IVA - cessação
PT28178 - maio de 2024
Uma firma que já não tem qualquer movimento contabilístico há dois anos, mas que tem um crédito automóvel que termina em dezembro de 2027, pode cessar e encerrar a sua atividade? Pode vender a viatura quando terminar o crédito?
Parecer técnico
O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento contabilístico e fiscal da dissolução e liquidação de sociedades.
Previamente à análise da situação em causa, cumpre desde logo esclarecer que a validação das questões legais inerentes a tal operação extravasa as competências do consultório técnico, motivo pelo qual, sobre os aspetos legais inerentes sugerimos a consulta de um jurista ou advogado.
O processo de dissolução e liquidação de uma sociedade deve seguir os seguintes passos:
- Dissolução;
- Liquidação;
- Partilha do remanescente.
Dissolução
A dissolução será o ato que determina o início do procedimento da extinção da sociedade, que, quando for de iniciativa dos sócios, poderá ser decidido em assembleia-geral de sócios, convocada para o efeito, por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social, a não ser que o contrato exija maioria mais elevada ou outros requisitos (artigo 270.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) para as sociedades por quotas e artigo 464.º do mesmo Código para as sociedades anónimas).
Nessa fase, tem de se preparar e apresentar as demonstrações financeiras à data da decisão da dissolução, conforme artigo 149.º do CSC, que estarão devidamente identificadas na ata da Assembleia-Geral, com o objetivo de se apresentar o património da sociedade a ser objeto de liquidação.
Este balanço tem impacto a nível fiscal, sendo objeto de tributação o período até à dissolução e o período após a dissolução, separadamente, quando a dissolução e liquidação aconteçam em momentos diferentes, nos termos do n.º 11 do artigo 120.º do Código do IRC (CIRC). A determinação da data de dissolução é relevante para efeitos fiscais, para estabelecer o início do período de liquidação, que pode ser objeto de uma única tributação em IRC, nos termos do artigo 79.º do Código deste imposto.
Liquidação
Após a deliberação de dissolução, a sociedade entrará na fase de liquidação durante a qual decorrem as operações que consistem na realização (venda, afetação externa e cobrança) do ativo e pagamento do passivo, com o objetivo de reduzir a dinheiro ou bens facilmente realizáveis para serem partilhados.
O CSC prevê dois procedimentos simplificados de liquidação nos artigos 147.º e 148.º.
Nos termos do artigo 147.º do CSC, o momento da dissolução poderá coincidir com o momento da liquidação e partilha, que poderá ser efetuado através do procedimento de «dissolução e liquidação na hora.»
O Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e Liquidação de Entidades Comerciais (RJPADLEC), introduzido pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março, instituiu um regime de «dissolução e liquidação na hora» para as sociedades comerciais, permitindo que se extingam e liquidem imediatamente, num atendimento presencial único, nas conservatórias de registo comercial, quando determinados pressupostos se verifiquem.
Na secção IV do «Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais», em anexo ao Decreto-Lei n.º 76-A/2006, estão definidos os procedimentos especiais de extinção imediata de entidades comerciais.
Estes procedimentos referem a obrigatoriedade do cumprimento de duas condições para que se possa efetuar a dissolução e liquidação imediata de uma sociedade comercial, nomeadamente que a mesma seja requerida, por qualquer pessoa, com poderes fornecidos pelo órgão de administração ou outro membro da sociedade, apresentando uma ata de assembleia-geral que comprove a deliberação unânime nesse sentido tomada por todos os membros da entidade comercial.
O outro requisito fundamental é que, na referida ata da assembleia-geral, os sócios têm que atestar a não existência de ativos ou passivos a liquidar.
Estes documentos podem ser substituídos por declarações verbais efetuadas presencialmente por algum dos sócios da sociedade ou do órgão de administração, perante o funcionário da conservatória, conforme o n.º 3 do artigo 27.º do referido Regime Jurídico de Dissolução e Liquidação.
Após este requerimento, documental ou verbal, a conservatória procede de imediato à decisão de dissolução e liquidação da sociedade, efetuando oficiosamente e de imediato o registo simultâneo da dissolução e do encerramento da liquidação, e entregando a respetiva certidão do registo comercial atualizada com o encerramento da liquidação.
Por outro lado, a conservatória procede de imediato, e oficiosamente, também, à comunicação desse encerramento da liquidação a diversas entidades, nomeadamente à Autoridade Tributária e Aduaneira, Segurança Social e outros, conforme artigo 26.º do referido Regime Jurídico.
Com o registo do encerramento da liquidação, a sociedade é considerada como extinta.
