Pareceres
IVA - regra de inversão do sujeito passivo em serviços de construção civil
19 Abril 2023
IVA - regra de inversão do sujeito passivo em serviços de construção civil
PT27415 – fevereiro de 2023

Determinada instituição enquadrada no regime de isenção ao abrigo do artigo 9.º (CAE 94995, 88102 e 87302), tem intenção de proceder a alteração de regime, com a transmissão de bens que conferem direito à dedução (sujeito passivo misto - afetação real - CAE 01130).
Existe uma dúvida em relação à construção de um lar residencial para pessoas com deficiência (CAE 87302 - isenção ao abrigo do artigo 9.º) a ter início em 2023.
Relativamente ao pedido de restituição de 50 por cento do IVA nas obras de construção do lar residencial, mantém-se o estipulado no Decreto-Lei n.º 20/90, de 13 de janeiro, ou o IVA passa a ser autoliquidação? Por outro lado, passa-se a regime normal do IVA e o IVA é liquidado pela construtora e deduzido pela nossa instituição?

Parecer técnico

A questão refere-se à aplicação da regra de inversão do sujeito passivo nos serviços de construção civil, sendo que, a empresa adquirente, segundo entendemos do exposto na questão, é uma entidade sem fins lucrativos, sujeito passivo misto de IVA.
Nos trabalhos de construção civil realizados por empreiteiros e subempreiteiros, a liquidação do IVA passou a caber aos adquirentes ou destinatários daqueles serviços, quando estes se configurem como sujeitos passivos de IVA ou mistos, conforme as alterações que foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro ao Código do IVA (de aplicação obrigatória).
Neste âmbito, determina a alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, o seguinte:
«1 - São sujeitos passivos do imposto:
(...)
j) As pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada.»
De acordo com a alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA e conforme esclarecem os próprios Serviços do IVA no ponto 1.2. do Ofício-Circulado n.º 30 101 (Ofício que emitiu esclarecimentos sobre a aplicação da regra da inversão), para que se aplique a regra da inversão do sujeito passivo, é necessário que cumulativamente, se verifiquem as seguintes condições:
• Se esteja na presença de aquisição de serviços de construção civil;
• O adquirente seja sujeito passivo do IVA em Portugal e aqui pratique operações que confiram, total ou parcialmente, o direito à dedução do IVA.
O respetivo ofício-circulado transmite esclarecimentos sobre a aplicação desta regra, designadamente:
• Que a mera transmissão de bens (sem instalação ou montagem por parte ou por conta de quem os forneceu) não releva para efeitos da regra de inversão (ponto 1.5.1).
• Que a entrega de bens, com montagem ou instalação na obra, se considera abrangida pela regra de inversão, desde que se tratem de entregas no âmbito de trabalhos contemplados pela Portaria n.º 19/2004, de 10 de janeiro, independentemente do fornecedor ser, ou não, obrigado a possuir alvará ou título de registo nos termos da Lei n.º 41/2015 de 3 de junho, que revoga o Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro referido no Ofício (ponto 1.5.2).
• Excluem-se da regra da inversão os bens que, inequivocamente, tenham a qualidade de bens móveis, isto é, bens que não estejam ligados materialmente ao bem imóvel com caráter de permanência (ponto 1.5.3).
Note-se que a aplicação da regra de inversão às prestações de serviços de construção civil não depende do código CAE, nem da existência de alvará, mas sim dos serviços em causa se enquadrarem como serviços de construção civil e de o adquirente dos mesmos ser um sujeito passivo com direito à dedução total ou parcial do imposto.
No sentido de determinar se uma dada operação é sujeita a este regime de inversão, deverão ser consultadas as duas listas exemplificativas anexas ao Ofício-Circulado n.º 30 101, de 24 de maio e a Portaria n.º 19/2004, de 10 de janeiro.
