Pareceres
IVA - autofaturação
26 Maio 2023
IVA - autofaturação
PT27476 - março de 2023

Determinada empresa, que tem como atividade a exploração florestal, adquire madeira a particulares, emitindo as faturas no sistema de autofaturação com faturas em papel (tipografia). No entanto, a empresa tem programa certificado de faturação para os restantes clientes (software de faturação online). A questão que se coloca é saber qual a legalidade desta autofaturação em papel e a sua comunicação à AT.
Questionados os informáticos da empresa de software de faturação online, informaram que não têm esta funcionalidade, pelo que não podem adotar a autofaturação por programa. Como resolver?

Parecer técnico

A questão colocada refere-se com a emissão e comunicação de autofatura por parte de uma entidade que já utiliza um programa de faturação certificado. No caso em concreto trata-se de autofaturas emitidas pela aquisição de madeira a particulares.
O Decreto-Lei n.º 165/2019, publicado no «Diário da República», 1.ª Série, n.º 209, em 30 de outubro, alterou o Código do IVA, estabelecendo um mecanismo de autoliquidação do IVA relativamente a certas transmissões de bens de produção silvícola.
Este mecanismo consiste na aplicação da inversão do sujeito passivo, passando a liquidação do IVA, que se mostre devido em certas transmissões de bens de produção silvícola, a ser efetuada pelo respetivo adquirente, desde que seja sujeito passivo do imposto com direito à dedução total ou parcial.
Desta forma, está prevista a inversão do sujeito passivo nos termos da alínea m) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA pelos sujeitos passivos que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e pratiquem operações com direito a dedução total ou parcial do imposto, quando efetuem aquisições de cortiça, madeira, pinhas e pinhões com casca localizadas no território nacional.
Tal significa que o adquirente, sujeito passivo do imposto, deve proceder à liquidação do IVA que se mostre devido naquelas operações.
De acordo com a regra de inversão do sujeito passivo, o vendedor dos bens aplica a regra de inversão e emite a fatura com a expressão «IVA – Autoliquidação».
O imposto assim liquidado confere direito à dedução nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º do Código do IVA, sem prejuízo do disposto no artigo 23.º do mesmo Código, quando se trate de sujeito passivo com limitações no direito à dedução.
Assim, podemos concluir que pela aquisição de madeira a particulares aplica-se a regra do IVA autoliquidação.
Paralelamente, o referido diploma introduziu a obrigatoriedade de autofaturação nas operações em que os sujeitos passivos adquiram aquele tipo de bens a particulares que, pela sua transmissão, se tornam sujeitos passivos do imposto.
De harmonia com o Ofício Circulado n.º 30 217, de 2019-12-23, da Área de Gestão Tributária do IVA e em relação à obrigação de faturação e liquidação do IVA, quando o transmitente se torna sujeito passivo pela realização de uma das operações referidas na alínea m) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, nestes casos, compete ao adquirente elaborar a fatura que titula a operação, devendo liquidar na mesma o correspondente imposto, o qual confere direito à dedução de acordo com o referido anteriormente.
Tal resulta do n.º 15 do artigo 29.º do CIVA, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 165/2019, de 30 de outubro, alterada pelo Decreto-Lei n.º 85/2022.
O Decreto-Lei n.º 85/2022, alterou o n.º 15 do artigo 29.º do CIVA, conferindo-lhe a seguinte redação:
«15 - Os sujeitos passivos referidos nas alíneas i), m) e n) do n.º 1 do artigo 2.º são obrigados a emitir uma fatura por cada aquisição de bens ou de serviços aí mencionados quando o respetivo transmitente ou prestador não seja um sujeito passivo, se encontre sujeito a IVA pela prática de uma só operação tributável nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º ou cujo enquadramento no regime normal do imposto resulte unicamente das transmissões referidas na alínea n) do n.º 1 do artigo 2.º, não se aplicando, nesses casos, os condicionalismos previstos no n.º 11 do artigo 36.º.»
Passou, assim, a constar do Código de IVA, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2023, a obrigação de autofaturação pelo adquirente (sem acordo prévio), quando o respetivo transmitente ou prestador:
a) Não seja um sujeito passivo;
b) Se encontre sujeito a IVA pela prática de uma só operação tributável nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º; ou
c) Cujo enquadramento no regime normal do imposto resulte unicamente das transmissões referidas na alínea n) do n.º 1 do artigo 2.º, não se aplicando, nesses casos, os condicionalismos previstos no n.º 11 do artigo 36.º.
