PT27190 – setembro de 2022
Determinada empresa está a restaurar um imóvel na zona de Lisboa numa área de reabilitação urbana. De acordo com informações vinculativas recentes, é necessário a declaração de localização do imóvel, que é possível extrair do site da câmara, e ainda uma outra certidão emitida pela câmara que indica o que consta no projeto.
É possível a câmara não emitir este documento? Normalmente estas obras podem durar mais de um ano. Existe alguma validade para estas declarações ou bastará pedir uma única vez?
Se este imóvel que está a ser reabilitado for habitacional, mas a intenção futura da empresa for destinar o imóvel a cedência de exploração, alojamento a estudantes ou mesmo alojamento local, para deduzir este IVA é suficiente ter os CAE respetivos ou apenas poderá ser deduzido quando iniciar a exploração?
Parecer técnico
A questão colocada refere-se ao enquadramento em imposto sobre o valor acrescentado (IVA), da taxa a aplicar numa empreitada localizada numa área de reabilitação urbana (ARU). Concretamente questiona se é admissível aplicar a taxa reduzida, prevista para a verba 2.23 da lista I anexa ao Código do IVA (CIVA).
Importa, desde logo, referir o conceito de empreitada. A definição de empreitada que consta do artigo 1207.º do Código Civil «é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço», ou seja, é uma obra que é realizada segundo determinadas condições por um preço previamente estipulado, um trabalho ajustado globalmente e não diário que, executado em imóveis configura uma prestação de serviços suscetível de beneficiar da aplicação da taxa reduzida de IVA.
A verba 2.23 da lista I anexa ao CIVA prevê que beneficiam da taxa reduzida de IVA as «empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.»
O diploma específico referido na citada verba, que no ordenamento jurídico português estabelece o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU), é o Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 32/2012, de 14 de agosto e, mais recentemente, pelo Decreto-Lei n.º 66/2019, de 21 de maio.
O RJRU define a área de reabilitação urbana (ARU) como sendo «a área territorialmente delimitada que, em virtude da insuficiência, degradação ou obsolescência dos edifícios, das infraestruturas, dos equipamentos de utilização coletiva e dos espaços urbanos e verdes de utilização coletiva, designadamente no que se refere às suas condições de uso, solidez, segurança, estética ou salubridade, justifique uma intervenção integrada, através de uma operação de reabilitação urbana aprovada em instrumento próprio ou em plano de pormenor de reabilitação urbana» (conforme artigo 2.º do RJRU).
O mesmo normativo define ainda «”reabilitação urbana” como "a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios".»
De acordo com o n.º 1 do artigo 7.º do mesmo diploma, «a reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana é promovida pelos municípios, resultando da aprovação:
- Da delimitação de áreas de reabilitação urbana;
- Da operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana.»
Não obstante a verba 2.23 da lista I anexa ao CIVA não exigir qualquer formalismo especial além da verificação das condições nela constantes, tem sido entendimento da Autoridade Tributária divulgado em algumas fichas doutrinárias, que é conveniente que o sujeito passivo seja possuidor de um documento, emitido pela respetivo município, que comprove a localização do imóvel numa área delimitada de reabilitação urbana, nos termos do diploma concernente a este tipo de operação.
Além disso, ainda que o imóvel se localize em área de reabilitação urbana (ARU), em obediência ao disposto no Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, importa aferir se as intervenções efetuadas, são devidamente comunicadas e aprovadas pela respetiva Câmara Municipal e, cumulativamente, se os trabalhos a efetuar se encontram previstos no(s) respetivo(s) contrato(s) de empreitada assinado(s) pelas partes: «Dono da obra» e «empreiteiro geral.»
