Pareceres
IVA - Transações intracomunitárias - Transmissão
2 Agosto 2023
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

IVA - Transações intracomunitárias - Transmissão
PT27595 - maio de 2023

 

Determinada empresa portuguesa “A” tem como cliente uma empresa francesa “B” que se encontra registada no VIES.
A empresa “A” vai faturar à empresa “B” bens que irão ser entregues em território nacional a uma empresa “C” que transforma estes bens em outros que serão então entregues em França à empresa “B”.
A fatura que a empresa “A” vai fazer à empresa “B” tem de liquidar IVA (pois o material irá ser transformado noutro no mercado nacional) ou, ao abrigo do artigo 14.º do RITI, está isenta, uma vez que os bens, mesmo transformados, irão ter como destino o mercado europeu?

 

Parecer técnico

 

A questão colocada refere-se ao enquadramento em sede de IVA, no âmbito de uma operação em que uma empresa que vende mercadorias a um cliente francês, e que antes de as remeter para o cliente francês são enviadas para outra empresa portuguesa, para serem transformadas. Questiona-nos se a operação pode beneficiar de isenção nos termos do RITI.
A priori podemos pensar que, no momento em que os bens são vendidos ao cliente francês, mas, que não saem de imediato para fora do território nacional, porque vão ser transformados, que o sujeito passivo português não pode aplicar a isenção da alínea a) do artigo 14.º do RITI.
No entanto, se existirem provas de que as mercadorias saem fisicamente do Território Nacional para o Estado-membro: França, resulta que o sujeito passivo português à partida poderá beneficiar de isenção da norma da alínea a) do artigo 14.º do RITI, conforme veremos de seguida.
Nos termos do artigo 6.º do CIVA, são tributáveis as transmissões de bens que estejam situados no território nacional no momento em que se inicia o transporte ou expedição para o adquirente ou, no caso de não haver expedição ou transporte, no momento em que são postos à disposição do adquirente.
E, se estamos perante transmissões físicas de bens para outro país da União Europeia temos de observar o regime do IVA nas transações intracomunitárias (RITI).
Nos termos do n.º 1 do artigo 7.º do RITI, «considera-se transmissão de bens efetuada a título oneroso, para além das previstas no artigo 3.º do Código do IVA, a transferência de bens móveis corpóreos expedidos ou transportados pelo sujeito passivo ou por sua conta, com destino a outro Estado-membro, para as necessidades da sua empresa.»
Da conjugação dos princípios de tributação no destino com o da neutralidade de imposto surgem as regras de isenção nas transmissões intracomunitárias, designadamente as do artigo 14.º do RITI.
Assim, para que se possa aplicar a isenção da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do RITI é necessário a verificação de três requisitos, cumulativamente:
- Em primeiro lugar, é obrigatório que o adquirente faculte ao fornecedor português o respetivo NIF atribuído pelo Estado-membro de destino dos bens, e que esse NIF seja válido no VIES.
- Em segundo lugar, a isenção passa também a estar dependente do fornecedor submeter a declaração recapitulativa, incluindo nessa declaração as respetivas transmissões intracomunitárias de bens a que seja aplicada essa isenção. Até final de 2019, apesar de ser obrigatória a submissão da declaração recapitulativa, do seu incumprimento não fazia depender a possibilidade de aplicação da isenção de IVA.
- Em terceiro lugar, para aplicar a isenção é necessário que o fornecedor dos bens tenha na sua posse documentos de prova.
Portanto, a questão essencial, no caso em concreto, será a comprovação de que os bens se destinam para um outro país da União Europeia (França), e independentemente de os bens serem objeto de transformação por outro sujeito passivo português.
No que se refere à aplicação da isenção de IVA nas transmissões intracomunitárias de bens, mais concretamente no que concerne aos elementos de prova, é de referir as recentes alterações/ desenvolvimentos desta temática.
A diretiva (UE) 2018/1910 do Conselho, de 4 de dezembro, que regula a isenção de IVA prevista no n.º 1 do artigo 138.º da diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, o qual corresponde, na legislação interna, ao artigo 14.º do RITI, aditou a esse artigo um novo n.º 1-A, cuja entrada em vigor ocorreu em todos os Estados-membros em 1 de janeiro de 2020.
O regulamento de execução (UE) 2018/1912 do Conselho, de 4 de dezembro de 2018 aditou ao regulamento de execução (UE) n.º 282/2011 do Conselho, de 15 de março, o artigo 45.º-A, o qual vem estabelecer novas regras, de aplicação comum em todos os Estados-membros, com vista à prova dos requisitos necessários à isenção do IVA nas transmissões intracomunitárias de bens.
