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IVA - pedido de autorização prévia de faturas em mora
3 Maio 2024
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC

IVA - pedido de autorização prévia de faturas em mora
PT27961 - fevereiro de 2024


Determinado sujeito passivo pretende submeter um pedido de autorização prévio (PAP) de diversas faturas que, pela mora, são elegíveis para o referido pedido. Acontece que a empresa continua a fornecer ao cliente devedor e esta paga o material que leva, mas não paga as faturas em mora. Nestes casos é possível efetuar o pedido de autorização prévia?

 

Parecer técnico

 

O pedido de parecer está relacionado com a possibilidade de apresentação do pedido de autorização prévia (PAP) de faturas em mora.
No caso apresentado a entidade tem determinadas faturas em mora em que pretende recuperar o IVA. Apesar das faturas estarem em mora a entidade continua a vender ao cliente, estando este a proceder ao pagamento destas vendas.
Relativamente à recuperação do IVA, com a entrada em vigor da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (OE/2013), foram introduzidas alterações substanciais à possibilidade de regularização do IVA de créditos considerados incobráveis e foi introduzida a possibilidade de regularização em créditos considerados de cobrança duvidosa, sem restrições de valor ou de enquadramento do adquirente.
Sobre esta matéria, aconselhamos a consulta do Ofício-Circulado n.º 30 161/2014, de 8 de julho, que explica os procedimentos para a realização das regularizações de IVA de créditos incobráveis e de cobrança duvidosa.
No caso em os créditos se venceram após 1 de janeiro de 2013, deverá ser aplicado o disposto nos artigos 78.º-A a 78.º-D do CIVA.
Resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A do Código do IVA que «...os sujeitos passivos podem deduzir o imposto respeitante a créditos considerados de cobrança duvidosa, evidenciados como tal na contabilidade, sem prejuízo do disposto no artigo 78.º-D, bem como o respeitante a créditos considerados incobráveis...».
No n.º 2 do artigo 78.º-A estão definidas as situações em que se considera que estamos perante créditos de cobrança duvidosa, que passamos a citar:
«a) O crédito esteja em mora há mais de 12 meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento; (redação dada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, referente ao OE para 2020);
b) O crédito esteja em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento, o valor do mesmo não seja superior a 750 euros, IVA incluído, e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito à dedução.»
No que diz respeito à alínea b) mencionada, esta apenas será aplicável, visto estarmos perante uma operação entre dois sujeitos passivos, se o cliente desta empresa realizar exclusivamente operações isentas que não confiram direito à dedução.
Por sua vez, o n.º 4 do artigo 78.º-A vem determinar as situações em que os créditos se consideram incobráveis para efeitos de regularização de IVA, sendo estas:
«a) Em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 717.º do Código do Processo Civil;
b) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado ou quando for determinado o encerramento do processo por insuficiência de bens, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 230.º e do artigo 232.º, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, ou após a realização do rateio final, do qual resulte o não pagamento definitivo do crédito;
c) Em processo de insolvência ou em processo especial de revitalização, quando seja proferida sentença de homologação do plano de insolvência ou do plano de recuperação que preveja o não pagamento definitivo do crédito;
d) Revogada.
e) Quando for celebrado e depositado na Conservatória do Registo Comercial acordo sujeito ao Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE) que cumpra com o disposto no n.º 3 do artigo 27.º do RERE e do qual resulte o não pagamento definitivo do crédito.»
Chamamos a atenção que o enquadramento como crédito incobrável está condicionado à ocorrência do facto relevante antes do momento em que os créditos possam ser considerados de cobrança duvidosa, nos termos anteriormente explicados.
