequência desse processo de liberalização, os mercados de energia deixaram de ser exclusivamente nacionais, tendo começado a funcionar à escala europeia.
Isto suscitou o aparecimento de novos elementos, tais como as bolsas de energia, os produtores de energia independentes, os intermediários e os comerciantes. É essa crescente liberalização que está na origem da alteração das regras relativas ao lugar de entrega do gás e da eletricidade, definidas na diretiva 2003/92/CE do Conselho de 7 de outubro de 2003, transposta para a ordem jurídica nacional pelo artigo 47.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2005, e que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2005.
De acordo com as regras do IVA, é o «lugar de entrega» que determina o Estado-membro competente para tributar uma transação. Em conformidade com as mesmas regras, a energia elétrica e o gás são considerados bens corpóreos. Por conseguinte, e uma vez que a entrega de energia elétrica e de gás constitui uma transmissão de bens, o lugar de entrega devia ser determinado em conformidade com as regras gerais de localização das transmissões de bens.
Porém, dadas as caraterísticas da eletricidade e do gás, os seus fluxos são quase impossíveis de acompanhar fisicamente, tornando-se, por isso, extremamente difícil determinar o lugar de fornecimento ao abrigo das regras que estavam em vigor.
Mostrou-se, por isso, necessário alterar as regras de localização das operações relacionadas com o fornecimento de gás, através do sistema de distribuição de gás natural, e de eletricidade.
As regras de localização relativas ao fornecimento de gás através de uma rede de gás natural situada no território da Comunidade ou de qualquer rede a ela ligada, de eletricidade ou de calor ou de frio através de redes de aquecimento ou de arrefecimento, encontram-se atualmente previstas nos artigos 38.º e 39.º da diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006 (diretiva IVA).
O artigo 38.º refere-se aos casos em que o fornecimento é efetuado a um sujeito passivo revendedor e o artigo 39.º aos casos em que o fornecimento é efetuado a um sujeito passivo consumidor.
De harmonia com o artigo 39.º da diretiva IVA, no caso do fornecimento de gás através de uma rede de gás natural situada no território da Comunidade ou de qualquer rede a ela ligada, de eletricidade ou de calor ou de frio através de redes de aquecimento ou de arrefecimento, não abrangido pelo artigo 38.º, considera-se que o lugar da entrega é o lugar onde o adquirente utiliza e consome efetivamente os bens.
De acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIVA, apesar do previsto nos seus números 1 e 2, as transmissões destes bens (gás natural e eletricidade) são tributáveis em Portugal quando:
- O adquirente seja um sujeito passivo revendedor de gás ou de eletricidade, cuja sede, estabelecimento estável ao qual são fornecidos os bens ou domicílio, se situe no território nacional.
- O adquirente seja um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, que não seja um sujeito passivo revendedor de gás ou de eletricidade, que disponha de sede, estabelecimento estável ao qual são fornecidos os bens, ou domicílio no território nacional, e que não os destine a utilização e consumo próprios;
- A utilização e consumo efetivos desses bens, por parte do adquirente, ocorram no território nacional e este não seja sujeito passivo revendedor de gás ou de eletricidade com sede, estabelecimento estável ao qual são fornecidos os bens ou domicílio fora do território nacional.
Nas situações indicadas, desde que o vendedor não disponha no território nacional de sede, estabelecimento estável ou domicílio a partir dos quais a transmissão seja efetuada, as pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º que sejam adquirentes dos bens em causa, passam igualmente a ser sujeitos passivos do imposto pela respetiva aquisição (alínea h) do n.º 1 do artigo 2.º), procedendo à liquidação do imposto e respetiva dedução (alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º).
O n.º 5 do artigo 6.º do CIVA estatui, por sua vez, que, não obstante o disposto nos seus números 1 e 2, as transmissões de gás, através do sistema de distribuição de gás natural, e de eletricidade, não serão tributáveis no território nacional quando:
- O adquirente seja um sujeito passivo revendedor de gás ou de eletricidade, cuja sede, estabelecimento estável ao qual são fornecidos os bens ou domicílio, se situe fora do território nacional.
- A utilização e consumo efetivos desses bens, por parte do adquirente, ocorram fora do território nacional e este não seja sujeito passivo revendedor de gás ou de eletricidade com sede, estabelecimento estável ao qual são fornecidos ou domicílio no território nacional.
Ou seja, dos números 4 e 5 do artigo 6.º do CIVA resultam as seguintes regras:
Regra n.º 1 - O fornecimento de eletricidade ou de gás a uma pessoa estabelecida no mesmo Estado-membro que o vendedor é tributado nesse Estado-membro, sendo o imposto devido pelo vendedor.
Uma venda efetuada a uma pessoa estabelecida fora da União Europeia não está sujeita ao pagamento do IVA comunitário.