Em suma, se as prestações de serviços em causa estiverem relacionadas com obras de construção civil e o adquirente destas prestações de serviços seja um sujeito passivo de IVA no regime normal (ainda que seja sujeito passivo misto), então estamos, obrigatoriamente, perante a "inversão do sujeito passivo".
Deste modo, desde que estejam assim reunidas as condições deste regime, este é obrigatoriamente aplicável, não existindo possibilidade de opção pelo regime normal devendo a fatura emitida de acordo com o n.º 13 do artigo 36.º do CIVA conter a expressão «IVA - autoliquidação.»
Face ao exposto, poderemos ter aqui dois cenários:
- Não há lugar a inversão, cabendo ao prestador de serviços liquidar o IVA que se mostre devido, quando o adquirente é um sujeito passivo que pratica exclusivamente operações isentas que não se encontram previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA (sujeitos passivos abrangidos pelo artigo 9.º ou pelo 53.º do CIVA) considerando-se como tais, os que constem, nesta situação, no registo informático da Autoridade Tributária, incluindo aqueles que se encontram com enquadramento pendente por força do n.º 4 do artigo 28.º do CIVA (ponto 1.6.2 do Ofício-Circulado n.º 30 101);
- Adquirentes sujeitos passivos mistos, isto é, os que pratiquem operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem esse direito e, independentemente do método utilizado para o exercício do direito à dedução (afetação real ou pro-rata) há lugar à inversão do sujeito passivo (ponto 1.6.3 do Oficio-circulado n.º 30 101).
Sendo a associação em causa um sujeito passivo misto, na aquisição de serviços de construção civil considera-se abrangida pela regra de inversão, só se excluindo da regra de inversão, os bens que, inequivocamente, não percam a sua qualidade de bens móveis, isto é, bens que não fiquem incorporados ou ligados materialmente ao bem imóvel com carater de permanência.
Se apenas se tratar da mera transmissão de bens (sem instalação ou montagem por parte ou por conta de quem os forneceu), não há inversão do sujeito passivo, cabendo ao transmitente liquidação do respetivo imposto.
Perante a aquisição dos serviços de construção civil, se a mesma for afeta à atividade isenta (prevista no artigo 9.º do CIVA), a entidade não poderá deduzir o imposto.
Por outro lado, caso se trate de aquisição de serviços de construção civil a serem usados exclusivamente na atividade que confere o direito à dedução, todo o valor do IVA pode ser deduzido. Caso os serviços adquiridos sejam de utilização mista (atividades que não conferem direito à dedução e atividades que conferem tal direito) ficarão sujeitos à disciplina do artigo 23.º do CIVA, devendo utilizar para o cálculo do imposto dedutível dos bens ou serviços de utilização mista o método da afetação real ou percentagem de dedução, método pro rata, sugerindo sobre esta matéria, a leitura do Ofício-Circulado n.º 30 103/2008, de 23 de abril.
No caso em concreto, trata-se da construção de um lar residencial para pessoas com deficiência (CAE 87302 - Isenção art.º 9.º), pelo que estando perante a aquisição de serviços de construção civil afeto à atividade isenta a associação terá de proceder à autoliquidação do IVA, sendo este suportado e não confere direito à dedução.
Contudo, no caso de se tratar de uma IPSS, poderá beneficiar da restituição do IVA suportado nos termos dos Decretos-Lei n.º 20/90, de 13 de janeiro e n.º 84/2017, de 21 de julho.
No que se refere à possibilidade de solicitar a restituição de IVA suportado em obras de construção no âmbito das atividades desenvolvidas por uma associação, refira-se que em 21 de julho de 2017 foi publicado o Decreto-Lei n.º 84/2017, que procede a uma revisão dos regimes anteriormente previstos nos Decretos-Lei n.º 20/90, de 13 janeiro e n.º 113/90, de 5 de abril, passando a regular o benefício, da restituição total ou parcial de IVA suportado, concedido às associações de bombeiros, às Forças Armadas, forças e serviços de segurança, à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) e às instituições particulares de solidariedade social (IPSS).
