PT27145 - agosto de 2022
Determinada empresa, classificada como pequena, utiliza as NCRF completas, no regime mensal de IVA. A atividade principal é a comercialização de produtos alimentares e tem no seu ativo fixo tangível um imóvel (armazém) onde tem a sua sede e escritórios. No seu objeto social está contemplado o aluguer/arrendamento de imóveis próprios ou alheios.
Como não utiliza a totalidade do armazém, pretende alugar parte do espaço do mesmo a uma outra empresa, para que esta possa utilizar o espaço para armazenagem de mercadorias.
Concretizando-se o arrendamento, na esfera da empresa, esta emite a fatura/recibo do valor da renda isenta de IVA, nos termos do artigo 9.º, n.º 29, do CIVA, e com retenção do IRC à taxa de 25 por cento? Em termos da classificação contabilística do rendimento na empresa, o valor é classificado numa conta 72 ou numa conta 78?
Parecer técnico
O pedido de parecer está relacionado com enquadramento contabilístico e fiscal de um contrato de arrendamento celebrado entre duas sociedades.
No caso em apreço uma sociedade cedeu, por intermédio de um contrato de arrendamento, a outra sociedade, parte das suas instalações.
IVAAtendendo à situação apresentada, consideramos importante abordar o enquadramento em IVA o contrato de exploração e o contrato de arrendamento.
O contrato de cedência de exploração de estabelecimento encontra-se regulado nos artigos 1109.º e seguintes do Código Civil, consistindo num negócio jurídico através do qual o titular do estabelecimento (cedente) transfere para outrem (cessionário), temporariamente e mediante retribuição, o gozo de um prédio ou parte dele em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial nele instalado.
O objeto da cedência de exploração não é o imóvel em si - caso em que configuraria um contrato de locação comercial e os rendimentos obtidos teriam a natureza de rendimentos prediais - mas sim, o estabelecimento como bem unitário.
Pode definir-se estabelecimento comercial como a pluralidade de coisas, corpóreas (inventários, equipamentos, instrumentos de trabalho, entre outros) e incorpóreas (nome do estabelecimento, direitos provenientes de licenças concedidas pela gerência, entre outras), devidamente organizadas para a prática de uma atividade comercial.
Nas situações em que o contrato determina que o cessionário, além de ficar na posse de toda a documentação necessária para a prossecução da atividade do estabelecimento, fica autorizado, por determinado período e mediante o pagamento de um certo montante, a utilizar todos os equipamentos e utensílios, com vista à exploração económica do estabelecimento, os quais restituirá, finda a cessão, em bom estado de conservação, estamos perante uma cessão de exploração temporária.
A cedência de exploração de imóvel devidamente preparado para o exercício de uma atividade económica, configura uma prestação de serviços sujeita a IVA nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º e n.º 1 do artigo 4.º, ambos do Código do IVA.
Esta operação, por não se enquadrar em nenhuma das verbas previstas nas listas anexas ao Código do IVA, será tributada à taxa normal de imposto, conforme resulta do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do Código do IVA.
Por outro lado, a legislação nacional define o conceito de locação de imóveis como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, neste caso um imóvel, mediante uma retribuição, conforme o disposto no artigo 1022.º do Código Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano.
Ao conceito de locação de imóveis é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, que dispõe que «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.» Ou seja, uma vez que se trata de conceito importado de outro ramo de direito, neste caso o Direito Civil, e por este não se encontrar definido pelo Código do IVA, deve ser interpretado no mesmo sentido que lhe é atribuído pelo Código Civil.
Também o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) define o conceito de locação de imóveis para efeitos da isenção do IVA como sendo a operação económica em que o proprietário de um imóvel cede ao locatário o direito de ocupar o imóvel contra o pagamento de uma renda (contraprestação) por um prazo convencionado.
Em termos de IVA, a locação de bens imóveis é considerada uma prestação de serviços sujeita a IVA, de acordo com o conceito residual de prestação de serviços previsto no n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA (CIVA).
No entanto, o princípio geral segundo o qual o imposto é liquidado sobre qualquer prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo de imposto prevê determinadas isenções, entre as quais o n.º 29 do artigo 9.º do CIVA, que determina que a locação de bens imóveis se encontra isenta de IVA.
Uma vez que as isenções de IVA devem ser analisadas de forma estrita, foi, durante muitos anos, entendimento da AT que apenas poderia beneficiar desta isenção a locação que, na sua génese, apenas consubstanciasse a colocação passiva do imóvel à disposição do arrendatário, sem qualquer tipo de serviço associado (conceito de "paredes nuas"), ficando igualmente excluídos bens móveis e equipamentos fixos que fizessem parte integrante do imóvel locado.
Na prática, para efeitos de aplicação desta isenção, ao longo dos anos, foi entendido que se deveria averiguar se o espaço locado se trata das vulgarmente denominadas "paredes nuas" (caso em que aplicaria a isenção), ou se estamos perante a locação de espaço devidamente apetrechado para o exercício de uma atividade económica, usufruindo o adquirente, além do espaço de diversos outros serviços, caso em que poderá não reunir as condições necessárias para manutenção da isenção.
