Mais-valia de sociedade não residente
18-03-2021
Uma sociedade cliente com capital social de 5000 euros era detida unicamente por uma sociedade não residente, com sede na Bélgica. Em 2020 foi feita uma cessação de quotas, o capital social foi dividido em duas quotas iguais de 2500 euros, e uma das quotas foi cedida a uma sociedade portuguesa. A situação presente é que quota de 2500 euros foi cedida por 250 mil euros, o que vai gerar uma mais-valia para a sociedade não residente. Está correto entregar a modelo 22 da sociedade não residente?
A questão colocada refere-se à tributação de mais-valias decorrentes da alienação de participações sociais detidas por uma empresa sediada na Bélgica numa sociedade por quotas portuguesa.
Da forma como a questão é apresentada, pressupomos que a sociedade belga é uma entidade não residente em Portugal e sem estabelecimento estável no território nacional.
De acordo com o n.º 2 do artigo 4.º do CIRC, as pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos obtidos em Portugal.
Em conformidade com a alínea b) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, consideram-se obtidos em território nacional os ganhos resultantes da transmissão onerosa de partes representativas do capital de entidades com sede ou direção efetiva em território português, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital e, bem assim, o valor atribuído aos associados em resultado da partilha que, nos termos do artigo 81.º do CIRC, seja considerado como mais-valia, ou de outros valores mobiliários emitidos por entidades que aí tenham sede ou direção efetiva, ou ainda de partes de capital ou outros valores mobiliários quando, não se verificando essas condições, o pagamento dos respetivos rendimentos seja imputável a estabelecimento estável situado no mesmo território.
Não obstante esta sujeição a IRC, o artigo 27.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) prevê que, em determinadas condições, as mais-valias realizadas por não residentes com a transmissão onerosa de partes sociais poderão estar isentas de imposto, mas os n.ºs 2 e 3 dessa norma estabelecem diversas exceções à isenção. Caso estejam isentas de IRC, as mais-valias obtidas com a venda de quotas pela empresa não residente sem estabelecimento estável, não têm que ser declaradas na declaração Modelo 22 em Portugal, conforme dispensa prevista no n.º 8 do artigo 117.º do CIRC.
Porém, ainda que à situação em concreto não se aplique a isenção referida no parágrafo anterior, existindo Convenção entre Portugal e a Bélgica para Evitar a Dupla Tributação e Regular Algumas Outras Questões em Matéria de Impostos sobre o Rendimento (CDT), haverá que analisar o artigo 13.º dessa Convenção, relativo às mais-valias, do qual se transcrevem os n.ºs 2 e 3:
"(…) 2. Os ganhos provenientes da alienação de bens mobiliários que façam parte do ativo de um estabelecimento estável que uma empresa de um Estado Contratante tenha no outro Estado Contratante ou de bens mobiliários afetos a uma instalação fixa de que um residente de um Estado Contratante disponha no outro Estado Contratante para o exercício de uma profissão liberal, incluindo os ganhos provenientes da alienação desse estabelecimento estável, isolado ou com o conjunto da empresa, ou dessa instalação fixa, podem ser tributados nesse outro Estado. Todavia, os ganhos provenientes da alienação de navios ou de aeronaves utilizados no tráfego internacional e dos bens mobiliários afetos à exploração desses navios ou aeronaves só podem ser tributados no Estado Contratante em que os rendimentos derivados da exploração desses navios ou aeronaves podem ser tributados de acordo com o artigo 8.º.
3. Os ganhos provenientes da alienação de quaisquer outros bens, incluindo uma participação numa sociedade por ações que não faça parte do ativo de um estabelecimento estável, considerado na primeira parte do n.º 2, só pedem ser tributados no Estado Contratante de que o alienante é residente. (…)”
Pressupondo que não está em causa a alienação de bens mobiliários que façam parte do ativo de um estabelecimento estável que uma empresa de um Estado Contratante (Bélgica) tenha no outro Estado Contratante (Portugal), nem a alienação de bens mobiliários afetos à exploração de navios ou aeronaves utilizadas no tráfego internacional, então, não se aplicará o n.º 2 do artigo 13.º da CDT.