Sem prejuízo do acima disposto, um outro requisito previsto na verba 2.23 para a aplicação da taxa reduzida de IVA é que a modalidade contratual seja a de empreitada, pelo que a aquisição pelo empreiteiro/subempreiteiro ou pelo dono da obra de materiais a fornecedores, para utilização/aplicação pelo empreiteiro/subempreiteiro na obra ou quaisquer serviços relativos a projetos, honorários, fiscalização de obras entre outros, serão tributados à taxa normal.
Deste modo, para que as intervenções a efetuar no imóvel em causa, possam ter enquadramento na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA e, consequentemente, beneficiar da taxa reduzida de IVA, a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA, torna-se necessário que, cumulativamente:
- Seja considerada pela câmara municipal, uma obra, efetuada no âmbito do Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, ou seja, uma empreitada de reabilitação urbana; e
- O sujeito passivo seja possuidor de um documento, emitido pelo respetivo município, que comprove a localização do imóvel numa área de reabilitação urbana, bem como a obra ser enquadrada no âmbito do referido decreto-lei.
Estas condições podem ser igualmente encontradas, por exemplo, nos pontos 11 a 20 da informação vinculativa referente ao processo n.º 13 887, por despacho de 2018-07-18, da diretora de serviços do IVA, (por subdelegação).
Quaisquer outros trabalhos que, nos termos acordados entre as partes, não se enquadrem na empreitada de reabilitação urbana contratada ao empreiteiro geral, nem preencham os requisitos para serem considerados, por si só, como empreitada de reabilitação urbana, nos termos do RJRU acima mencionado, não têm enquadramento na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, sendo de sujeitar à taxa normal de IVA, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA, caso não lhe seja aplicável qualquer outra verba da Lista I ou II anexas ao CIVA.
Desde que tais condições sejam cumpridas e tal como referido, poderá o sujeito passivo, na nossa opinião, aplicar a taxa reduzida por enquadramento na verba 2.23.
A respeito deste tema aconselhamos a leitura da informação vinculativa, processo: n.º 13 892, por despacho de 2018-06-28, da diretora de serviços do IVA, (por subdelegação).
No que respeita à validade dos documentos, em termos fiscais não está previsto qualquer prazo, não obstante poderão existir prazos limite a observar no âmbito do RJRU ou outra legislação, situação que deverá validar junto do Município.
Enquadramento da regra de inversãoDe harmonia com a alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, são sujeitos passivos de imposto: «(...) as pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada (...).»
Assim, a regra de inversão do sujeito passivo aplica-se quando se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições:
- Se esteja na presença de aquisição de serviços de construção civil; e
- O adquirente seja sujeito passivo de IVA, em território nacional, e aqui pratique operações que confiram, total ou parcialmente, o direito à dedução do IVA.
Sempre que determinada operação reúna as condições mencionadas anteriormente, é obrigatório observar o disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA (inversão do sujeito passivo), pelo que, cabe ao adquirente a liquidação e entrega do imposto que se mostre devido, devendo a fatura emitida pelo fornecedor dos bens e/ou prestador dos serviços, nos termos do n.º 13 do artigo 36.º do CIVA, conter a expressão «IVA – Autoliquidação» (Ofício n.º 30 101, de 2007-05-24, da DSIVA).
Note que, caso não se verifique alguma das referidas condições, não se aplica a regra de inversão e o prestador do serviço deve liquidar o IVA à taxa aplicável à situação em concreto.
Através do Ofício-Circulado n.º 30 101, de 2007.05.24, foram transmitidos esclarecimentos sobre a aplicação desta regra, designadamente:
• Que a mera transmissão de bens (sem instalação ou montagem por parte ou por conta de quem os forneceu) não releva para efeitos da regra de inversão (ponto 1.5.1).
• Que a entrega de bens, com montagem ou instalação na obra, se considera abrangida pela regra de inversão, desde que se tratem de entregas no âmbito de trabalhos contemplados na Lei n.º 41/2015, de 3 de junho que estabelece o regime jurídico aplicável ao exercício da atividade da construção (revogando o Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de janeiro e a Portaria n.º 19/2004, de 10 de janeiro), independentemente do fornecedor ser, ou não, obrigado a possuir alvará ou título de registo nos termos do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de janeiro (ponto 1.5.2).
