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IVA - Transferência de património
18 Outubro 2022
IVA - Transferência de património
PT27180 - setembro de 2022

Um empresário em nome individual pretende criar uma sociedade por quotas e passar todos os bens para a mesma. A sociedade terá, em princípio, dois sócios. Dos bens a transitar fazem parte os stocks e os ativos fixos tangíveis onde se inclui um imóvel. Relativamente ao imóvel, o empresário em nome individual comprou o terreno e contratou a construção do imóvel (pavilhão industrial). Quais os procedimentos legais para a transação dos bens para a sociedade? Qual a tributação em sede de IRS e IVA sobre a transação dos bens para a sociedade?

Parecer técnico

Na situação exposta a questão colocada refere-se ao enquadramento contabilístico e fiscal da transferência do património da atividade de um empresário em nome individual (ENI) para uma sociedade por quotas.
No caso em concreto, o sujeito passivo que exerce a atividade enquanto ENI, pretende constituir uma sociedade por quotas com mais um sócio. Para o efeito, assumimos que pretende cessar a atividade de trabalhador independente e transferir a totalidade do património da atividade independente para a nova sociedade.
Começamos por dar nota que os aspetos legais sobre esta operação estão fora do âmbito deste consultório, pelo que, sugerimos a consulta de uma jurista ou advogado.
Em todo o caso, atendendo à situação em análise, iremos efetuar o enquadramento fiscal e contabilístico da operação.
Em termos fiscais, o artigo 38.º do Código do IRS consagra um regime de neutralidade fiscal aplicável às pessoas singulares que pretendam transmitir a título oneroso o seu património afeto a uma atividade empresarial e profissional para realização do capital subscrito em sociedade.
Permite-se, então, que não haja lugar a apuramento de qualquer resultado tributável por virtude da realização de capital social resultante da transmissão da totalidade do património afeto ao exercício, por uma pessoa singular, de uma daquelas atividades.
Para que este benefício fiscal, que se traduza num diferimento de tributação proveniente da transferência do património, se concretize, torna-se necessário que se observem as seguintes condições:
- A entidade para a qual é transmitido o património seja uma sociedade com sede e direção efetiva em território português ou, sendo residente noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, o património transmitido seja afeto a um estabelecimento estável situado em território português dessa mesma sociedade e concorra para a determinação do lucro tributável imputável a esse estabelecimento estável;
- O sujeito passivo deve deter pelo menos 50 por cento do capital da nova sociedade e a atividade exercida por esta deve ser substancialmente idêntica à que era exercida pela pessoa singular transmitente do património;
- Os elementos do ativo e do passivo da pessoa singular objeto de transmissão (do seu património) devem ser considerados pelos mesmos valores que tinham na escrita ou contabilidade da pessoa singular, ou seja, dos que resultam das disposições do Código do IRS ou de reavaliações feitas ao abrigo de diplomas de caráter fiscal;
- As partes de capital recebidas em contrapartida da transmissão sejam valorizadas, para efeitos de tributação aquando da sua transmissão futura, pelo valor líquido correspondente aos elementos do ativo e do passivo transferidos, valorizados como referido anteriormente, ou seja, segundo as disposições do Código do IRS ou de reavaliações efetuadas ao abrigo de legislação fiscal;
- A sociedade que recebe o património individualmente terá de se comprometer a respeitar o artigo 86.º do Código do IRC, através de declaração que deve ser junta à declaração periódica de rendimentos da pessoa singular relativa ao exercício em que se operou a transmissão.
Nos termos do n.º 3 do artigo 38.º do Código do IRS, se o titular da quota ou das ações recebidas em contrapartida do património individual proceder à sua transmissão onerosa antes de decorridos cinco anos serão os ganhos resultantes da transmissão das partes de capital tributados como rendimentos empresariais ou profissionais, e considerados como rendimentos líquidos da categoria B, não podendo durante aquele período efetuar-se operações sobre as partes sociais que beneficiem de regimes de neutralidade, sob pena de, no momento da concretização destas, se considerarem realizados os ganhos.
Se as partes de capital forem transmitidas depois de decorrido aquele período os ganhos correspondentes serão tributados como mais-valias da alienação onerosa de partes sociais, nos termos da subalínea 2) da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS e, portanto, tributados como rendimentos da categoria G.