Pelo que se afigura suscetível de aplicação o n.º 3 do artigo 13.º da CDT, que se apresenta como norma residual ("os ganhos provenientes da alienação de quaisquer outros bens"). Assim sendo, porque ali é expressamente indicado que tais ganhos só podem ser tributados no Estado Contratante de que o alienante é residente (Bélgica), a Portugal não assiste, neste caso, qualquer poder tributário, sendo a competência tributária exclusiva do Estado Belga.
De facto, a Convenção celebrada entre Portugal e a Bélgica entrou em vigor em 1971, tendo sido celebrada uma "Convenção adicional” que alterou alguns artigos, mas não alterou o artigo 13.º que é aquele que está em análise.
E esta Convenção, para além de não conter a norma especial aplicável às mais-valias de partes sociais de empresas com um ativo constituído maioritariamente por imóveis, existente em várias outras Convenções, também não contém uma outra norma especial, existente em algumas Convenções, que permite ao Estado onde é gerada a mais-valia de partes sociais tributar o rendimento caso se esteja perante uma "participação substancial”.
Também não foram introduzidas alterações ao artigo 13.º da CDT entre Portugal e a Bélgica na sequência da assinatura da Convenção Multilateral pelos dois Estados (em particular no que respeita ao artigo 9.º da Convenção Multilateral, relativo às mais-valias derivadas da alienação de partes de capital, direitos ou participações em entidades cujo valor resulte principalmente de bens imobiliários).
Sem prejuízo do anteriormente referido, nos casos em que uma empresa não residente e sem estabelecimento estável em território nacional esteja sujeita a tributação em sede de IRC pela obtenção de mais-valias com a alienação de participações sociais em empresas sediadas em Portugal, deverá efetuar os seguintes procedimentos:
1) Entrega de declaração de início de atividade na Autoridade Tributária como entidade não residente sem estabelecimento estável, nos termos do n.º 3 do artigo 118.º do CIRC. Previamente já tinham que ter obtido o número de identificação no Registo Nacional de Pessoas Coletivas para a empresa não residente.
2) Note que as entidades não residentes sem estabelecimento estável não são obrigadas a nomear contabilista certificado nem a ter contabilidade organizada.
3) A mais-valia mobiliária é tributada à taxa de 25% e, para esse efeito, este rendimento deverá ser declarado na declaração Modelo 22 nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 120.º do CIRC, relativamente à qual fazemos as seguintes observações:
- Período de tributação - no caso de rendimentos relativos a alienação de partes de capital de sociedade portuguesa (categoria G - Mais-Valias), indicar de 1 de janeiro do ano X até ao dia da alienação dessa participação;
- Tipo de sujeito passivo – "Não residente sem estabelecimento estável”;
- Colocar Regime Geral;
- Indicar simultaneamente como 1.ª declaração (e como declaração de cessação, indicando a data da cessação, se tiver procedido imediatamente à cessação de atividade);
- A data da transmissão deve ser indicada no campo 8, quando se tratarem de rendimentos resultantes de mais-valias pela alienação de partes de capital;
- Não se preenche o quadro 07 (o apuramento do lucro tributável será feito no Anexo E da IES);
- Assinalar a taxa de 25% indicada no campo 266, mais-valias mobiliárias obtidas por entidades não residentes sem estabelecimento estável (artigo 87.º n.º 4 do CIRC);
- No quadro 09, relativo ao apuramento da matéria tributável, indicar lucro tributável na coluna Regime geral (campo 302) - valores transportados do quadro 04 do Anexo E da IES;
- Indicar matéria coletável nos campos 311 e campo 346 do quadro 09;
- A coleta é apurada nos campos 348 (25%) e 349 (valor do imposto) do quadro 10;
- Não se aplica a derrama municipal, pois não existe lucro tributável.
4) Deverá ser entregue o Anexo E da IES.
5) A Modelo 22 e a IES referidas nos pontos 3 e 4 têm os mesmos prazos de entrega que estão previstos para as sociedades residentes nos termos dos artigos 120.º e 121.º do CIRC.