As alterações introduzidas ao regulamento de execução da diretiva do IVA, foram já objeto de clarificação através do ofício-circulado n.º 30 218/2020, de 3 de fevereiro.
A diretiva 2006/112/CE estabelece uma série de condições para isentar de IVA as entregas de bens no contexto de certas operações intracomunitárias. Uma dessas condições é que os bens têm de ser transportados ou expedidos de um Estado-membro para outro. No entanto, a abordagem divergente entre os Estados-membros na aplicação dessas isenções às operações transfronteiriças criou dificuldades e insegurança jurídica para as empresas. Trata-se de uma situação contrária ao objetivo de reforçar as trocas comerciais intra-União e de abolir as fronteiras fiscais. Importa, por conseguinte, especificar e harmonizar as condições em que as isenções podem ser aplicadas. Dado que a fraude transfronteiriça ao IVA está essencialmente ligada à isenção das entregas intracomunitárias, é necessário especificar determinadas circunstâncias em que os bens deverão ser considerados como tendo sido transportados ou expedidos a partir do território do Estado-membro de entrega.
Assim, tal como está referido ofício-circulado n.º 30 218/2020, de 3 de fevereiro, deste artigo resultam duas situações:
Situação 1. Quando é o fornecedor (ou terceiro por conta dele) a efetuar o transporte:
- O fornecedor necessita de ter na sua posse dois elementos não contraditórios, emitidos por entidades independentes, do próprio fornecedor e do adquirente: 2 do "Tipo A" ou 1 do "Tipo A" e 1 do "Tipo B".
Situação 2. Quando é o adquirente (ou terceiro por conta deste) a efetuar o transporte:
- O fornecedor necessita de ter na sua posse dois elementos não contraditórios, emitidos por entidades independentes, do fornecedor e do adquirente: 2 do "Tipo A" ou 1 do "Tipo A" e 1 do "Tipo B";
E adicionalmente:
- O documento de "Tipo C", que o adquirente deve entregar ao fornecedor até ao décimo dia do mês seguinte ao da entrega dos bens.
Relativamente ao conceito de «partes independentes», o ofício-circulado n.º 30 218/2020, de 3 de fevereiro refere: «Para o efeito, não são considerados partes independentes os sujeitos passivos que partilhem uma mesma personalidade jurídica ou que mantenham relações especiais entre si, tal como se encontram previstas no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IVA.»
Posto isto, podemos considerar que os fornecedores e clientes que não partilhem uma mesma personalidade jurídica (por exemplo, sucursal) nem que tenham relações especiais (por exemplo, filiais), são consideradas partes independentes entre si.
Considerando o anteriormente exposto, o manual também identifica exemplos de documentos que poderão ser aceites como prova do transporte ou da expedição:
Documentos “Tipo A”
- Documentos relacionados com o transporte ou a expedição dos bens.
Exemplos: uma declaração de expedição CMR assinada, um conhecimento de embarque (bill of landing), uma fatura do frete aéreo, uma fatura emitida pelo transportador dos bens;
Documentos “Tipo B”
- Uma apólice de seguro:
Exemplo: apólice de seguros relativa ao transporte ou à expedição dos bens.
- Documentos bancários:
Exemplo: Documento bancário comprovativo do pagamento do transporte ou da expedição dos bens.
- Documentos oficiais emitidos por uma entidade pública:
Exemplo: um notário, que confirme a chegada dos bens ao Estado-membro de destino.
- Um documento de receção que confirme a armazenagem dos bens nesse Estado-membro:
Exemplo: documento de receção emitido por um depositário no Estado-membro de destino, a confirmar a armazenagem dos bens nesse Estado-membro.
Documentos “Tipo C”
- Declaração emitida pelo adquirente, indicando que os bens foram por ele transportados ou expedidos, ou por terceiros agindo por conta do adquirente, mencionando o Estado-membro de destino dos bens e a data de emissão, o nome e endereço do adquirente, a quantidade e natureza dos bens, a data e o lugar de chegada dos bens e, no caso de entregas de meios de transporte, o número de identificação dos meios de transporte, e a identificação da pessoa que aceita os bens por conta do adquirente.
Assim, no pressuposto que o sujeito passivo português efetua uma transmissão intracomunitária de bens ao francês e que só será "efetiva" quando a outra empresa portuguesa remeter as mercadorias transformadas (produto final) para França, que incluem os bens transmitidos pela primeira empresa portuguesa (em que esta irá faturar ao sujeito passivo francês).
Face ao exposto, o sujeito passivo português aquando da venda das mercadorias ao sujeito passivo francês, poderá emitir a fatura com isenção de IVA ao abrigo da alínea a) do artigo 14.º do RITI, devendo o mesmo munir-se dos meios de prova (anteriormente abordados) de que as mercadorias, já produto final, saíram do território nacional.
