Novidades
Pareceres
Locação financeira
26 Outubro 2021
Locação financeira
11-10-2021

Uma empresa industrial que aplica as NC-PE efetuou um contrato de aluguer de longa duração referente a uma viatura ligeira de passageiros.
«O presente contrato de ALD, considerando os critérios constantes da NIC 17 – Locações, é qualificado como locação financeira, comprometendo-se o locador e locatário a adotar essa mesma classificação tão somente para efeitos contabilísticos.»
O contrato tem opção de compra.
Como deve ser contabilizado este contrato?
Se, no fim do contrato, o locatário não exercer a opção de compra - a viatura está reconhecida como ativo fixo tangível -, o locatário tem de emitir fatura ao locador pelo valor da última renda/valor residual?
Este contrato é referente a uma viatura híbrida plug-in, cujo custo de aquisição é de 49 991 euros + IVA. De acordo com a alínea f) n.º 2 do art.º 21.º CIVA, tanto o IVA referente à amortização do capital como dos juros é dedutível?

Parecer técnico

A questão colocada relaciona-se com o tratamento contabilístico de uma locação financeira de um veículo ligeiro de passageiros, bem como relativamente ao tratamento do IVA que onere a sua aquisição.
O tratamento contabilístico das locações está previsto na NCRF 9 – Locações, cujo tratamento nos termos da NCRF-PE não sofre qualquer alteração, estando contemplado no ponto 9 desta norma.
Nos termos do parágrafo 8 da NCRF 9 (parágrafo 9.1 da NCRF-PE), uma locação é classificada como locação financeira se ela transferir substancialmente todos os riscos e vantagens inerentes à propriedade. Por outro lado, uma locação é classificada como locação operacional se ela não transferir substancialmente todos os riscos e vantagens inerentes à propriedade.
De acordo com o disposto no parágrafo 10 da NCRF, n.º 9 «(…) a classificação de uma locação como financeira ou operacional depende da substância da transação e não da forma do contrato.
Nos termos do ponto 9.2 da NCRF-PE, podemos encontrar exemplos de situações que podem normalmente conduzir a que uma locação seja classificada como uma locação financeira:
- A locação transfere a propriedade do ativo para o locatário no fim do prazo da locação;
- O locatário tem a opção de comprar o ativo por um preço que se espera que seja suficientemente mais baixo do que o justo valor à data em que a opção se torne exercível tal que, no início da locação, seja razoavelmente certo que a opção será exercida;
- O prazo da locação abrange a maior parte da vida económica do ativo mesmo que o título de propriedade não seja transferido;
- No início da locação o valor presente dos pagamentos mínimos da locação ascende a pelo menos, substancialmente, todo o justo valor do ativo locado; e,
- Os ativos locados são de uma tal natureza especializada que apenas o locatário os pode usar sem que sejam feitas grandes modificações…»
No parágrafo 11 da NCRF 9 são enumerados outros indicadores de situações que individualmente ou em combinação podem também conduzir a que uma locação seja classificada como financeira.
O Despacho n.º 503/2004-XV, de 27 de fevereiro de 2004, veio esclarecer que «a classificação dos contratos de locação tem de ser a mesma nas perspetivas do locador e do locatário, o que deve ser salvaguardado através de urna adenda a esse contrato, sob pena da classificação contabilística poder não ser relevante para efeitos fiscais e de se perderem os benefícios associados a essa classificação, designadamente o regime de reinvestimento previsto pelo artigo 45.º do Código do IRC.»
No caso em concreto é referido que estamos perante uma locação financeira.
Pressupondo que o contrato de locação em causa se deve classificar como locação financeira, em termos de reconhecimento e mensuração nas demonstrações financeiras do locatário, há que reconhecer um ativo e passivo por uma quantia igual, ou pelo justo valor (preço de mercado nesta data) do bem locado, ou se inferior, pelo valor presente das rendas a pagar (incluindo a primeira e a última – opção de compra), conforme previsto no parágrafo 19 da NCRF 9 e parágrafo 9.5 a 9.7 da NCRF-PE.
