Pareceres
IVA - vales de oferta
10 Janeiro 2024
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

IVA - vales de oferta
PT27812 - novembro de 2023

 

Uma papelaria aceita vouchers da escola para compra de material escolar. No ato da venda ao aluno, emite fatura de venda de material escolar com IVA e faz o desconto do voucher.
Quando for faturar os vouchers à escola, para receber esses valores, como deve proceder?


Parecer técnico


O pedido de parecer está relacionado com a faturação de material escolar, bem como o desconto associado a vouchers atribuídos por um estabelecimento de ensino.
A Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, procedeu à transposição para o ordenamento jurídico interno da diretiva (UE) 2016/1065 do Conselho, de 27 de junho de 2016, que altera a diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 26 de novembro de 2006, no que respeita ao tratamento dos vales, transposição essa efetuada pelo artigo 275.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2019.
A referida Lei n.º 71/2018 procedeu à alteração dos artigos 1.º, 7.º e 16.º do Código do IVA (CIVA), criando os conceitos de «vale», «vale de finalidade única» e «vale de finalidade múltipla», em simultâneo com a definição das regras de exigibilidade do imposto e determinação do respetivo valor tributável, na sua cessão ou transmissão.
Em consequência da transposição da referida diretiva, o CIVA passou a contemplar a tributação dos chamados cheques-oferta, também designados por vouchers ou vales, sendo que a designação acolhida, quer na diretiva IVA quer no CIVA, é a de vales.
Ficam abrangidos pelas novas regras os instrumentos que conferem aos seus titulares o direito de obter, junto de transmitentes de bens ou de prestadores de serviços identificados, o fornecimento de uma ou de várias categorias de bens ou serviços previamente determinadas ou determináveis e usá-los como contraprestação desse fornecimento. De uma forma genérica, podemos dizer que ficam abrangidos os vales que possam ser resgatados por bens ou serviços.

 

Vales de finalidade única (VFU)

 

Os vales de finalidade única (VFU) permitem ao seu detentor receber determinado produto ou serviço de um fornecedor, o qual consiste num pré-pagamento, estando a taxa de imposto assim como o local de fornecimento/realização devidamente identificados.
Estes VFU, no momento da venda pelo seu emissor, são tributados como um pré-pagamento do serviço a prestar a final, pois a taxa de IVA é desde logo conhecida no momento da venda, verificando-se, no momento da sua emissão/venda, a exigibilidade do imposto.
Os vales que titulam o direito a um serviço definido à partida e cuja taxa de IVA seja determinável constituem, para todos os efeitos, VFU, devendo ser considerados, para efeitos de IVA, como pagamentos antecipados.
Sendo assim, o documento a emitir no momento da venda do vale ao comprador, deve ser uma fatura, contendo o NIF do comprador (neste caso o estabelecimento de ensino caso tivesse sido essa emissão pela papelaria), procedendo-se à correspondente liquidação do IVA nessa fatura sobre o valor dos vouchers. Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 36.º do CIVA, a fatura deve ser emitida na data do recebimento.
Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IVA, os sujeitos passivos são obrigados a:
«b) Emitir obrigatoriamente uma fatura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, tal como vêm definidas nos artigos 3.º e 4.º, independentemente da qualidade do adquirente dos bens ou destinatário dos serviços, ainda que estes não a solicitem, bem como pelos pagamentos que lhes sejam efetuados antes da data da transmissão de bens ou da prestação de serviços.»
Quanto ao documento a emitir no momento da utilização do vale, temos de analisar as obrigações impostas pelo CIVA em termos de faturação e o entendimento da AT sobre a matéria.
A fatura emitida no momento da emissão do vale não traduz qualquer transmissão de bens, mas meramente um adiantamento.
Com a entrega dos bens ou a realização dos serviços, deve ser emitida nova fatura, para titular a transmissão de bens ou a prestação dos serviços. Mas como já houve liquidação de IVA na fatura emitida no momento do adiantamento, é entendimento da direção de serviços do IVA que o procedimento adequado no que respeita ao cumprimento da obrigação de faturação consiste na consideração do valor pago a título de adiantamento na fatura final, liquidando-se IVA sobre o valor total da contraprestação a receber do cliente, deduzido do montante já pago a título de adiantamento. Ou seja, ao valor do bem ou serviço constante da fatura, deve ser abatido o valor do adiantamento (valor sem IVA), liquidando-se IVA apenas sobre a diferença, se a houver.
Ver, neste sentido, as informações vinculativas n.º 12 990, de 7 de maio, de 2018 e 15 298, de 23 de abril de 2019.
Assim, de acordo com este procedimento, caso o valor do vale seja igual ao do bem ou serviço adquirido, esta segunda fatura será emitida com um valor igual a zero.
Caso o valor do vale seja superior ao do bem ou serviço adquirido, nesta segunda fatura deverá ser deduzido apenas uma parte do vale, ou seja, deverá ser deduzido o valor correspondente ao do bem ou serviço adquirido. A parte do vale que excede o valor do bem ou serviço adquirido deverá dar origem à emissão de um documento interno com o valor remanescente do vale, para utilização futura por parte do comprador, ou à emissão de um novo vale com esse valor remanescente, para o mesmo fim.
Caso o valor do vale seja inferior ao do bem ou serviço adquirido, se for seguido o entendimento da direção de serviços do IVA, na fatura emitida no momento da entrega do bem ou serviço deverá ser deduzido o valor do adiantamento, sendo liquidado IVA sobre o valor remanescente.
O que acabamos de referir é o procedimento a dar a VFU que são adquiridos por clientes portugueses.