A propósito desta temática, aconselhamos a leitura da informação vinculativa processo n.º 2 475, despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do diretor-geral, em 2011-09-29 e informação vinculativa processo n.º 11 469, por despacho de 24-05-2017, da diretora de serviços do IVA, por subdelegação da diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.
No entanto, considerando que a empresa “A”, localizada em Portugal, entrega os bens na empresa “C”, também ela localizada em Portugal, tal como referido anteriormente, para efeito de transmissão de "bens" à empresa de outro Estado-membro poder ser considerada uma transmissão intracomunitária, os "bens" têm de sair de Portugal com destino a outro Estado-membro. Assim, caso a empresa “A” não comprovar que os bens saíram de Portugal, não pode enquadrar a operação como uma transmissão intracomunitária, mas como uma operação interna em Portugal.
Neste pressuposto, havendo uma transmissão interna de "bens" em território nacional, ou seja, se a transmissão da propriedade ocorre dentro do território nacional, em que os "bens" se movimentam apenas dentro de Portugal, então estamos perante uma transmissão interna tributada em Portugal, às taxas legalmente em vigor no nosso país.
Assim, quando a empresa portuguesa vende os bens a outra empresa de outro Estado-membro, resulta que a empresa terá de liquidar IVA português, que no caso exposto será taxa de 23 por cento.
Quanto ao IVA português pago pela empresa adquirente (outro Estado-membro), à partida este IVA não é dedutível no seu país. No entanto, esta poderá solicitar um pedido de reembolso (no seu país), desde que não disponha de um registo em IVA em território nacional (NIF português).
Neste âmbito, os sujeitos passivos estabelecidos num Estado-membro podem solicitar o reembolso do IVA suportado noutros Estados-membros, nos termos dos artigos 1.º ao 4.º do regime de reembolso do IVA a sujeitos passivos não estabelecidos no Estado-membro do reembolso, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 186/2009, de 12 de agosto, que transpôs para o direito interno a Diretiva n.º 2008/9/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro.
Por outro lado, se a situação em causa (venda a um sujeito passivo de IVA registado num país da comunidade, mas sem que o bem saia de território nacional) se enquadrar, eventualmente, no artigo 15.º do CIVA, poderá beneficiar da isenção.
O artigo 15.º do Código do IVA, estabelece isenções relativas aos bens que são introduzidos ou colocados nas chamadas «áreas isentas» e as correspondentes às transmissões de bens que se consideram sujeitas a regimes aduaneiros suspensivos.
Transcrevemos as situações que poderão beneficiar de isenção, constantes do artigo 15.º do CIVA:
«a) As importações de bens que se destinem a ser colocados em regime de entreposto não aduaneiro;
b) As transmissões de bens que se destinem a ser:
i) Apresentados na alfândega e colocados eventualmente em depósito provisório;
ii) Colocados numa zona franca ou entreposto franco;
iii) Colocados em regime de entreposto aduaneiro ou de aperfeiçoamento ativo;
iv) Incorporados para efeitos de construção, reparação, manutenção, transformação, equipamento ou abastecimento das plataformas de perfuração ou de exploração situadas em águas territoriais ou em trabalhos de ligação dessas plataformas ao continente;
v) Colocados em regime de entreposto não aduaneiro;
(...)
3 - Para efeitos do disposto no n.º v) da alínea b) do n.º 1, consideram-se entrepostos não aduaneiros:
a) Os locais autorizados nos termos do artigo 21.º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo, relativamente aos bens sujeitos a impostos especiais de consumo;
b) Os locais autorizados de acordo com a legislação aplicável, relativamente aos bens não abrangidos pelo disposto na alínea anterior.
(...)
7 - O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável às aquisições intracomunitárias de bens, efetuadas nos termos do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias, quando os bens se destinem a ser colocados num dos regimes ou das situações referidos na alínea b) do n.º 1.»
Desde que, conforme refere o corpo do artigo, os bens a que se referem não se destinem a utilização definitiva ou consumo final e enquanto estes se mantiverem nas respetivas situações.
Face ao disposto, desconhecendo exatamente a situação em concreto, só poderá aplicar a isenção da alínea b) do n.º 1 do artigo 15.º do CIVA, se reunir os pressupostos acima explanados, sendo determinante o local onde há o consumo final dos bens.