Face ao até aqui referido, podemos, relativamente à obrigação de emissão de fatura, concluir que nos casos previstos no n.º 15 do artigo 29.º do CIVA é obrigatória a autofaturação sem acordo prévio.
Ainda por intermédio do Decreto-Lei n.º 85/2022, de 21 de dezembro, foram introduzidas alterações à comunicação da faturação, no caso de autofaturação sem acordo prévio (regime das sucatas recicláveis, regime dos bens silvícolas e regime da microprodução de eletricidade, prevista no n.º 15 do artigo 29.º do Código do IVA) que passa a ser da responsabilidade do adquirente, nos termos do n.º 11 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 198/2012, de 24 de agosto (aditado pelo DL n.º 85/2022).
Para a autofaturação sem acordo prévio, os fornecedores dos bens e serviços em causa têm a faculdade de indicar, no Portal E-fatura, até ao dia 25 de fevereiro do ano seguinte ao da sua emissão, as faturas que não titulam transmissões de bens ou prestações de serviços por si realizadas.
Assim, o ficheiro SAF-T(PT) proveniente das autofaturas elaboradas, sem acordo prévio, deverá ser único e conter todas as autofaturas (das aquisições de sucata, madeira ou microprodução de eletricidade a particulares) emitidas no respetivo mês, independentemente de serem emitidas a fornecedores distintos (identificados com o NIF).
De conformidade com o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro, «as faturas e demais documentos fiscalmente relevantes são emitidos pelos próprios sujeitos passivos, podendo ser elaborados pelos adquirentes dos bens ou serviços ou por um terceiro, em nome e por conta do sujeito passivo, sendo, nestes casos, o sujeito passivo transmitente dos bens ou prestador dos serviços responsável pela sua emissão e pela veracidade do seu conteúdo.»
Significa isto que as autofaturas estão sujeitas às mesmas regras aplicáveis às faturas.
Quanto à emissão das faturas, de acordo com o disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 28/2019 os sujeitos passivos devem assegurar que as faturas e demais documentos fiscalmente relevantes sejam processados por uma das seguintes formas:
a) Programas informáticos de faturação, incluindo aplicações de faturação disponibilizadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
b) Outros meios eletrónicos, nomeadamente máquinas registadoras, terminais eletrónicos ou balanças eletrónicas;
c) Documentos pré-impressos em tipografia autorizada.
O n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro, acerca da utilização de programa de faturação certificado, determina que:
«(...) 1 - Para efeitos do artigo anterior, os sujeitos passivos com sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e outros sujeitos passivos cuja obrigação de emissão de fatura se encontre sujeita às regras estabelecidas na legislação interna nos termos do artigo 35.º-A do Código do IVA, estão obrigados a utilizar, exclusivamente, programas informáticos que tenham sido objeto de prévia certificação pela AT, sempre que:
a) Tenham tido, no ano civil anterior, um volume de negócios superior a 50 mil euros ou, quando, no exercício em que se inicia a atividade, o período em referência seja inferior ao ano civil, e o volume de negócios anualizado relativo a esse período seja superior àquele montante;
b) Utilizem programas informáticos de faturação;
c) Sejam obrigados a dispor de contabilidade organizada ou por ela tenham optado (...).»
Concretamente em relação às questões colocadas, desde logo referir que a qualificação do sujeito passivo é importante para a matéria em análise. Contudo, já utilizando o sujeito passivo em causa programa certificado de faturação, este está obrigado a utilizá-lo para a emissão de todos os documentos fiscalmente relevantes.
Nos termos do artigo 7.º do mesmo diploma, nas faturas e demais documentos fiscalmente relevantes deve constar um código de barras bidimensional (código QR) e um código único de documento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.
Assim, veio a Portaria n.º 195/2020, de 13 agosto, regulamentar os requisitos de criação do código de barras bidimensional (código QR) e do código único do documento (ATCUD), a que se refere o n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro.