 

Vales de finalidade múltipla (VFM)

 

Os vales de finalidade múltipla (VFM), por sua vez, permitem que o seu possuidor venha a receber bens ou serviços no valor constante do voucher, mas no momento da emissão não é possível identificar nem os bens ou serviços nem o local do seu fornecimento, impossibilitando a determinação da taxa do IVA respetiva.
Pese embora se possa estar perante um pré-pagamento, os VFM não podem ser tributados à data da sua emissão/venda, porquanto os bens ou serviços associados, bem como a respetiva taxa de imposto, e eventualmente o prestador, não são, naquela data, conhecidos.
A exigibilidade do imposto será, assim transferida, no caso dos VFM, para o momento em que ocorra a operação tributável, ou seja, para o momento do respetivo resgate.
Vamos partir do pressuposto de que o fornecimento dos bens ou serviços a que se refere o VFM é efetuado pela própria entidade que o vende, embora, na maioria dos casos, estes VFM sejam rebatidos em comerciantes ou prestadores de serviços distintos.
Estando-se perante um pré-pagamento, é nosso entendimento que, também neste tipo de vales, o documento a emitir no momento da venda do vale ao comprador, deve ser uma fatura, contendo o NIF do comprador, mas sem liquidação de IVA, pelos motivos antes indicados. Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 36.º do CIVA, a fatura deve ser emitida na data do recebimento.
Quanto ao documento a emitir no momento da utilização do vale pelo comprador, temos de analisar as obrigações impostas pelo CIVA em termos de faturação e o entendimento da AT sobre a matéria.
A fatura emitida no momento da compra do VFM não traduz qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços, mas meramente um adiantamento.
Com a entrega dos bens ou a prestação dos serviços, deve ser emitida nova fatura para titular essas operações. Neste caso, porém, como não houve liquidação de IVA na fatura emitida no momento do adiantamento, na nova fatura terá de haver liquidação do IVA sobre o preço dos bens entregues ou sobre o preço dos serviços prestados.
Recomendamos ainda, sobre esta matéria, a análise do ofício-circulado n.º 30 208/2019, de 4 de janeiro.
Dada a relevância, apesar de não ser questionado, relacionado com o enquadramento genérico feito anteriormente, acrescenta-se uma possível contabilização.
Contabilização dos adiantamentos
Os adiantamentos de clientes devem ser registados na conta 218 - Adiantamentos de clientes ou na conta 276 - Adiantamentos por conta de vendas, dependendo de existirem, ou não, preços fixados previamente, no momento do seu recebimento.
Não estando cumpridas todas as condições do parágrafo 14 da NCRF 20, a entidade vendedora não deve proceder ao reconhecimento de qualquer rédito (registo na conta 71), pelo que, para efeitos de IRC, os adiantamentos recebidos não são relevantes para a determinação do lucro tributável do período em que sejam recebidos.
VFU - Caso o valor do bem adquirido seja igual ao do vale
- Pelo montante recebido a título de adiantamento:
Débito da conta 11 - Caixa (ou 12 - Depósitos à ordem), pelo montante recebido, por contrapartida a crédito da conta 276 - Adiantamentos por conta de vendas (ou conta 218) e da conta 2433 - IVA - Liquidado.
