IVA - regras de localização e registos contabilísticos
Julho 2023
Os certificados verdes são documentos eletrónicos obtidos pela empresa quando produz eletricidade a partir de fontes renováveis e que podem ser transacionados em mercado próprio. Normalmente são adquiridos por comercializadores de eletricidade para certificarem aos seus clientes que a eletricidade que lhes vendem é proveniente de fontes limpas.
Quais os registos contabilísticos na ótica da empresa vendedora? Deve considerar o certificado verde como um bem ou um serviço? É necessário registá-lo como um inventário?
Em termos fiscais (CIVA), o certificado verde é considerado um bem ou um serviço? E se for vendido a um país da UE trata-se de uma transmissão intracomunitária de bens?
Parecer técnico
O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento contabilístico e em sede de IVA da venda de «certificados eletrónicos verdes.»
De acordo com a informação disponibilizada: «Os certificados verdes são documentos eletrónicos obtidos pela empresa quando produz eletricidade a partir de fontes renováveis e que podem ser transacionados em mercado próprio. Normalmente, são adquiridos por comercializadores de eletricidade para certificarem aos seus clientes que a eletricidade que lhes vendam provem de fontes limpas.»
Em concreto é questionado se a transação destes certificados deve ser considerada como um bem ou serviço.
Atendendo à situação exposta, o que está em causa nesta operação é a emissão e comercialização das denominadas garantias de origem (GO), regulados no Decreto-Lei n.º 84/2022, de 9 de dezembro (diploma que transpôs para o Portugal a Diretiva (UE) 2018/2001do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, relativa à promoção da utilização de energia de fontes renováveis).
As garantias de origem (GO) estão reguladas no capítulo VI do Decreto-Lei n.º 84/2022, do qual transcrevemos o seguinte:
«Artigo 28.º
Garantias de origem da produção de energia a partir de fontes renováveis
1 - Os produtores de eletricidade, da produção de energia de aquecimento e arrefecimento a partir de fontes renováveis, de cogeração de elevada eficiência, da produção de gases de baixo teor de carbono e da produção de gases de origem renovável devem solicitar à entidade responsável pela emissão das garantias de origem (EEGO) a emissão de garantias de origem referentes à energia por si produzida.
2 - A garantia de origem destina-se a comprovar ao cliente final a quota ou quantidade de energia proveniente de fontes renováveis presente no cabaz energético de um determinado comercializador, não contribuindo, por si, para o cumprimento das metas estabelecidas no artigo 3.º.
3 - A garantia de origem pode ser transacionada pelo respetivo titular fisicamente separada da energia que lhe deu origem, sem prejuízo do disposto nos números 5 e 6.
(…).»
Consultando o manual de procedimentos da entidade emissora de garantias de origem (GO) concluímos que as GO têm a validade de 12 meses a contar do final do mês de produção da energia. Durante esse período, podem ser transacionadas ao nível nacional e europeu. Após os 12 meses, deixam de poder ser transacionadas, mas poderão ainda ser canceladas nos seis meses seguintes. O ciclo de vida de uma GO tem as seguintes fases:
· Emissão, em regra realizada no mês seguinte ao da produção;
· Transferência, importação e exportação, que se refere à transação das GO durante 12 meses após a produção da energia;
· Cancelamento, que corresponde à utilização das GO e à sua alocação a um determinado consumo, realizado por um consumidor ou através de um comercializador de energia, durante um certo período.
Em Portugal, as GO podem ser canceladas até 18 meses a seguir ao período de produção. Depois deste período, ou após ser cancelada, uma GO já não poderá ser utilizada.
Em termos contabilísticos, sobre esta temática ainda não existem diretrizes, pelo que, não obstante a opinião que iremos apresentar a seguir, sugerimos que esta questão seja colocada à Comissão de Normalização Contabilística.
No caso apresentado o que está em causa é o registo contabilístico das transações de certificados eletrónicos verdes, que assumimos, se trata de Garantias de Origem (GO). Em concreto é questionado se estamos perante uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços.
Caso a entidade obtenha estes certificados com o objetivo de os vender, podemos considerar a possibilidade de considerar esta operação como inventários.
De acordo com o parágrafo 6 da norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) n.º 18 – Inventários, são ativos:
- Detidos para venda no decurso ordinário da atividade empresarial;
- No processo de produção para tal venda; ou
- Na forma de materiais ou consumíveis a serem aplicados no processo de produção ou na prestação de serviços.
Deste conceito resulta a ideia de que a empresa que adquire as GO, apesar do intuito de comercializá-los, tais direitos não se enquadram como inventários, visto que a empresa não armazena a energia em si, mas sim possui um certificado de um órgão competente atestando a produção de energia renovável, sendo justamente esta produção de energia renovável que gera o título comercializável.
A ideia subjacente é que, na verdade, a empresa não tem stock de quantidade de energia, mas sim, ela obtém um certificado que atesta a origem da eletricidade produzida e que poder comercializar em Portugal ou em qualquer outro país da União Europeia.
O que a empresa adquire não é o produto para a venda, mas sim o direito que proporcionará uma certificação da origem da produção de energia utilizando fontes renováveis.
Os direitos poderão ser considerados como ativo intangível, uma vez que, atendendo ao conceito do parágrafo 8 da NCRF n.º 6 – Ativo intangível, este é um ativo não monetário identificável sem substância física.