• Excluem-se da regra da inversão os bens que, inequivocamente, tenham a qualidade de bens móveis, isto é, bens que não estejam ligados materialmente ao bem imóvel com caráter de permanência (ponto 1.5.3).
• A simples montagem de aparelhos que não façam parte integrante do edifício (elevadores a que se refere o n.º 39 do Despacho n.º 26026/2006, de 21 de dezembro e aparelhos de ar condicionado ou de vídeo vigilância funcionando isoladamente), não se encontra abrangida pela referida regra de inversão [alínea b) do ponto 1.5.4].
São considerados serviços de construção civil todos os que tenham por objeto a realização de uma obra, englobando todo o conjunto de atos que sejam necessários à sua concretização.
Deverá entender-se por obra todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis, bem como qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo, seja de natureza pública ou privada.
No que se refere à qualificação do sujeito passivo adquirente, para efeito da aplicação da regra de inversão, refere o ponto 1.6.3 do Ofício n.º 30 101, de 2007-05-24, da DSIVA o seguinte:
«No caso de adquirentes sujeitos passivos mistos, isto é, os que pratiquem operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem esse direito e, independentemente do método utilizado para o exercício do direito à dedução (afetação real ou pro rata), há lugar à inversão do sujeito passivo.»
Feito o enquadramento geral, no caso apresentado, ao estarmos perante trabalhos de construção civil, sendo o adquirente da prestação de serviços um sujeito passivo com direito à dedução total ou parcial, será aplicável a regra da inversão do IVA pelo prestador.
Ou seja, será o adquirente do serviço de construção civil em questão se sujeito passivo de IVA do regime normal ou misto que terá de entregar o IVA da operação, devendo o fornecedor fazer a menção expressa no documento a emitir «IVA autoliquidação», sem indicar o valor do imposto.
No que se refere ao IVA, o direito à dedução nasce quando o imposto se torna exigível na esfera do transmitente dos bens ou do prestador dos serviços.
O sujeito passivo pode deduzir todo o imposto suportado na aquisição de bens e serviços desde que esses bens e serviços sejam utilizados pelo sujeito passivo para a realização de operações sujeitas a imposto e dele não isentas, nos termos dos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA.
No entanto, terão de se analisar as operações a realizar, tendo em atenção os fins a que se destinam.
Deste modo, no caso da realização de obras num imóvel, que já tem como destino o alojamento local ou a cedência de exploração, face ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA poderá efetuar a dedução dos bens ou serviços adquiridos para a realização de tais obras.
O que não significa que se posteriormente ao imóvel for dado outro destino (arrendamento- operação isenta nos termos do artigo 9.º do CIVA), se já anteriormente tiver exercido o direito à dedução de IVA em encargo diretamente relacionados com este imóvel, não tenha de proceder à regularização do IVA aquando do arrendamento do referido imóvel.
Em termos de IVA, destinando o imóvel ao arrendamento, com IVA deduzido em obras de requalificação, há que proceder à regularização desse imposto deduzido nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do CIVA, pelo facto de o arrendamento se tratar de uma operação isenta nos termos do n.º 29 do artigo 9.º do mesmo Código.
Esta regularização de IVA apenas ocorre se ainda estiver a decorrer o prazo de regularização previsto no n.º 2 do artigo 24.º do CIVA (20 anos para os imóveis), sendo efetuada de uma só vez pelo período ainda não decorrido.
Face ao exposto, sendo tais obras realizadas num imóvel destinado a realizar operações tributáveis em IVA (alojamento local/cedência exploração), o direito à dedução não está dependente da realização de operações tributáveis imediatas, pelo que o IVA poderá ser deduzido à medida em que forem decorrendo as obras.