Neste caso, os sócios poderão imediatamente proceder à partilha de todo o ativo da sociedade, incluindo partilha de itens em espécie, de bens e direitos da sociedade, nomeadamente imóveis, devendo ser seguido o procedimento previsto no artigo 156.º do CSC.
Esse artigo 156.º determina que, primeiramente, a partilha desse ativo será destinada a compensar as entradas em dinheiro pela realização de capital de cada sócio, sendo o restante, se existir, repartido pela respetiva participação social de cada sócio.
No entanto, no caso de existirem ações pendentes, essas instâncias não se suspendem, ou no caso de existirem ativos não partilhados ou passivos não satisfeitos, após esse encerramento da sociedade, os antigos sócios podem ter de responder por tais factos, sendo da responsabilidade do liquidatário a resolução e comunicação aos sócios de tais situações, conforme os artigos 162.º a 164.º do Código das Sociedades Comerciais.
Por outro lado, o artigo 148.º do CSC prevê que a liquidação e partilha se possam efetuar através da transmissão global do património (ativos e passivos) para o sócio, passando este a ter o direito de recebimento das dívidas a receber e a obrigação do pagamento das dívidas a pagar da sociedade.
Quando os sócios não deliberarem pela aplicação destes procedimentos simplificados, ou tal não for possível, têm de se efetuar os procedimentos normais de liquidação previstos no CSC, nomeadamente:
Vender os bens do ativo, cobrar os créditos da sociedade e proceder-se ao pagamento das dívidas da sociedade, como o objetivo de reduzir a dinheiro o património residual para este ser partilhado pelos sócios.
Estes procedimentos devem ser efetuados por um liquidatário, cuja nomeação deve também constar da ata que deliberou a dissolução, conforme artigo 151.º e 152.º do CSC.
Nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 8.º do CIRC, a cessação da atividade ocorre, relativamente às entidades com sede ou direção efetiva em território português, na data do encerramento da liquidação.
Partilha do remanescente
Nos procedimentos de liquidação, inclui-se ainda a partilha do ativo restante, quando este existir, pelos sócios, de acordo com as respetivas participações e deliberações tomadas em sede de assembleia-geral.
Este ativo restante será destinado em primeiro lugar ao reembolso do montante das entradas efetivamente realizadas pelos sócios, sendo que se não existir ativo suficiente para efetuar esse reembolso, ou se se registar um excesso, estes deverão ser distribuídos pelos sócios na respetiva proporção das suas participações.
Estas contas finais dos liquidatários deverão ser efetuadas num mapa de partilha, sendo proposto o projeto de partilha para ser aprovado pelos sócios, nos termos do artigo 155.º e 156.º do CSC.
A liquidação deverá estar encerrada e a partilha aprovada no prazo de dois anos, prorrogável no máximo por mais um ano. Não se cumprindo esse prazo o serviço de registo poderá determinar que as mesmas sejam feitas administrativamente, conforme disposto no artigo 150.º do CSC.
Finalmente, a sociedade considera-se extinta pelo registo do encerramento da liquidação, na Conservatória do Registo Comercial, conforme o n.º 2 do artigo 160.º do CSC.
Nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 8.º do CIRC, a cessação da atividade ocorre, relativamente às entidades com sede direção efetiva em território português, na data do encerramento da liquidação.
Do ponto de vista contabilístico, as contas só ficam saldadas após a partilha do património pelos sócios, pelo que o preenchimento da declaração modelo 22 e anexo A da IES deve ser apresentado antes de as contas estarem saldadas.
Enquanto existirem compromissos a cumprir decorrentes de créditos concedidos por terceiros incluindo dívidas à Segurança Social ou à AT não pode proceder ao encerramento da sociedade.
Todavia, poderá o sócio proceder ao pagamento dos valores em dívida, permitindo assim o encerramento de liquidação e consequente cessação da atividade, pois existindo dívidas, que não sejam exclusivamente as de natureza fiscal ainda exigíveis à data da dissolução, já não é possível aos sócios proceder imediatamente à liquidação. Se, apesar da existência de um tal passivo comum, for feita a partilha imediata, o ato é manifestamente nulo e não pode ser admitido a registo.
Contabilisticamente há que proceder do seguinte modo:
Após se ter apurado o resultado do período (que se encontrará relevado na conta 81 - Resultado líquido do período), ou seja, o resultado obtido até à data em que foi deliberada a dissolução, pelo que se encontrarão saldadas todas as contas de gastos e de rendimentos, começará a proceder-se à liquidação a qual dará origem, no seu final, ao resultado líquido da liquidação.
Para isso serão movimentadas as contas de gastos e de rendimentos, pelas respetivas naturezas, registando-se as vendas, quer dos inventários quer dos bens do ativo fixo, os recebimentos dos clientes, e de outros devedores, os pagamentos a fornecedores, e a outros credores, até que fiquem apenas por saldar as disponibilidades, no ativo.