Se o valor presente das rendas a pagar pela locação (valor do contrato sem juros) for superior ao valor de mercado do bem locado (preço do bem), deve efetuar o reconhecimento da locação financeira pelo referido valor presente das rendas a pagar pela locação.
O justo valor do bem locado coincidirá, por regra, com o valor de compra subjacente ao contrato de locação. Já o valor presente dos pagamentos mínimos da locação corresponde, simplificadamente, ao valor atual dos pagamentos (rendas) a efetuar durante o prazo da locação por parte do locatário, juntamente com quaisquer quantias garantidas pelo locatário ou por uma parte relacionada com este (conforme parágrafo 4 da NCRF 9).
Além disso, se o locatário tiver a opção de comprar o ativo por um preço que se espera que seja suficientemente mais baixo do que o seu expectável justo valor na data de exercício daquela opção de compra - de tal modo que razoavelmente se espere que a opção possa vir a ser efetivamente exercida - então os pagamentos mínimos da locação compreendem, quer os pagamentos durante o prazo da locação anteriormente descritos, quer o valor da opção de compra.
Admitindo que o bem locado deve ser reconhecido como ativo fixo tangível, nos termos da NCRF 7 – Ativos fixos tangíveis, então, o registo contabilístico da sua aquisição mediante um contrato de locação financeira pode ser:
- Débito da conta 43x – Ativos fixos tangíveis, por contrapartida a crédito da conta 2513x – Locações financeiras, pelo valor do contrato e das despesas iniciais do contrato (conforme parágrafo 20 da NCRF 9).
Pelos pagamentos das rendas:
Primeira renda (entrada inicial, ainda sem juros):
- Débito da conta 2513x – Locações financeiras, por contrapartida a crédito da conta 12x – Depósitos à ordem, pelo pagamento da primeira renda, incluindo as despesas iniciais do contrato.
Pelas restantes rendas e pelo valor de opção de compra:
- Débito da conta 2513x – Locações financeiras, pela amortização do capital;
- Débito da conta 691x – Juros suportados, pelo encargo financeiro, incluindo a respetiva parte de IVA não dedutível, quando tal se aplique;
- Débito da conta 6268 – Outros serviços, pelas despesas da cobrança da renda (se existir), incluindo a respetiva parte de IVA não dedutível, quando tal se aplique; ou débito da conta 2432 – IVA dedutível, pelo valor do IVA das rendas (se aplicável);
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 12x - – Depósitos à ordem, pelo valor pago.
O pagamento de um adicional às rendas definidas no contrato é considerado como uma renda contingente nos termos da NCRF 9. As rendas contingentes devem ser reconhecidas em gastos nos períodos em que ocorrem, conforme previsto no parágrafo 22 da NCRF 9.
Há ainda que registar as depreciações referentes ao ativo classificado como ativo fixo tangível, uniformemente ao longo do respetivo período de vida útil estimado pela respetiva quantia depreciável, em conformidade com a NCRF 7.
O valor residual contabilístico, determinado nos termos da NCRF 7, deve manter-se reconhecido como a quantia escriturada do item, não sofrendo depreciações, até que o item em causa seja desreconhecido, por alienação, abate ou similar.
O parágrafo 50 da NCRF 7 estabelece que apenas a quantia depreciável de um ativo fixo tangível deve ser imputada numa base sistemática durante a sua vida útil, através das depreciações. Por sua vez, o parágrafo 53 da mesma NCRF 7 prevê que a quantia depreciável de um ativo é determinada após dedução do seu valor residual.
Cancelamento do contrato de locação financeira
Quanto à rescisão antecipada (resolução) de um contrato de locação financeira, ou o não exercício da opção de compra, há que analisar os termos do contrato. Esta rescisão antecipada pode ter como consequência o pagamento integral da dívida à locadora, pode haver a rescisão com o exercício da compra do bem, poderá haver o pagamento de uma indemnização à locadora e a entrega do bem a esta entidade, sendo vários os cenários possíveis.
