Pareceres
IVA - lições ministradas sobre matérias escolares
18 Março 2024
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

IVA - lições ministradas sobre matérias escolares
PT27905 - janeiro de 2024

 

Determinada empresa - um centro de estudo (ATL) - tem como atividade principal (85600) o apoio à educação e como atividade secundária o de outras atividades educativas e recreativas.
Com a alteração introduzida no artigo 9.º do IVA, pelo Orçamento do Estado para 2024, alargando a isenção do IVA para as empresas, podem passar a ter isenção de IVA quando faturam apoio ao estudo, explicações individuais e coletivas?
Ficam sujeitas a IVA à taxa normal os transportes que asseguram da escola para os centros de estudo e dos centros de estudo para escola, as atividades de ocupações de tempos livres nos meses de férias escolares e ainda as refeições (no caso de darem almoço)?
Pode ser alterada a atividade para regime de IVA misto e começar a ter todas estas situações?

 

Parecer técnico

 

As questões colocadas referem-se às alterações efetuadas ao artigo 9.º do CIVA pela LOE 2024, nomeadamente aos serviços que consistam em lições ministradas sobre matérias escolares.
Ora, como sabemos, até à publicação (e entrada em vigor) da Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro (OE/2024), o número 11) do artigo 9.º do CIVA referia que se encontravam isentas deste imposto: «11) As prestações de serviços que consistam em lições ministradas a título pessoal sobre matérias do ensino escolar ou superior.»
Relativamente ao âmbito de aplicação desta isenção e enquanto tal redação vigorou, foi entendimento da Autoridade Tributária, reiterado em várias fichas doutrinárias, acompanhando este o disposto na diretiva IVA, que a mesma apenas poderia ser aplicada se a prestação de serviços fosse feita diretamente entre o explicador/professor e o aluno, o que excluía do âmbito desta isenção, desse modo, por exemplo, os centros de estudos.
Este entendimento foi corroborado, por exemplo, pela informação vinculativa referente ao processo n.º 14 624, por despacho de 2019-04-12, da diretora de serviços do IVA, (por subdelegação).
Contudo, tal como referido na questão, o artigo 243.º da Lei n.º 82/2023 conferiu uma nova redação ao número 11) do artigo 9.º do CIVA, passando este a prever que se encontram isentas de IVA: «11) As prestações de serviços que consistam em lições ministradas sobre matérias do ensino escolar ou superior.»
Foi, deste modo, abolida a obrigatoriedade de, para que esta isenção seja aplicável, as lições terem de ser ministradas «a título pessoal», pelo que, a partir de 1 de janeiro de 2024 (data de produção de efeitos desta alteração), desde que estejam em causa prestações de serviços que consistam em lições ministradas sobre matérias do ensino escolar ou superior, independentemente de serem, ou não, a título pessoal, encontrar-se-ão as mesmas isentas de IVA.
Este entendimento é corroborado pelo ponto 1.1 do ofício-circulado n.º 25 018/2024, de 10 de janeiro, que refere o seguinte:
«A anterior redação da norma restringia a aplicação da isenção às lições ministradas a título pessoal. Com a nova redação, a isenção é alargada a todos os sujeitos passivos que ministrem lições sobre matérias de ensino escolar ou superior.»
Este ofício-circulado, cuja leitura recomendamos, foi emitido pela DSIVA para mitigar eventuais dúvidas que pudessem surgir das alterações efetuadas ao CIVA e a demais legislação complementar em matéria deste imposto não só pelo OE/2024, mas também pela Lei n.º 81/2023, de 28 de dezembro.
Recomendamos, ainda, a visualização da intervenção de Cláudia Afeto Dias (diretora da DSIVA e formadora da Ordem) sobre esta matéria, na reunião livre de dia 10 de janeiro de 2023, a partir de 02h 38min 15seg.
Esta reunião livre pode ser consultada nesta ligação.
Podem igualmente ser consultadas as FAQ que, entretanto, a AT divulgou sobre esta matéria, nesta ligação.
Aproveitamos, igualmente, para referir que esta alteração ao Código do IVA foi proposta pelo Partido Socialista (PS) e teve na sua génese o facto de, para efeitos da dedução à coleta prevista no artigo 78.º-D do CIRS (despesas de formação e educação), apenas serem relevantes as prestações de serviços abrangidos pela «Secção P, classe 85 – Educação» isentas ou tributadas à taxa reduzida.
Ou seja, se determinado aluno tivesse uma explicação a título pessoal com um explicador, por tal operação estar isenta ao abrigo do número 11) do artigo 9.º do CIVA, poderia tal despesa ser relevante para efeitos do artigo 78.º-D do CIRS.
Por outro lado, se o mesmo aluno tivesse a mesma explicação, sobre a mesma matéria, com o mesmo explicador, mas no âmbito de uma prestação de serviços de um centro de estudos, por tal operação ser tributada à taxa normal de IVA, já não seria relevante para efeitos da dedução à coleta referida nos parágrafos anteriores, o que poderia causar distorções de concorrência.
Pretendeu-se, assim, numa «lógica de aproximação [do tratamento fiscal dos serviços prestados em centros de explicação] ao regime aplicável às explicações ministradas a título particular, assegurar o princípio da equivalência fiscal no tratamento de serviços da mesma natureza e, por conseguinte, a sua dedutibilidade» (para efeitos de IRS) na esfera dos sujeitos passivos (e seus dependentes).