Em consequência destes registos, não existirá passivo (a não ser, créditos de sócios, isto é, suprimentos) apenas haverá valores no ativo (tendencialmente meios monetários) e na situação líquida. É esta a situação patrimonial que será relatada no balanço constante do anexo A da IES.
Deste modo, o processo da liquidação encontra-se concluído. Apenas após se ter terminado e contabilizado as operações de liquidação é que se irá proceder à partilha do ativo remanescente.
Procede-se, então, à respetiva partilha, procedendo:
Débito:
- Das contas da classe 5 - Capital próprio;
- Da conta 26 - Acionistas/sócios, eventualmente, se existirem créditos do sócio;
- Da conta 814 - Resultado líquido da liquidação, se se obteve um resultado positivo no processo de liquidação;
Crédito:
- Das contas de disponibilidades (11 - Caixa e/ou 12 - Depósitos à ordem);
- Da conta 814 - Resultado líquido da liquidação, se se obteve um resultado negativo no processo da liquidação.
Havendo partilha em bens diferentes de dinheiro haverá crédito da conta onde esses bens estão registados por contrapartida da conta de sócios.
Note-se que depois de efetuados os lançamentos contabilísticos referentes à partilha tendo em conta o projeto de partilha, teremos o «balanço a zeros», isto é, a sociedade deixa de ter património. Estará então em condições de se extinguir.
Em termos de IRC, na ótica da sociedade cessada, a transferência de propriedade dos ativos, classificados como inventários ou ativos fixos, no âmbito da partilha, implica a determinação de um resultado tributável para a sociedade.
Ainda que, em termos contabilísticos, não seja determinado qualquer ganho ou perda pela transferência dos bens patrimoniais da sociedade para o sócio no âmbito da liquidação e partilha, para efeitos fiscais, deve ser determinado um rendimento tributável pela transferência dos bens, sendo ficcionado como valor de realização, o valor de mercado dos bens à data da transferência, conforme previsto no artigo 80.º do CIRC.
No que se refere aos rendimentos obtidos por partilha da sociedade, tais rendimentos qualificam-se como mais-valias ou menos-valias, tendo em conta as alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, ao artigo 81.º do CIRC e pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (OE de 2014) ao artigo 5.º e 10.º do CIRS.
Neste âmbito, o resultado da partilha, é englobado para efeitos de tributação do(s) sócio(s), no período de tributação em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído em resultado da partilha, abatido do valor de aquisição das correspondentes partes sociais e de outros instrumentos de capital próprio (prestações suplementares, coberturas de prejuízos, entre outros).
Em termos de obrigações declarativas, após o pedido de registo de encerramento da liquidação na conservatória têm até ao último dia do 3.º mês seguinte ao da data do registo da cessação, para o cumprimento das obrigações declarativas e fiscais, independentemente de esse dia ser útil ou não útil.
Isto é, para proceder à entrega da declaração modelo 22 e IES, onde está incluída a obrigatoriedade de prestar contas (n.º 3 do artigo 120.º do CIRC, conjugado com o artigo 42.º, n.º 1 do Código do registo comercial, e n.º 4 do artigo 121.º do CIRC).
De acordo com o disposto no n.º 6 do artigo 19.º da Lei Geral Tributária (LGT), as pessoas coletivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a atividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional.
Face ao exposto, no momento do registo da cessação da sociedade deverá ser nomeado um representante, que será responsável pelo pagamento do imposto devido ou pelo reembolso do valor pago a mais.
Feito o enquadramento geral, cumpre responder concretamente à questão colocada. Neste sentido, somos do entendimento que enquanto existirem compromissos a cumprir decorrentes de créditos concedidos por terceiros não pode proceder ao encerramento da sociedade.
Todavia, caso seja essa a intenção, aconselhamos que seja validada a possibilidade de transferência do crédito em causa para o sócio, permitindo assim o encerramento, liquidação e consequente cessação da atividade, pois existindo dívidas, que não sejam exclusivamente as de natureza fiscal ainda exigíveis à data da dissolução, já não é possível aos sócios proceder imediatamente à liquidação.
No que respeita à possibilidade de vender a viatura, notamos que, em termos fiscais, nada obsta a tal operação.
Por último, e por referência a este tema, notamos que poderá aceder ao manual «Dissolução, liquidação, fusão e cisões de sociedades (aspetos contabilísticos e fiscais)» disponível no site da OCC.
Poderá ter acesso ao manual no separador Formação > Materiais de apoio à formação > Formação à distância 2022.