Assim, sugerimos que seja averiguado se estão cumpridas as condições para que este crédito possa ser considerado de cobrança duvidosa, tendo em conta o exposto anteriormente, nomeadamente os requisitos da alínea a) do número 2 do artigo 78.º-A do CIVA, bem como a aplicação temporal da Lei n.º 2/2020.
A confirmar-se que o crédito em causa se enquadra no número 2 do artigo 78.º-A, teremos de averiguar o artigo 78.º-B, onde se encontram os procedimentos a ter de modo a efetuar a regularização.
No caso concreto, estamos perante créditos de cobrança duvidosa, considerados como tal nos termos da alínea a) do número 2 do artigo 78.º-A, de acordo com o número 1 do artigo 78.º-B, a dedução do imposto destes créditos é feita mediante pedido de autorização prévia a apresentar, por via eletrónica, no prazo de seis meses contados a partir da data em que os créditos sejam considerados de cobrança duvidosa (prazo não alterado pela Lei n.º 2/2020).
Em relação a este prazo de seis meses que consta da alínea a) do número 1 do artigo 78.º-B do CIVA, somos de opinião de que o mesmo começa a contar no dia seguinte aos créditos atingirem os 12 meses de mora (com a nova redação, anteriormente eram 24 meses), independentemente de estarem, ou não, reunidas as restantes condições.
Relativamente ao prazo de resposta da AT:
Resulta dos números 1, 2 e 4 do artigo 78.º-B do Código do IVA que:
«(...) 1 - A dedução do imposto associado a créditos considerados de cobrança duvidosa, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo anterior, é efetuada mediante pedido de autorização prévia a apresentar, por via eletrónica, no prazo de seis meses contados a partir da data em que os créditos sejam considerados de cobrança duvidosa, nos termos do referido número.
2 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4, o pedido de autorização prévia deve ser apreciado pela Autoridade Tributária e Aduaneira no prazo máximo de quatro meses, findo o qual se considera indeferido.
(...)
4 - No caso de créditos não abrangidos pelo número anterior que sejam inferiores a € 150 000, IVA incluído, por fatura, decorrido o prazo previsto no n.º 2, o pedido de autorização prévia é considerado deferido, reservando-se a Autoridade Tributária e Aduaneira a faculdade de controlar posteriormente a legalidade da pretensão do sujeito passivo (...).»
Efetivamente, a Autoridade Tributária dispõe de quatro meses para apreciação do pedido, quando se trata de operações entre sujeitos passivos, podendo, consoante se trate de pedido inferior ou superior a 150 mil euros, verificar-se um deferimento ou indeferimento tácito.
Por sua vez, a redação do n.º 8 do artigo 78.º-B do Código do IVA, prevê que a dedução do imposto a favor do sujeito passivo deve ser efetuada na respetiva declaração periódica, até ao final do período seguinte àquele em que se verificar o deferimento do pedido de autorização prévia pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Ainda de forma genérica, importa salientar que, tratando-se de créditos vencidos até 31 de dezembro 2012, mas cuja incobrabilidade se vem a verificar já após aquela data, as regras a ter em conta na avaliação relativa à possibilidade de recuperação do IVA são as do artigo 78.º CIVA, ao passo que para créditos vencidos após 1 de janeiro de 2013, valem as regras dos artigos 78.º-A a D do Código do IVA.
Tratando-se de créditos vencidos até 31 de dezembro de 2012, a regularização de IVA em créditos de cobrança duvidosa ou incobráveis deve atender aos procedimentos previstos nos números 7 e 8 do artigo 78.º do CIVA, e restantes obrigações acessórias previstas nos números seguintes desse artigo.
Estabelece o n.º 7 do artigo 78.º do CIVA, que no caso de os créditos terem sido considerados incobráveis, em processo de execução, em processo de insolvência, em processo especial de revitalização ou nos termos do acordo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), poderá o IVA respeitante a esses créditos ser deduzido.