Regra n.º 2 - O fornecimento de eletricidade ou de gás a uma pessoa estabelecida num Estado-membro diferente do Estado-membro do vendedor, caso os bens sejam adquiridos tendo em vista a sua revenda, é tributado no Estado-membro em que o adquirente está estabelecido. O devedor do imposto é o adquirente. O vendedor não está obrigado a registar-se para efeitos de IVA no Estado-membro do adquirente.
Regra n.º 3 - O fornecimento de eletricidade ou de gás a uma pessoa estabelecida num Estado-membro diferente do Estado-membro do vendedor, caso os bens não sejam adquiridos tendo em vista a sua revenda, será tributado no Estado-membro de consumo da energia.
O devedor do imposto será o vendedor, que deverá registar-se para efeitos de IVA nesse Estado-membro.
Todavia, se o adquirente da energia estiver registado para efeitos de IVA no Estado-membro de consumo da energia, será este o devedor do imposto. Neste caso, o vendedor não será obrigado a registar-se nesse Estado-membro.
Na prática, o lugar de consumo da energia será o lugar onde o contador estiver instalado.
Para além das regras indicadas, há que salientar ainda os seguintes aspetos:
- As importações de gás, através do sistema de distribuição de gás natural, e de eletricidade, são isentas de imposto, nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 13.º do CIVA.
- Deixaram de ser consideradas transmissões intracomunitárias de bens as transferências de gás, através do sistema de distribuição de gás natural, e de eletricidade.
- Como tal, tais transferências também não são consideradas aquisições intracomunitárias de bens, não devendo, por isso, as eventuais aquisições efetuadas a operadores de outros Estados-membros ser incluídas no campo 12 das declarações periódicas do IVA, mas sim, no campo 3 do quadro 06 e no campo 97 do quadro 06-A dessas declarações, sendo o IVA devido inscrito no campo 4, dada a sua sujeição à taxa de 23 por cento. A dedução do IVA será efetuada nos campos 22 ou 24, conforme a utilização dada ao gás ou à eletricidade.
Face ao exposto, sendo o consumo da eletricidade em Espanha, o imposto é devido em Espanha.

 

Reembolso

 

Relativamente ao IVA suportado na aquisição (interna) de bens (mercadorias, investimentos, combustíveis, etc.) adquiridos noutros Estados-membros, porque se trata de um imposto suportado em operações realizadas fora do território nacional, não poderá ser objeto de dedução nos termos dos artigos 19.º e seguintes do CIVA.
Assim, se o sujeito passivo português suportou imposto pago num país da comunidade, caso não tenha aí registo para efeitos de IVA, só poderá ser ressarcido desses valores através do pedido de reembolso. Se estiver registado no país em causa poderá, nos termos da legislação vigente nesse país, exercer o direito à dedução desse imposto (nesse país).
Neste âmbito, os sujeitos passivos estabelecidos no território nacional podem solicitar o reembolso do IVA suportado noutros Estados-membros, nos termos dos artigos 1.º ao 4.º do regime de reembolso do IVA a sujeitos passivos não estabelecidos no Estado-membro do reembolso, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 186/2009, de 12 de agosto, que transpôs para o direito interno a diretiva n.º 2008/9/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro.
De acordo com o n.º 1 do artigo 2.º do referido regime, os sujeitos passivos nacionais que pretendam obter o reembolso do imposto suportado em operações tributáveis noutros Estados-membros devem apresentar no portal da AT, por via eletrónica, o correspondente pedido, no prazo referido no artigo 8.º (prazo esse que, no limite, será até 30 de setembro do ano civil seguinte àquele em que o imposto se tornou exigível), de acordo com as condições fixadas no Estado membro ao qual é solicitado o reembolso.
De acordo com o artigo 8.º do referido Diploma, o período de reembolso deve reportar-se ao ano civil imediatamente anterior, desde que o montante a reembolsar não seja inferior a 50 euros. É possível o pedido de reembolso referente ao imposto suportado no próprio ano civil, respeitante a um período não inferior a três meses consecutivos, desde que o valor a reembolsar seja superior a 400 euros. É ainda possível efetuar o pedido de reembolso por um período inferior a três meses desde que esse período termine em 31 de dezembro do ano civil imediatamente anterior e o montante a reembolsar não seja inferior a 50 euros.
Conforme dispõe o n.º 5.º do mesmo artigo refere em qualquer das situações anteriormente referidas o pedido deve ser apresentado até 30 de setembro do ano civil seguinte àquele em que o imposto se tornou exigível.
No sítio da AT, o reembolso é solicitado através do acesso sucessivo a Serviços Tributários, Outros Serviços, IVA, Pedido de Reembolso a Outros Estados Membros.