Nos termos do disposto no artigo 86.º do Código do IRC, os bens transmitidos para a sociedade devem ser contabilizados pelos mesmos valores que tinham na contabilidade do sujeito passivo, devendo ainda ter-se em conta na determinação do lucro tributável da sociedade o seguinte:
- O apuramento dos resultados respeitantes aos bens transmitidos é calculado como se não tivesse havido transmissão;
- As reintegrações e amortizações serão efetuadas de acordo com o regime que vinha sendo seguido na contabilidade da empresa singular;
- Os ajustamentos em inventários, as perdas por imparidade e as provisões que tiverem sido transferidos têm, para efeitos fiscais, o regime que lhes era aplicável para efeitos de determinação do rendimento tributável da pessoa singular.
Os prejuízos fiscais relativos ao exercício pela pessoa singular de atividade empresarial e profissional, e ainda não deduzidos ao seu rendimento tributável podem ser deduzidos nos lucros tributáveis da nova sociedade até ao fim do período referido no artigo 52.º do Código do IRC, contado do exercício a que os mesmos se reportam, até à concorrência de 50 por cento de cada um desses lucros tributáveis.
Assim, contempla o artigo 38.º do Código do IRS, a figura da "transformação" em sociedade, que consiste na transmissão da totalidade do património do empresário em nome individual para realização do capital social da nova sociedade, ou seja, este regime de neutralidade, consiste em transferir o ativo e passivo da atividade de IRS para uma sociedade por quotas a constituir. Por outro lado, o valor de tal património deverá constar de certificação emitida por revisor oficial de contas (ROC) nos termos do disposto no artigo 28.º do Código das Sociedades Comerciais por se tratar da realização do capital da nova sociedade por novas entradas em espécie. O ROC será a entidade habitual para apurar o valor do património.
Para utilização deste regime de neutralidade fiscal deverão verificar-se algumas condições, entre elas a emissão de declaração pela nova sociedade constituída, em como esta se compromete ao cumprimento do disposto no artigo 86.º do Código do IRC, que deverá integrar o dossiê fiscal do empresário em nome individual. Esta declaração deverá ser adaptada a cada caso em concreto, de acordo com os itens objetos de transferência e nas condições que os mesmos possuem.
Caso o regime de neutralidade fiscal não se possa aplicar nomeadamente por a sociedade já estar constituída, a transferência dos bens deverá ser efetuada através da alienação do património havendo lugar à determinação de rendimentos tributáveis, tratando-se dos inventários e ao apuramento das mais ou menos valias no caso do ativo. Esta alienação deverá ser efetuada nos termos e condições que seriam normalmente utilizados numa situação normal de mercado com ausência de relações especiais, tendo em conta os bens em causa e a sua posição no mercado.
Para efeitos de tributação do IVA, a transferência do património do empresário em nome individual para uma sociedade por quotas (seja por transferência ao abrigo do regime de neutralidade fiscal ou, através da venda desse mesmo património) não é considerada uma transmissão, aplicando-se o disposto no n.º 4 do artigo 3.º do CIVA, desde que verificados os requisitos deste preceito.
Deste modo, não há lugar à obrigação de emissão de uma fatura por tal transferência do património.
Mas se não verificar as condições para aplicação da não sujeição prevista no n.º 4 do artigo 3.º do CIVA, nomeadamente se só for transmitida parte do património e essa parte transmitida não for suscetível de constituir um ramo de atividade independente há lugar à emissão de fatura.
Note-se que as operações enquadradas no âmbito do n.º 4 do artigo 3.º do CIVA não são de inscrever na Declaração Periódica de IVA.
Por último, referimos que se a sociedade não paga nada ao ENI, na transmissão gratuita dos bens do ativo fixo tangível é considerado uma variação patrimonial positiva tributada em IRC.
Em termos de movimentos contabilísticos, considerado que o ENI tem contabilidade organizada, há que se proceder aos lançamentos decorrentes da transmissão do património, incluindo a cessão de créditos e a transmissão de dívidas (caso existam).
As contas do ativo e do passivo da atividade do empresário em nome individual serão saldadas por contrapartida da conta 51.3 - Capital - Conta particular.