O n.º 7 do artigo 78.º do CIVA refere-se a créditos respeitantes a qualquer tipo de clientes, qualquer tipo de sujeito passivo de IVA, isentos ou com direito à dedução, ou mesmo pessoas particulares, e para qualquer montante de dívidas.
Nos termos da alínea a) do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA, este imposto apenas pode ser deduzido quando o processo de execução estiver já suspenso, não tendo o devedor liquidado a dívida, nem ter sido possível a penhora, por não se terem encontrado bens penhoráveis. Esta execução deve constar do registo informático de execuções, como estando suspensa, devendo obter comprovativo de tal situação.
No caso de os créditos serem considerados incobráveis em processo de insolvência, apenas após a sentença desse processo ter transitado em julgado, quando a mesma for decretada de caráter limitado ou após a homologação da deliberação da assembleia de credores, nos termos do CIRE, pode deduzir o IVA respeitante a esses créditos.
Nestes casos, deve obter-se junto do tribunal documento do trânsito em julgado da sentença de insolvência de caráter limitado, incluindo os créditos reclamados; ou, tratando-se de sentença de insolvência de caráter pleno, o comprovativo do trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação dos créditos, conforme disposto no Ofício-Circulado n.º 30 161/2014, de 8 de julho.
No caso do processo especial de revitalização, apenas se pode deduzir o IVA dos créditos incobráveis após homologação do plano de recuperação pelo juiz, nos termos previstos no CIRE, obtendo-se o respetivo documento comprovativo nos termos desse plano.
No caso do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), quando esses créditos tenham sido considerados incobráveis nos termos da celebração do acordo previsto no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto, obtendo-se documento comprovativo nos termos desse processo.
Se a regularização de IVA, nas situações previstas no n.º 7 do artigo 78.º for efetuada após 1 de janeiro de 2013, para créditos vencidos anteriormente a essa data, mas considerados incobráveis após essa data, deverá ser obtida uma certificação de um ROC como se encontram verificados os requisitos legais para a dedução do IVA nos termos referidos acima, conforme previsto no n.º 9 do mesmo artigo (redação da Lei de Orçamento do Estado para 2013).
Se os créditos forem considerados incobráveis, no âmbito de algumas das situações referidas no n.º 7 do artigo 78.º do CIVA, antes de 1 de janeiro de 2013, não é necessário obter a certificação pelo ROC, para efetuar a regularização do IVA.
Há ainda que efetuar uma comunicação ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, da anulação total ou parcial do IVA, para efeitos de retificação da dedução inicialmente efetuada, conforme o n.º 11 do artigo 78.º do CIVA.
Estes documentos referidos acima deverão ser incluídos no dossiê fiscal previsto nos artigos 121.º do Código do IRC e 129.º do Código do IRS.
Como regra, o direito à dedução do IVA regularizado nos termos referidos acima mantém-se durante quatro anos a partir da data em que se verificou tal direito, dependendo da situação em concreto e do cumprimento dos formalismos previstos para cada situação, conforme o n.º 2 do artigo 98.º do CIVA.
Todavia, o n.º 3 do artigo 78.º-B (aplicável apenas a créditos vencidos a partir de 1 de janeiro de 2013) vem estabelecer que a regularização do IVA em créditos incobráveis resultantes de processo de execução, de processo de insolvência, de processo especial de revitalização ou nos termos do acordo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), apenas pode ser efetuada no prazo de dois anos a contar do primeiro dia do ano civil seguinte.
Tal como referido anteriormente, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A do Código do IVA o imposto só poderá ser recuperar se for respeitante a créditos considerados de cobrança duvidosa quando essa cobrança duvidosa esteja devidamente espelhada na contabilidade, ou seja, cumprindo as regras contabilísticas. Assim, para responder à questão colocada é importante efetuar o enquadramento contabilísticos das perdas por imparidades em clientes.