De acordo com o 9 a 17 da NCRF 6 um ativo satisfaz o critério de identificação, em termos de definição de um ativo intangível, quando: for separável, ou seja, puder ser separado da entidade e vendido, transferido, licenciado, alugado ou trocado, individualmente ou junto com um contrato, ativo ou passivo relacionado, independente da intenção de uso pela entidade; ou; resultar de direitos contratuais ou outros direitos legais, independentemente de tais direitos serem transferíveis ou separáveis da entidade ou de outros direitos e obrigações.
A empresa, ao gerar as GO, possui o direito de utilizá-los ou comercializá-los. Assim estes certificados atendem o critério de identificação de um intangível. E quando adquiridos com o objetivo de os comercializar, considerando o não enquadramento como ativo de longo prazo, estes intangíveis comercializáveis podem ser classificados como ativos financeiros conforme a NCRF n.º 27 – Instrumentos financeiros.
De acordo com o parágrafo 5 da NCRF 27, instrumento financeiro é um contrato que dá origem a um ativo financeiro numa entidade e a um passivo financeiro ou instrumento de capital próprio noutra entidade.
Ainda conforme o referido parágrafo, um ativo financeiro é qualquer ativo representado por:
- Dinheiro;
- Um instrumento de capital próprio de outra entidade;
- Um direito contratual:
- De receber dinheiro ou outro ativo financeiro de outra entidade; ou
- De trocar ativos financeiros ou passivos financeiros com outra entidade em condições que sejam potencialmente favoráveis para a entidade; ou
- Um contrato que seja ou possa ser liquidado em instrumentos de capital próprio da própria entidade.
Face a todos estes conceitos, no caso em concreto, somos da opinião que as GO (certificados de origem) adquiridos pela sociedade com o objetivo de vender se enquadram como instrumentos financeiros pelo facto de, no momento em que a empresa obtém o direito de comercializar o certificado de créditos de carbono torna-se detentora de uma espécie de direito contratual o qual poderá trocar por ativos de outras entidades.
De acordo com a informação disponibilizada, assumindo que existe mercado de certificados verdes de carbono, então estes instrumentos financeiros devem ser mensurados ao justo valor em contrapartida de resultados (parágrafos 11 a 37 da NCRF 27).
A conta a utilizar pode ser a conta 1421 - Instrumentos financeiros detidos para negociação (justo valor à data de aquisição).
Tributação em sede de IVA
Em sede de IVA, somos do entendimento que a transação de créditos de comércio é uma operação sujeita a imposto, uma vez que é uma operação que se insere no conceito de prestação de serviços, atendendo ao conceito residual previsto no artigo 4.º do CIVA.
Tratando-se de operações relativas a prestações de serviços, têm de ser analisadas quanto à sua localização, em termos de tributação deste imposto, de acordo com o disposto no n.º 6 e seguintes do artigo 6.º do CIVA. Atualmente temos duas regras gerais de localização:
«(…) 6 - São tributáveis as prestações de serviços efetuadas a:
a) Um sujeito passivo dos referidos no n.º 5 do artigo 2.º, cuja sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio, para o qual os serviços são prestados, se situe no território nacional, onde quer que se situe a sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio do prestador;
b) Uma pessoa que não seja sujeito passivo, quando o prestador tenha no território nacional a sede da sua atividade, um estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio, a partir do qual os serviços são prestados (…).»
As duas regras gerais são vulgarmente designadas por B2B e B2C, isto é, na alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do Código do IVA é tratada a territorialidade das operações realizadas entre dois sujeitos passivos (business to business), na alínea b) do n.º 6 do artigo 6.º do Código do IVA é tratada a territorialidade das operações realizadas com não sujeitos passivos (business to consumer).
As regras gerais patentes no n.º 6 do artigo 6.º do Código do IVA podem ser afastadas por aplicação das regras de exceção dos números seguintes da mesma norma. Assim, determinadas prestações de serviços devidamente identificadas devem ser enquadradas, caso as suas condições se verifiquem, nas normas (de territorialidade) em que as mesmas se inserem.
Esta regra geral (alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do CIVA) estabelece que a tributação do IVA é sempre efetuada em Portugal, quando o adquirente dos serviços for um sujeito passivo sedeado em Portugal.
Sempre que se trate de alguma prestação de serviços que possa ser enquadrada nas exceções previstas nos números 7, 8 ou 12 do artigo 6.º do CIVA, haverá que verificar a operação em concreto no sentido de estabelecer a localização da tributação de IVA.
Nas prestações de serviços realizadas entre sujeitos passivos (operações B2B) a sua localização é, regra geral, o país onde o adquirente está estabelecido. Quer dizer que, se o adquirente estiver estabelecido no território nacional, os serviços prestados por um sujeito passivo estabelecido num outro Estado-membro são tributados no território nacional. Na situação inversa, ou seja, quando os serviços prestados forem por sujeitos passivos portugueses a sujeitos passivos estabelecidos noutro Estado-membro não são localizados no território nacional, mas nesses Estados.
No caso das prestações de serviços em causa, efetuadas entre dois sujeitos passivos de imposto (neste caso entre um sujeito passivo em Portugal e um sujeito passivo sedeado noutro Estado-membro), não se enquadra em qualquer das exceções dos números 7, 8 e 12 do artigo 6.º, deve aplicar-se a referida regra geral prevista na alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do CIVA.
Assim, no caso em que a entidade portuguesa vende os certificados a entidades localizadas em outros Estados-membros, o imposto é devido no estado do adquirente. Assim, a entidade portuguesa deve emitir a fatura sem IVA, nos termos da alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do CIVA, inscrevendo na fatura a expressão «IVA - Autoliquidação».
Esta operação deve ser incluída na declaração recapitulativa e no campo 7 da declaração periódica do IVA.