Caso subsistam dúvidas após os esclarecimentos que iremos expor, sugerimos que seja efetuada a análise do contrato de locação financeira, bem como as condições associadas a este término antecipado do mesmo, pois só após o enquadramento jurídico da operação, será possível à colega efetuar o respetivo enquadramento contabilístico.
A rescisão antecipada da locação financeira, apesar de implicar o desreconhecimento da viatura do ativo da empresa locatária, não é considerada como venda desse bem, pois o bem nunca foi de propriedade legal dessa entidade.
Não obstante, tem um tratamento contabilístico idêntico ao da alienação do bem, quando este esteja registado como ativo fixo tangível, apesar de esta operação não ser considerada como uma venda do bem, conforme previsto nos parágrafos 66 a 71 da NCRF 7.
Neste caso, o desreconhecimento do ativo fixo tangível, e respetiva determinação da mais ou menos valia, deve ser efetuado no momento da rescisão do contrato, pois é a partir desse momento que a entidade deixa de ter a expectativa de obtenção de benefícios económicos futuros.
O desreconhecimento do passivo financeiro deve ser efetuado apenas quando este se extinguir, isto é, quando a obrigação estabelecida no contrato seja liquidada, cancelada ou expire, conforme previsto no parágrafo 34 da NCRF 27 – Instrumentos financeiros.
Na ótica da entidade locatária, em termos de registos contabilísticos, poderá implicar os seguintes registos:
Pela anulação das depreciações acumuladas:
- Débito da conta 438/9 – Depreciações acumuladas/Perdas por imparidade acumuladas, por contrapartida a crédito 43x – Ativos fixos tangíveis, pelo valor das depreciações acumuladas e/ou perdas por imparidade acumuladas;
Pelo desreconhecimento do ativo fixo tangível:
- Débito da conta 6871 – Gastos e perdas em investimentos não financeiros - alienações ou 7871 – Rendimentos e ganhos em investimentos não financeiros - alienações (consoante exista menos-valia ou mais-valia, respetivamente), por contrapartida a crédito da conta 43x - Ativos fixos tangíveis, pela quantia escriturada da viatura;
Pelo valor a pagar pela rescisão antecipada do contrato (quando exista):
- Débito da conta 6871 – Gastos e perdas em investimentos não financeiros - alienações ou 7871 – Rendimentos e ganhos em investimentos não financeiros - alienações (consoante exista menos-valia ou mais-valia, respetivamente), por contrapartida a crédito de uma conta de meios líquidos financeiros (ou de contas a receber e a pagar), pelo valor pago ou a pagar;
Pela anulação da dívida à locadora (rescisão antecipada):
- Débito da conta 2513x – Locações financeiras por contrapartida a crédito da conta 6871 – Gastos e perdas em investimentos não financeiros - alienações ou 7871 – Rendimentos e ganhos em investimentos não financeiros - alienações (consoante exista menos-valia ou mais-valia, respetivamente), pelo valor da dívida existente à locadora.
As depreciações da viatura desreconhecida do ativo apenas devem ser contabilizadas até ao período anterior a esta alienação ou rescisão, que pode ser o ano anterior, ou o mês anterior no caso de se estar a utilizar as depreciações por duodécimos.
Caso o contrato de resolução estabeleça outras condicionantes, deverão as mesmas ser objeto de tratamento contabilístico apropriado.

IVA

Em sede de IVA, o mecanismo das deduções está previsto nos artigos 19.º a 26.º do Código do IVA (CIVA). No tocante a esta matéria, como sabemos, nos termos dos artigos 19.º e 20.º do CIVA, o sujeito passivo pode deduzir todo o imposto suportado na aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos, desde que esses bens e serviços sejam utilizados pelo sujeito passivo para a realização de operações sujeitas a imposto e dele não isento, bem como as operações mencionadas na alínea b) do número 1 do artigo 20.º do CIVA.
Todavia, além da limitação consagrada no n.º 1 do artigo 20.º do CIVA, há que atender ao disposto no artigo 21.º do CIVA, que estabelece limitações ao exercício do direito à dedução, derivadas da natureza dos bens e serviços adquiridos.