Os pedidos de reembolso devem conter:
- A identificação do sujeito passivo;
- A descrição da atividade económica [Regulamento (CE) n.º 1893/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006];
- A identificação da conta bancária para a concretização do reembolso;
- Listagem das faturas, incluindo, para cada uma delas, a data e o número, identificação do fornecedor, valor tributável, o IVA dedutível e a natureza dos bens e serviços adquiridos, identificados por códigos harmonizados [Regulamento (CE) n.º 1174/2009 da Comissão de 30 de novembro de 2009];
- Se for o caso, identificação do representante fiscal.
- Os pedidos de reembolsos compreendem o imposto suportado no período a que o pedido respeita. Pode abranger as faturas não incluídas em pedidos anteriores, desde que referentes a operações concluídas durante o ano civil.
- Os pedidos devem ser apresentados em português ou inglês.
- Ao pedido não tem de ser junto qualquer documento. Caso o Estado-membro de reembolso tenha necessidade de elementos, serão solicitados por correio eletrónico, devendo os elementos requeridos ser remetidos pela mesma via.
- Não é elegível para efeitos de reembolso, o IVA incorretamente faturado e o IVA excluído do direito à dedução.
- Os pedidos de reembolso devem, regra geral, respeitar a montantes de IVA não inferiores a 50 euros, no caso de pedidos correspondentes a períodos de reembolso de um ano civil ou à parte restante de um ano civil;
- Se o montante de IVA a reembolsar for superior a 400 euros, o pedido pode ser efetuado de forma mais célere, não podendo, no entanto, abranger um período inferior a três meses consecutivos.
De acordo com o artigo 5.º da Diretiva referida, o direito ao reembolso do imposto pago a montante é determinado por força da Diretiva 2006/112/CE (que substituiu a 6.ª diretiva), conforme aplicada no Estado membro de reembolso.
Face ao exposto, as limitações ao reembolso estabelecidos no regime, estão relacionadas com o facto de o requerente não ter qualquer direito à dedução do imposto suportado, ou ter apenas um direito parcial à dedução (de acordo com o seu pro-rata, por exemplo) e não com a limitação à dedução do imposto que o país do estabelecimento imponha relativamente ao imposto suportado na aquisição de alguns bens ou serviços.
Conforme resulta do n.º 1 do artigo 2.º do Regime, o reembolso é efetuado de acordo com as condições fixadas no Estado membro ao qual é solicitado o reembolso. Assim, por exemplo, se o IVA contido nas despesas de refeições e alojamentos for dedutível em determinado Estado membro, o sujeito passivo português terá direito ao seu reembolso, apesar de em Portugal não ser dedutível, o mesmo se verificando em relação ao gasóleo, que poderá ser totalmente reembolsável, desde que naquele país seja totalmente dedutível.
Alguns países da UE preveem a possibilidade de reembolso para certas despesas que em Portugal não são dedutíveis, é possível consultar a categoria de despesas com direito ao reembolso do IVA em determinado Estado-membro através desta página.
Especificamente quanto aos procedimentos relacionados com o procedimento eletrónico para os pedidos de reembolso, aconselhamos a consulta das FAQ nesta ligação.
Em termos de IRC temos de ter em atenção o que nos diz a Circular n.º 14/2008, de 11 de julho.
Esta Circular refere-nos que «sempre que não seja exercido o direito ao reembolso do IVA, o montante do IVA contabilizado como custo não é dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC, porque não se verifica o requisito exigido pelo n.º 1 do artigo 23.º do respetivo Código.»
Assim, em termos contabilísticos existem duas hipóteses possíveis:
- Ou não se pretende solicitar o reembolso desse imposto, nessa altura o IVA suportado vai onerar o respetivo gasto que o originou e será acrescido ao valor do gasto relativo à sua natureza, ou seja, pelo seu valor total (IVA incluído).
- Ou, sabe-se à partida que irá ser solicitado o reembolso deste imposto, pelo que, desde logo a importância suportada deverá ser relevada numa conta 24 - Estado e outros entes públicos, mais propriamente numa subconta da conta mais propriamente numa subconta da conta 247 - IVA - Reembolsos pedidos a outros Estados-membros cuja denominação poderá ser o país onde o reembolso vai ser pedido. Note que, as subcontas 243x respeitam apenas a IVA nacional.
Sempre que não seja exercido esse direito ao reembolso (sendo esse reembolso possível), o montante do IVA contabilizado como gasto não é dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC, porque não se verifica o requisito exigido pelo n.º 1 do artigo 23.º do respetivo Código, terá de ser acrescido no quadro 07 da declaração modelo 22.
Sendo exercido esse direito, o IVA suportado nas condições referidas, será restituído pelo que naturalmente não fará parte dos gastos do sujeito passivo.