O ATCUD, com o formato «ATCUD: Código de Validação - Número Sequencial», deve constar obrigatoriamente em todas as faturas e outros documentos fiscalmente relevantes, emitidos por qualquer dos meios de processamento identificados no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro, conforme refere o artigo 4.º da Portaria n.º 195/2020, de 13 agosto.
Assim sendo, no caso em concreto trata-se de um sujeito passivo que já utiliza um programa certificado de faturação, logo, deve proceder à emissão de faturas e outros documentos fiscalmente relevantes, como é o caso das autofaturas, exclusivamente através de programa de faturação certificado.
Os elementos das faturas e outros documentos fiscalmente relevantes devem ser comunicados através dos procedimentos previstos no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 198/2012, de 24 de agosto, nomeadamente através de comunicação pelo sistema de webservice ou por envio do ficheiro SAF-T (PT) da faturação, caso emita faturas através de programas informáticos de faturação certificados.
Nesse sentido o entendimento da AT, constante da FAQ n.º 30-4336, disponível no Portal das Finanças, que é do seguinte sentido:
«Nas situações enquadradas no âmbito do número 15.º do artigo 29.º do CIVA, quando o transmitente ou prestador não é sujeito passivo ou se encontre sujeito a IVA pela prática de uma só operação tributável, trata-se de uma situação de exceção em que a obrigação de emissão recai sobre o adquirente, pelo que, a comunicação das séries para obtenção do respetivo código de validação deverá ser efetuada pelo emitente (cliente), devendo os documentos ser emitidos de forma sequencial dentro da série, mesmo que relativos a operações com diferentes fornecedores.
Neste caso, o sujeito passivo adquirente deve comunicar as séries que utiliza para a emissão de autofaturas, que terá que ser distinta das que utiliza no âmbito da sua faturação normal.”
40-4539 Para efetuar a comunicação das séries documentais de autofaturação sem acordo prévio, a funcionalidade existente no Portal das Finanças solicita o enquadramento legal. Qual o enquadramento que devo selecionar e qual a diferença entre eles?
Deve selecionar "Alínea i) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA - Setor de desperdícios, resíduos, sucatas recicláveis” quando seja um sujeito passivo adquirente dos bens ou dos serviços mencionados no Anexo E ao Código do IVA cujo transmitente ou prestador não seja sujeito passivo. Deve selecionar "Alínea m) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA - Adquirentes de cortiça, madeira, pinhas e pinhões com casca” quando seja um sujeito passivo adquirente destes bens cujo transmitente não seja sujeito passivo ou se encontre sujeito a IVA pela prática de uma só operação tributável.»
Poderá encontrar estas (e outras) FAQ aqui.
Assim, o ficheiro SAF-T (PT) proveniente das autofaturas elaboradas, sem acordo prévio, deverá conter as autofaturas (das aquisições de madeira a particulares) emitidas no respetivo mês, por cada fornecedor, ao adquirente em causa.
Não obstante o exposto, continua a estar previsto no n.º 4 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro que "em caso de inoperacionalidade do programa de faturação, os sujeitos passivos referidos no n.º 1 devem emitir faturas ou documentos fiscalmente relevantes pré-impressos em tipografias autorizadas, os quais devem posteriormente ser recuperados para o programa".
Apenas em situações de inoperacionalidade do sistema, os sujeitos devem emitir faturas ou documentos fiscalmente relevantes, pré-impressos em tipografias autorizadas, os quais devem posteriormente ser recuperados para o programa.
De acordo com o ponto 7 do Ofício-Circulado n.º 30213, de 1 de outubro de 2019, «considera-se existir inoperacionalidade do programa quando o acesso a este se mostre inviável, podendo resultar, nomeadamente, de avaria do equipamento informático, da falta de energia elétrica ou falha no acesso à aplicação por falta de cobertura de rede pelo operador de telecomunicações (em caso de utilização de programa através da internet ou de soluções de mobilidade).»
Face ao exposto, no caso em concreto deverá aferir se a emissão de faturas impressas em tipografia está a ser devidamente utilizada, ou seja, se se verifica ou não a inoperacionalidade do sistema. Em caso afirmativo, estas faturas manuais deverão posteriormente ser recuperadas para o programa informático de faturação e comunicadas através pelo sistema de webservice ou por envio do ficheiro SAF-T (PT) da faturação.