De acordo com o referido partido, tal alteração permite assegurar «igualmente um melhor nivelamento dos encargos tributários associados a tal prestação de serviços.»
Pelo exposto, e a confirmar-se que o sujeito passivo irá, de facto, exercer, simultaneamente, operações que conferem e operações que não conferem direito à dedução, passará o mesmo, tal como sugerido na questão, a ser um sujeito passivo misto (devendo o mesmo entregar uma Declaração de Alterações para esse efeito), cuja dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista deverá ser feita de acordo com os artigos 23.º e seguintes do CIVA.
Recomendamos, neste âmbito, a leitura do ofício-circulado n.º 30 103/2008, de 23 de abril.
Quanto à segunda questão, embora não resulte claro da questão, iremos partir do pressuposto, face à nossa experiência na matéria e por ser essa a prática habitual destes operadores económicos, que o ATL fatura os transportes e as atividades extracurriculares individualmente e não, por exemplo, através de um “pacote” que englobe todos os serviços.
Partindo deste pressuposto, começamos por dar nota de que, relativamente aos «transportes que asseguram da escola para os centros de estudo e dos centros de estudo para escola», enquadrar-se-ão os mesmos, à partida, na verba 2.14 da lista I anexa ao CIVA, pelo que, nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 18.º do CIVA, será aplicável a taxa reduzida.
Relativamente às «atividades de ocupações de tempos livres nos meses de férias escolares e ainda as refeições», por falta de enquadramento em alguma verba constante das listas I e II anexas ao CIVA, a taxa aplicável, nos termos da alínea c) do número 1 do artigo 18.º do CIVA, será, de facto, a normal.
Sem prejuízo do referido no parágrafo anterior, aproveitamos para relembrar que, tal como resulta do número 7) do artigo 9.º do CIVA, estão isentas de IVA:
«7) As prestações de serviços e as transmissões de bens estreitamente conexas, efetuadas no exercício da sua atividade habitual por creches, jardins-de-infância, centros de atividade de tempos livres, estabelecimentos para crianças e jovens desprovidos de meio familiar normal, lares residenciais, casas de trabalho, estabelecimentos para crianças e jovens deficientes, centros de reabilitação de inválidos, lares de idosos, centros de dia e centros de convívio para idosos, colónias de férias, albergues de juventude ou outros equipamentos sociais pertencentes a pessoas coletivas de direito público ou instituições particulares de solidariedade social ou cuja utilidade social seja, em qualquer caso, reconhecida pelas autoridades competentes, ainda que os serviços sejam prestados fora das suas instalações.»
Deste modo, as prestações de serviços, bem como as transmissões de bens estreitamente conexas, efetuadas por uma pessoa coletiva de direito público, uma IPSS ou, então, uma entidade cuja utilidade social seja reconhecida pela Segurança Social (neste último caso, tenha, ou não, o sujeito passivo fins lucrativos), que se dedique à exploração de, por exemplo, um centro de atividade de tempos livres, desde que efetuadas no âmbito dessas atividades, encontram-se isentas de IVA ao abrigo desta disposição legal.
De modo a delimitar as fronteiras desta isenção, foi emitido o ofício-circulado n.º 115 934/88, de 19 de dezembro, cuja leitura recomendamos.
Mais recentemente, foi emitido o ofício-circulado n.º 30 071/2004, de 24 de junho, cuja leitura também recomendamos.
Aconselhamos, neste sentido, a que se analise tal possibilidade junto do sujeito passivo.
Por fim, no tocante às situações em que o ATL fornece refeições «(no caso de darem almoço)», damos nota de que não resulta claro se as mesmas irão, ou não, ser incluídas no preço/mensalidade das «atividades de ocupações de tempos livres nos meses de férias escolares» (ou seja, se têm, ou não, caráter autónomo).
Este aspeto é importante para o enquadramento em sede de IVA destas operações porque, como sabemos, tendo as refeições natureza meramente acessória ao serviço principal (neste caso, ocupação de tempos livres), ou seja, caso configurem um simples meio para os jovens beneficiarem, em melhores condições, do serviço principal, então, deverão as mesmas, de acordo com a alínea b) do número 5 do artigo 16.º do CIVA, ser incluídas no seu valor tributável, pelo que ser-lhes-á aplicável o mesmo enquadramento para efeitos de IVA das atividades de ocupação de tempos livres (neste caso, taxa normal de IVA, nos termos da alínea c) do número 1 do artigo 18.º do CIVA, ou, então, como vimos, a isenção prevista no número 7) do artigo 9.º do CIVA, se aplicável).
Por outro lado, se as refeições consubstanciarem serviços independentes da ocupação de tempos livres, então, na nossa opinião, estarão as mesmas sujeitas a IVA nos termos gerais (não beneficiando, neste caso, de qualquer isenção).
Partindo do pressuposto de que estamos perante prestações de serviços de alimentação e bebidas, ser-lhes-á aplicável, nos termos da alínea b) do número 1 do artigo 18.º do CIVA, por enquadramento na verba 3.1 da lista II anexa ao CIVA, a taxa intermédia.
Aconselhamos, deste modo, mais uma vez, a que se confirmem todos estes pormenores junto do sujeito passivo.