Neste sentido, salienta-se o disposto na alínea a) do número 1 do artigo 21.º do CIVA, que indica que não são dedutíveis as:
«a) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de (…) viaturas de turismo. (…).»
Entenda-se por viatura de turismo «qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de nove lugares, com inclusão do condutor».
Deste modo, de acordo com esta alínea, as despesas relativas à locação de viaturas de turismo, onde se enquadram as viaturas ligeiras de passageiros, não conferem o direito à dedução.
No entanto, o número 2 do mesmo artigo 21.º do CIVA contempla exceções onde o IVA poderá ser passível de ser deduzido, entre as quais se salientam as alíneas f) e g).
Estas alíneas foram aditadas ao número 2 do artigo 21.º do CIVA na sequência da Reforma da Fiscalidade Verde, consagrada na Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, que teve como objetivo motivar os contribuintes a adotarem práticas mais eficientes e sustentáveis.
Para o caso concreto, passamos a transcrever apenas a alínea f), que refere que não estão excluídas do direito à dedução as:
«f) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação e à transformação em viaturas elétricas ou híbridas plug-in, de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas elétricas ou híbridas plug-in, quando consideradas viaturas de turismo, cujo custo de aquisição não exceda o definido na portaria a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC.»
O diploma referido é a Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho, alterada recentemente pela já referida Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro.
Segundo esta nova redação, a alínea a) do número 4 do artigo 1.º da referida Portaria passou a contemplar o limite de 62 500 euros de custo de aquisição para as viaturas totalmente movidas a energia elétrica e o limite de 50 000 euros de custo de aquisição para as viaturas híbridas plug-in.
Concluímos, assim, que se o custo de aquisição das viaturas não ultrapassar os limites (62 500 euros para as totalmente elétricas e 50 000 euros para as híbridas plug-in), ainda que consideradas viaturas de turismo, somos de opinião de que o IVA suportado na aquisição destas viaturas poderá ser, de facto, dedutível, sendo esta dedutibilidade a 100 por cento.
Nos termos do ponto 11 da Informação Vinculativa referente ao Processo n.º 9 577, por despacho de 2015-12-09, do SDG do IVA, por delegação do diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, no apuramento do custo de aquisição das viaturas, deve ser excluído o IVA que, nos termos do CIVA, seja dedutível.
Poderá encontrar esta Informação Vinculativa aqui:
Assim e respondendo questão concreta do colega, caso o valor de aquisição da viatura híbrida plug-in em causa não ultrapasse 50 000 euros, somos de opinião de que o IVA suportado nas rendas (componente amortização e juros na sua globalidade) poderá ser, desde que cumpridos os restantes requisitos supra-referidos, deste modo, dedutível. Contudo, por não ser conhecida a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre esta questão, entendemos que, por prudência, este entendimento deverá ser confirmado junto das entidades competentes através de um pedido de informação vinculativa, nos termos previstos no art.º 68.º da LGT.
De facto, salvo melhor opinião, será preciso ter em conta que a prestação de serviços contratada entre o locatário e o locador engloba várias componentes, não significando, na nossa opinião, que as que respeitem e sejam indissociáveis da operação de locação (componente amortização e juros) devam ser individualizadas do serviço principal, pois tal procedimento resultaria na decomposição artificial da operação.
No caso concreto, se o valor da contraprestação total for superior ao limite acima enumerado (no caso concreto, 50 000 euros, IVA excluído), somos de opinião de que o IVA não será dedutível na sua totalidade, devendo ser acrescido ao valor das rendas.
Este entendimento é corroborado pela alínea a) do ponto 12 da Informação Vinculativa referente ao Processo n.º 13 967, por despacho de 2018-07-02, da diretora de serviços do IVA, (por subdelegação), que poderá encontrar aqui.
Por último, no que respeita às despesas de manutenção e conservação da referida viatura, uma vez que se trata de uma viatura ligeira de passageiros, o IVA nelas contido está excluído do direito à dedução pelo disposto na al. a) do número 1 do artigo 21.º do CIVA.