Todavia, com a publicação da informação vinculativa aqui em causa, aproveitou a AT para alinhar o seu entendimento com a já vasta jurisprudência do TJUE relativamente a esta matéria, tendo ficado estabelecido que:
«(...) para beneficiar de isenção, a locação deve traduzir-se na colocação passiva do imóvel à disposição do locatário, estando ligada ao decurso do tempo e não gerando qualquer valor acrescentado significativo, não sendo acompanhada de quaisquer prestações de serviços que retirem à locação o carácter de preponderância na operação em causa.»
Foi ainda esclarecido que, no caso concreto apresentado: «(...) resulta dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça que a locação de bens móveis objeto do contrato de locação não parece poder ser dissociada da locação do bem imóvel em causa no processo principal. Aliás, nem se contesta que alguns desses bens móveis, como os equipamentos e aparelhos de cozinha, estão incorporados no imóvel e devem, nesta fase, ser considerados parte integrante do mesmo. Na medida em que os bens consumíveis que foram alugados ou, nalguns casos, vendidos, ao mesmo tempo que o imóvel, estavam igualmente afetos à exploração do restaurante, tal como este último, não se pode considerar que esta locação/cessão prossegue uma finalidade própria, mas deve ser vista como um meio para beneficiar nas melhores condições do serviço principal que é a locação do imóvel.»
Concluímos, deste modo, como aliás deveria ter sido o entendimento adotado pela AT, em linha com o do TJUE, que esta deixou de decompor artificialmente as locações dos bens imóveis que fossem acompanhas com bens físicos (móveis ou equipamentos materialmente ligados ao imóvel), passando a considerar que estamos, na verdade, perante uma única prestação de serviços principal (locação passiva do imóvel), sendo os bens e equipamentos um simples meio para beneficiar, em melhores condições, do serviço principal.
Resumidamente, considera-se assim que, mesmo em locações em que do imóvel faça parte integrante a locação de equipamentos ou máquinas, se está perante uma única prestação na qual a prestação principal é a colocação à disposição do bem imóvel, podendo, em tais casos, beneficiar da isenção do imposto.
Mas importa notar que esta análise é casuística e não deve ser tomada como uma "nova regra", pois o que está sempre em causa é determinar quando é que a locação do imóvel é a prestação principal e a locação de demais bens assume um caráter meramente acessório.
No caso concreto deste processo referido analisado pela AT, não obstante da locação do espaço fazerem parte integrante diferentes equipamentos, como, por exemplo, sistema de ar comprimido, tubagens, compressores, equipamentos de ar condicionado e pontes rolantes, configura uma única operação, estando a locação do espaço como a prestação principal consequentemente enquadrado na isenção do n.º 29 do artigo 9.º do CIVA.
Assim, no caso em concreto, importa analisar se estamos perante uma operação passiva (sem qualquer preparação personalizada/customização do local) e sem qualquer serviço associado (como gestão, limpeza, etc.), e se os bens e equipamentos que integrem a locação consistam numa locação independente da principal ou se, por outro lado, apenas são um meio para que o locatário usufrua em melhores condições do imóvel (como acontece, por exemplo, com um ar condicionado ou com umas escadas rolantes), situação em que a operação é consideradas como locações isentas de IVA nos termos do n.º 29 do artigo 9.º do CIVA.
Se, pelo contrário, essas locações forem consideradas como cedências de exploração de estabelecimento comercial, por se tratar de um espaço devidamente preparado para o exercício de uma atividade económica, ou tiver serviços associados indissociáveis desse espaço, são consideradas como prestações de serviços tributáveis em IVA.
Para o enquadramento de cada operação, a entidade em causa deve atender às condições objetivas da cedência do uso do espaço.
Nesta situação, haveria dois possíveis cenários a considerar:
- Caso a locação do espaço se enquadre no conceito «cedência passiva» ou seja, no conceito de arrendamento tal como estabelecido no Código Civil (artigo 1022.º), a operação ficaria abrangida pela fica isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do CIVA.
- Se a locação do espaço for acompanhada de outros elementos, em conjunto com as instalações (figura esta expressamente excluída da regra que determina a isenção, em sede deste imposto), qualifica-se em termos de IVA como uma prestação de serviços (conforme resulta do conceito delimitado no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA) não isenta, devendo proceder-se à liquidação de IVA à taxa geral de 23 por cento (alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA).
Retenção na fonteEm termos de imposto sobre o rendimento (IRC), importa considerar o disposto nos artigos 94.º e 97.º do Código do IRC e a qualificação do tipo de rendimento obtido. Resulta da alínea c) do n.º 1 do artigo 94.º do Código do IRC que:
«(...) 1 - O IRC é objeto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português:
(...)
c) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à atividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade; (...).»
Nos termos do artigo 8.º do CIRS, serão considerados como rendimentos prediais as rendas obtidas de prédios rústicos, urbanos e mistos.