Beneficiam da restituição total ou parcial do montante equivalente ao IVA suportado as seguintes entidades:
- As Forças Armadas, a Guarda Nacional Republicana, a Polícia de Segurança Pública, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o Serviço de Informações de Segurança, o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa, a Polícia Judiciária, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e a Autoridade Nacional de Proteção Civil quanto ao material de guerra e outros bens móveis destinados exclusivamente à prossecução de fins de defesa, segurança ou socorro, incluindo os serviços necessários à conservação, reparação e manutenção desse equipamento;
- As associações humanitárias de bombeiros e os municípios, relativamente a corpos de bombeiros, quanto aos bens móveis de equipamento diretamente destinados à prossecução dos respetivos fins, incluindo os serviços necessários à conservação, reparação e manutenção desse equipamento;
- A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e as instituições particulares de solidariedade social, quanto a:
- Construção, manutenção e conservação dos imóveis utilizados, total ou principalmente, na prossecução dos fins estatutários;
- Elementos do ativo fixo tangível sujeitos a deperecimento utilizados única e exclusivamente na prossecução dos respetivos fins estatutários, com exceção de veículos e respetivas reparações;
- Aquisições de bens ou serviços de alimentação e bebidas no âmbito das atividades sociais desenvolvidas.
No sentido de esclarecer e harmonizar procedimentos derivados deste diploma, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o Ofício-Circulado n.º 90 025/2017, de 14/08.
Nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do referido Decreto-Lei n.º 84/2017, o pedido de restituição é apresentado pela IPSS, através do Portal das Finanças, a partir do segundo mês seguinte à data de emissão das faturas de suporte, até ao termo do prazo de um ano da data de emissão daqueles.
Em termos genéricos, todos os pedidos passam a ser submetidos no Portal das Finanças e passam a reportar-se a um período mensal, ou seja, são incluídos num único pedido todos e apenas os documentos referentes a um determinado mês.
Constituem documentos de suporte, as faturas emitidas nos termos do CIVA e comunicadas no e-fatura, as declarações aduaneiras de importação, bem como os documentos previstos no n.º 1 do artigo 27.º do RITI.
Este pedido é efetuado a partir do segundo mês seguinte ao da data da emissão dos documentos até ao termo do prazo de um ano da data de emissão dos documentos de suporte, podendo o beneficiário proceder à correção/substituição do pedido dentro desse prazo.
O artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 84/2017 refere que são objeto de restituição «o montante equivalente ao IVA suportado nas aquisições internas, nas importações e nas aquisições intracomunitárias, cujo valor por fatura seja igual ou superior aos seguintes montantes (...)», que no caso das IPSS foram atualizados para:
- Mil euros com exclusão do IVA para a construção, manutenção e conservação de imóveis utilizados, total ou predominantemente na prossecução dos fins estatutários;
- Cem euros com exclusão do IVA para os elementos do ativo fixo tangível sujeitos a deperecimento, utilizados para fins estatutários, com exceção de veículos e respetivas reparações, e cujo valor global durante o exercício não seja superior a 10 mil euros, com exclusão do IVA;
- Sem qualquer limite para aquisição de bens e serviços de alimentação e bebidas no âmbito das atividades sociais desenvolvidas.
O montante do IVA a restituir corresponde a 50 por cento do valor equivalente ao IVA suportado nas despesas indicadas.
Face ao exposto, deve ser aferido se a entidade em causa se pode enquadrar como um dos tipos de sujeitos passivos abrangidos pelo diploma, ou seja, possuindo, por exemplo o reconhecimento como IPSS (sendo este reconhecimento da competência da Segurança Social) e de se tratar da aquisição de um bem elegível.
Por último, os pedidos de restituição devem respeitar a períodos mensais e ser efetuados a partir do segundo mês seguinte à data de emissão dos documentos de suporte e até ao prazo de um ano da emissão dos mesmos.