- Pelo reconhecimento do rédito pela venda de bens:
Débito da conta 276 - Adiantamentos por conta de vendas (ou conta 218) por contrapartida a crédito da conta 711 - Mercadorias. VFU - Caso o valor do bem adquirido seja superior ao do vale
- Pelo montante recebido a título de adiantamento:
Débito da conta 11 - Caixa (ou 12 - Depósitos à ordem), pelo montante recebido, por contrapartida a crédito da conta 276 - Adiantamentos por conta de vendas (ou conta 218) e da conta 2433 - IVA - Liquidado.
- Pelo reconhecimento do rédito pela venda de bens:
Débito da conta 276 - Adiantamentos por conta de vendas ou da conta 218 (para anulação do movimento anterior) e da conta 11 - Caixa (ou 12 - Depósitos à ordem), pelo montante recebido adicionalmente.
Por crédito da conta 711 - Mercadorias (pelo valor dos bens entregues) e da conta 2433 - IVA - Liquidado (pelo IVA liquidado sobre a diferença entre o valor dos bens e o valor do vale rebatido).
VFU - Caso o valor do bem adquirido seja inferior ao do vale
- Pelo montante recebido a título de adiantamento:
Débito da conta 11 - Caixa (ou 12 - Depósitos à ordem), pelo montante recebido, por contrapartida a crédito da conta 276 - Adiantamentos por conta de vendas (ou conta 218) e da conta 2433 - IVA - Liquidado.
- Pelo reconhecimento do rédito pela venda de bens:
Débito da conta 276 - Adiantamentos por conta de vendas (ou conta 218), por contrapartida a crédito da conta 711 - Mercadorias.
Neste caso, a conta 276 - Adiantamentos por conta de vendas (ou conta 218) ficará com um saldo de valor igual à diferença entre o valor do adiantamento recebido e o valor dos bens entregues.
No caso de VFM, os lançamentos a efetuar serão idênticos aos apresentados, com a diferença de que o IVA não será liquidado no momento do recebimento do adiantamento, mas na data da venda dos bens.
Ora, no caso concreto apresentado, foi o estabelecimento de ensino que emitiu os “vales” a descontar no pagamento de compras de material escolar no estabelecimento comercial em causa.
Nesse sentido, não estamos perante a utilização de vales, mas perante o pagamento da mesma transmissão de bens em dois momentos e por duas entidades diferentes.
Desta forma, as faturas a emitir devem obedecer ao disposto no CIVA, nos termos do artigo 36.º ou 40.º, consoante sejam emitidas faturas ou faturas simplificadas, registando-se o pagamento parcial quando o aluno efetua a aquisição e o pagamento restante quando o estabelecimento o promover.
Assim, deverá o IVA ser liquidado na totalidade no momento da transmissão dos bens, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do CIVA.
Contabilisticamente, os registos poderão ser:
- Pelo reconhecimento do rédito pela venda de bens:
Débito da conta 11 - Caixa (ou 12 - Depósitos à ordem), pelo montante recebido do aluno, débito de uma conta 278 - Outros devedores e credores em nome do estabelecimento de ensino, pelo valor a suportar por este no âmbito do apoio, por contrapartida a crédito da conta 711 - Mercadorias e 2433 - IVA liquidado.
- Pelo pagamento pelo estabelecimento de ensino:
Débito da conta 12 - Depósitos à ordem, por contrapartida da conta 278 - Outros devedores e credores.