Serão consideradas como rendas para efeitos de consideração de rendimentos prediais as importâncias relativas à cedência do uso do prédio ou de parte dele e aos serviços relacionados com aquela cedência, bem como as restantes situações estabelecidas nas restantes alíneas do n.º 2 do artigo 8.º do CIRS, pelo que, em nossa opinião, os rendimentos relacionados com cedência de espaço, será de considerar como rendimentos prediais (categoria F).
São objeto de retenção na fonte, os rendimentos obtidos em território português e quando se trate de rendimentos prediais, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à atividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade (alínea c) do n.º 1 do artigo 94.º do CIRC).
Deste modo, os rendimentos prediais (tal como definidos para efeitos de IRS) obtidos por um sujeito passivo de IRC, sempre que o devedor seja uma pessoa coletiva ou um sujeito passivo da Categoria B de IRS com contabilidade organizada, encontram-se, de facto, sujeitos a retenção na fonte, à taxa de 25 por cento (número 4 do mesmo artigo 94.º do CIRC).
Sem prejuízo deste enquadramento, estabelece a alínea g) do número 1 do artigo 97.º do CIRC que:
«1 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC, quando este tenha a natureza de imposto por conta, nos seguintes casos:
(...)
g) Rendimentos prediais referidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 94.º, quando obtidos por sociedades que tenham por objeto a gestão de imóveis próprios e não se encontrem sujeitas ao regime de transparência fiscal, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º, e, bem assim, quando obtidos por fundos de investimento imobiliários.»
Assim, sempre que um sujeito passivo obtenha rendimentos prediais, tenha como objeto social a gestão de imóveis próprios e não se encontre sujeito ao regime de transparência fiscal, poderá, de facto, aplicar a dispensa de retenção na fonte prevista na alínea g) do número 1 do artigo 97.º do CIRC aos seus rendimentos prediais.
Poderá consultar, sobre esta matéria, a informação vinculativa referente ao processo n.º 2017 000717, sancionado por despacho de 28 de julho de 2017, da subdiretora-geral do IR.
Caso o sujeito passivo cumpra as condições enumeradas nos parágrafos anteriores, somos de opinião de que poderá aplicar a dispensa de retenção na fonte aqui em análise. Caso contrário, estarão os rendimentos prediais por si obtidos sujeitos a retenção na fonte à taxa de 25 por cento, nos termos da alínea c) do número 1 e do número 4 do artigo 94.º do CIRC.
Contabilização das rendasRelativamente às rendas obtidas no âmbito do arrendamento, independentemente de se estar a aplicar a NC-ME, a NCRF-PE ou as NCRF completas, há que considerar duas situações.
Se as rendas forem obtidas no âmbito de uma atividade acessória à atividade principal, estas devem ser registadas na conta 7873 - Rendas e outros rendimentos em propriedades de investimento.
No entanto, quando a entidade proprietária do imóvel, arrenda esse imóvel no âmbito do decurso ordinário da atividade, sendo essa atividade o arrendamento, essas rendas obtidas devem ser classificadas na conta 72
- Prestação de serviços, pois esta conta está relacionada com o conceito de rédito previsto na NCRF 20.
A própria estrutura do SNC (e da normalização contabilística para as microentidades) estabelece, no seu parágrafo 72, que a definição de rendimentos engloba quer réditos quer ganhos.
Esses réditos provêm do decurso das atividades correntes (ou ordinárias) de uma entidade, por uma variedade de nomes diferentes incluindo vendas, honorários, juros, dividendos, royalties e rendas.
Em termos de apresentação na demonstração dos resultados, ainda que o SNC não possua uma matriz de ligação entre o Código de Contas e os modelos de demonstrações financeiras, sugerem-se as seguintes aplicações:
As rendas obtidas por um imóvel destinado ao arrendamento, registadas na conta 72, devem constar da rubrica «Vendas e serviços prestados», uma vez que são consideradas no conceito de rédito relativo a prestações de serviços previsto na estrutura conceptual e na NCRF 20 - Rédito.
As rendas obtidas por um imóvel destinado ao arrendamento, registadas na conta 7873 (por resultarem de uma atividade acessória de mero investimento), devem constar da rubrica «Outros rendimentos», uma vez que estas rendas não fazem parte do conceito de rédito, estando antes englobado no conceito de ganho.
Os ganhos dizem respeito a rendimentos obtidos pela entidade que não estão diretamente relacionados com o desenvolvimento da atividade ordinária (corrente) da entidade.
Assim, quando uma entidade obtenha rendas de imóveis arrendados, mas sendo essa uma atividade acessória à sua atividade corrente, esses rendimentos devem ser entendidos como ganhos e registados na conta 7873 e incluídos na rubrica «Outros rendimentos» da demonstração de resultados.
Este procedimento contabilístico deve ser atendimento desde a entrada em vigor do SNC (em 1 de janeiro de 2010), e mesmo anteriormente no âmbito do POC, atendendo às disposições previstas na diretriz contabilística n.º 26/99, de 19 maio.