 

Procedimento contabilístico

 

Na questão não é referido o normativo contabilístico adotado pela entidade, assim iremos partir do pressuposto que adota as NCRF, ao abrigo das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho ao Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho. Em todo o caso, para a situação em apreço, independentemente da norma contabilística a utilizar o procedimento é o mesmo.
Em termos contabilísticos, as dívidas a receber, nomeadamente dívidas de clientes, têm o seu tratamento previsto na Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) n.º 27 - «Instrumentos Financeiros», estando definidas como ativos financeiros (parágrafo 5).
Quanto à mensuração, os ativos financeiros com maturidade definida, ou seja, com um prazo de vencimento definido à partida, devem ser registados ao custo (ou ao custo amortizado) menos perdas por imparidade, conforme previsto nos parágrafos 12(a) e 13 da NCRF 27.
Como exemplo de ativos financeiros com maturidade definida, a NCRF 27 refere as dívidas a receber de clientes, que devem ser mensuradas ao custo (ou custo amortizado) menos perdas por imparidade.
O reconhecimento das perdas por imparidade destas dívidas a receber de clientes deve ser avaliada em cada data de relato, ou seja, no final do período contabilístico. No entanto, este reconhecimento de perdas por imparidade apenas deve ser efetuado se existir uma evidência objetiva de um evento de perda, conforme referido no parágrafo 23 da NCRF 27.
Quando existam dúvidas na cobrabilidade de uma dívida a receber de clientes deve ser reconhecida uma perda por imparidade, nos termos referidos de seguida.
No parágrafo 24, a NCRF 27 estabelece alguns tipos de evidências objetivas de eventos de perda para se verificar se existe a necessidade, ou não, do reconhecimento da perda de imparidade, como por exemplo: significativa dificuldade financeira do devedor; não pagamento ou incumprimento no pagamento do juro ou amortização da dívida no prazo estabelecido contratualmente; probabilidade de o devedor entrar em falência (Insolvência); e outras.
Com a verificação de evidências objetivas da existência destes eventos de perda, a entidade passa a reconhecer a perda por imparidade, reduzindo, ou anulando na totalidade, o valor do ativo.
No caso das dívidas dos clientes, quando exista uma situação de risco de cobrabilidade relacionado com incumprimento dos prazos de vencimento ou outra dificuldade financeira do cliente, a perda de imparidade deve ser reconhecida pela totalidade do valor em dívida, pois esse risco abrange todas as faturas por pagar.
O reconhecimento das perdas por imparidade de dívidas a receber de clientes deve ser sempre efetuado quando se esteja perante os referidos eventos de perda, independentemente da dedução fiscal dessa perda.
No SNC, estes ajustamentos, relativos a perdas por imparidade, passam a ser efetuados diretamente na conta de ativo (na conta 219 - Clientes - Perdas por imparidade acumuladas) por contrapartida de gastos (conta 65 - Perdas por imparidade), passando esta conta de ativo a estar valorizada pela respetiva quantia escriturada (custo menos qualquer perda por imparidade acumulada).
Assim, no caso em concreto, assumimos que o órgão de gestão considerou a dívida em aberto do cliente como de cobrança duvidosa, procedendo ao reconhecimento da respetiva imparidade pela totalidade da divida em aberto.
O facto de o cliente estar em risco de cobrança duvidosa não impede que a entidade continue a vender. Agora, naturalmente se o órgão de gestão considera o cliente de cobrança duvidosa, o que será expectável é que nestas vendas não seja concedido crédito. Ou seja, nestas vendas o cliente paga a título de adiantamento ou no momento da entrega do material. Se assim for, somos do entendimento que as faturas não pagas poderão ser consideradas como de risco de cobrabilidade e a imparidade deve ser reconhecida.
Se for este o cenário, cumprindo-se os demais requisitos, a entidade poderá proceder ao PAP com vista à dedução do IVA.
Por outro lado, se o órgão de gestão para as novas vendas concede crédito, então, parece-nos difícil sustentar que o cliente é considerado de cobrança duvidosa. Nestes cenários, não há razões para reconhecer contabilisticamente a imparidade, logo, não será possível solicitar o PAP para dedução do IVA.