A diferença entre os valores ativos e passivos transmitidos representará o valor líquido da quota, pelo que não serão objeto de transferência para a nova sociedade os resultados transitados, nem outros valores do capital próprio da atividade em nome individual. Contudo, a nova sociedade poderá deduzir os prejuízos fiscais, nos termos do n.º 2 do artigo 86.º do CIRC.
Na nova sociedade, os ativos e passivos transmitidos serão registados consoante as respetivas naturezas, isto é, debitando as respetivas contas relativas aos bens que constituem valores ativos e creditando as contas que representam valores passivos.
A diferença entre estes valores terá por contrapartida o crédito da conta 262 - Sócio - Quota não liberada.
Esta conta 262 ficará com o seu saldo anulado, uma vez que já teria sido debitada por crédito da 51 - Capital social, no momento da subscrição do capital quando a sociedade foi constituída.
Desta forma, deverá ser preparado o balanço e a demonstração de resultados da atividade exercida em nome individual até à data da transmissão, sendo esses os elementos contabilísticos que serão objeto de tributação em IRS (declaração modelo 3).
Os restantes movimentos contabilísticos referentes à transmissão do património para a realização do capital da sociedade não deverão constar desse balanço, sendo efetuados após tal procedimento.
Assim, após o registo na contabilidade da transmissão da totalidade do património do pagamento e recebimentos de débitos e créditos ou sua imputação à esfera pessoal, o empresário em nome individual apenas terá no seu balanço valores nas contas da classe 5 - Capital, nomeadamente na conta 51.1 - Capital - Inicial, conta 51.2 - Capital - Adquirido e conta 51.3 - Capital - Conta particular.
No caso concreto, devem ser registados bens que vão ser utilizados para a realização do capital pelo valor determinado pelo ROC, por contrapartida da respetiva conta do ativo (ativo fixo tangível, intangível, inventários).
Para aplicação do regime de neutralidade do artigo 38.º do CIRS devem constar todas as dívidas a receber de clientes, dívidas a pagar a fornecedores, bem como os restantes ativos e passivos financeiros afetos à atividade empresarial individual, e não apenas os bens físicos.
O relatório do ROC deve incluir a valorização dessas dívidas a receber e a pagar para determinar o valor líquido (ativos menos passivos) a considerar para a realização do capital social da sociedade.
Ainda em relação à cedência de créditos, esta é uma operação comum que se traduz na transmissão de um direito - direito ao recebimento do valor em dívida, encontrando-se prevista e regulada nos termos do artigo 577.º e seguintes do Código Civil.
A transmissão das dívidas a pagar da sociedade para os sócios exige a ratificação do credor, conforme estabelecido no artigo 595.º do Código Civil.
Desta forma, a possibilidade da transferência das dívidas a pagar a fornecedores ou relativas a financiamentos obtidos, depende sempre do consentimento prévio da entidade credora.
O empresário em nome individual deve solicitar a autorização aos credores da transferência dessas dívidas a pagar que estão em nome individual para a esfera da sociedade.
Quanto às dívidas a receber de clientes, não é exigido qualquer consentimento, bastando efetuar a respetiva notificação ao devedor, conforme previsto no artigo 577.º do Código Civil.
No caso em concreto, quanto às entradas em bens diferentes de dinheiro (entradas em espécie), dever-se-á ter presente os seguintes aspetos:
- As entradas dos sócios devem ser realizadas até ao momento da celebração do contrato de sociedade, sem prejuízo de estipulação contratual que preveja o diferimento da realização das entradas em dinheiro (artigo 26.º do CSC);
O relatório do revisor deve, pelo menos: descrever os bens; identificar os seus titulares; avaliar os bens, indicando os critérios utilizados para a avaliação; declarar se os valores encontrados atingem ou não o valor nominal da parte, quota ou ações atribuídas aos sócios que efetuaram tais entradas, acrescido dos prémios de emissão, se for caso disso, ou a contrapartida a pagar pela sociedade. No caso de ações sem valor nominal, deve também declarar se os valores encontrados atingem ou não o montante do capital social correspondentemente emitido.
O relatório deve reportar-se a uma data não anterior em 90 dias à do contrato de sociedade, mas o seu autor deve informar os fundadores da sociedade de alterações relevantes de valores, ocorridas durante aquele período, de que tenha conhecimento. O relatório do revisor deve ser posto à disposição dos fundadores da sociedade pelo menos 15 dias antes da celebração do contrato.