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Microentidades – Transparência fiscal
21 Agosto 2017
Parecer técnico do departamento de consultoria da Ordem
PT19439 – Microentidades – Transparência fiscal
01-07-2017

Quais são todos os lançamentos contabilísticos a efetuar no caso de uma sociedade enquadrada em regime de transparência fiscal (microentidade) aquando do apuramento de resultados e respetiva distribuição?
Por exemplo, supondo que a sociedade tem um resultado antes de impostos no valor de 2.000,00 euros, tributações autónomas no valor de 500,00 euros, um resultado líquido do exercício de 1.500,00 euros e, por acréscimos à matéria coletável, foi tributado em IRS no valor de 2.500,00 euros. Qual o valor que se poderá transferir para a conta pessoal do sócio(s)? E se tiver havido adiantamentos por conta?

Parecer técnico

A questão colocada refere-se ao tratamento contabilístico da estimativa de imposto sobre o rendimento, do apuramento e distribuição de resultados por uma sociedade enquadrada no regime de transparência fiscal.
Em termos contabilísticos e da legislação comercial, há que referir o seguinte:
As relações entre os sócios de uma sociedade transparente e entre estes e a própria sociedade são determinadas de acordo com as regras do Código das Sociedades Comerciais, tendo exatamente as mesmas obrigações e direitos que as restantes sociedades comerciais.
Os sócios de uma sociedade transparente têm direito aos lucros gerados pela própria sociedade de acordo com o definido no contrato de sociedade ou deliberado em Assembleia-geral.
A divisão dos lucros é normalmente em função da respetiva participação na sociedade ou numa proporção distinta dessa participação, se existir uma deliberação nesse sentido, aprovada por uma maioria de três quartos dos votos expressos.
Atendendo a estas normas societárias é possível efetuar "retiradas" da sociedade pelos sócios, mas apenas no âmbito de uma deliberação de distribuição de lucros em Assembleia-Geral de Sócios, podendo a mesma acontecer no momento da aprovação das contas ou num momento anterior, aprovando-se adiantamentos por conta de lucros.
Como se verifica, em termos contabilísticos e societários, não se imputa a matéria coletável aos sócios, esse procedimento é meramente fiscal.
A imputação e tributação dos valores atribuídos aos sócios acontece independentemente de existir ou não distribuição de lucros por parte da sociedade, sendo esta uma das grandes diferenças que existe entre uma sociedade enquadrada no regime geral e uma outra enquadrada no regime de transparência fiscal: a qualificação (para efeitos fiscais) da operação de distribuição de lucros.
O tratamento contabilístico dos lucros da sociedade transparente apurados em determinado exercício é exatamente idêntico às sociedades comerciais, devendo o mesmo ser transferido para resultados transitados no início no ano seguinte ao período em causa, e a seguir ser transferido para as respetivas contas dos sócios, reservas legais ou outra situação, em função da deliberação na Assembleia geral de aprovação de contas e aplicação de resultados.
O cálculo da estimativa de imposto corrente, a registar no final de cada período, terá apenas a componente das tributações autónomas, atendendo a que a sociedade apenas fica sujeita a pagar tributações autónomas de IRC, conforme previsto no artigo 12.º do Código do IRC.
No regime de transparência fiscal, a distribuição de lucros é excluída do conceito de rendimentos de capitais (na esfera do beneficiário), logo, os sócios, ainda que possuindo personalidade jurídica autónoma, podem dispor dos meios financeiros da sociedade sem que haja lugar a retenção na fonte, naturalmente tendo em consideração as limitações impostas pelo Código das Sociedades Comerciais.
Neste regime, a tributação ocorre apenas no final de cada período económico, sendo o rendimento apurado na sociedade imputado à esfera pessoal dos sócios como um rendimento líquido da categoria B, mesmo que os sócios deliberem não existir distribuição dos lucros gerados.
Assim, os adiantamentos por conta de lucros efetuados pelos sócios das sociedades de profissionais, tal como os lucros do período distribuídos, não estão sujeitos a retenção na fonte, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, na medida em que não revestem a natureza de rendimentos de capitais, visto que se consideram excluídos da Categoria E de IRS.
Esta tributação do regime de transparência fiscal manteve-se até ao exercício de 2008. No entanto, o Orçamento de Estado para 2009, Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro introduziu algumas alterações no que diz respeito à imputação e tributação dos valores atribuídos aos sócios pela sociedade de profissionais, nomeadamente no artigo 20.º do CIRS.
Essas alterações incluem o conceito de adiantamento por conta de lucros na referida imputação. A partir do exercício de 2009, é considerado, para efeitos de tributação ao sócio, o valor desse adiantamento por conta de lucros, quando este for superior ao valor da percentagem da imputação ao sócio da matéria coletável apurada da sociedade transparente.
Outra alteração é a possibilidade de fazer-se ajustamentos ao valor da imputação aos sócios em anos posteriores, quando se tenham tributado antes os referidos adiantamentos, de forma a eliminar qualquer duplicação de tributação.
De acordo com este tratamento fiscal das sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal, conclui-se que o que irá ser tributado em termos de IRS na esfera dos sócios é a matéria coletável (na devida proporção) e não os lucros distribuídos pela sociedade aos sócios, exceto se tais montantes forem superiores a essa matéria coletável.
Em termos contabilísticos, o tratamento da distribuição dos lucros das sociedades comerciais (incluindo sociedades transparentes) aos sócios pode ser: em primeiro lugar transferir o resultado líquido para resultados transitados no início no ano seguinte ao período em causa, e a seguir ser transferido as respetivas contas em função da aplicação deliberada na Assembleia geral de aprovação de contas e aplicação de resultados.
No caso dos lucros, essas quantias pagas devem ser registadas na conta 26 - "Sócios", conforme se segue:
No início de cada período (em 01/01/N):
Pela transferência do resultado líquido do período apurado no período anterior (N-1):
- Débito/crédito da conta 818 - "Resultado Líquido do Período" por contrapartida a crédito/débito da conta 56 - "Resultados transitados", pelo montante do resultado líquido (positivo ou negativo).
Na data da aprovação das contas e distribuição dos lucros:
Pela deliberação de distribuição de lucros do período (ou de lucros retidos):
- Débito da conta 56 - "Resultados Transitados" por contrapartida da conta 264 - "sócios - Resultados Atribuídos", pelo montante distribuído.
Na data da disponibilização dos lucros:
Por essa disponibilização e regularização dos adiantamentos por conta de lucros:
- Débito da conta 264 - "Sócios - Resultados Atribuídos", pelo montante atribuído na Distribuição;
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 263 - "Sócios - Adiantamentos por conta de lucros", pelo montante adiantado a regularizar (se for o caso);
- Crédito da conta 265 - "Sócios - Lucros disponíveis", pelo montante disponível a entregar aos sócios (já liquido de retenção na fonte);
Na data do pagamento dos lucros aos sócios:
- Débito da conta 265 - "Sócios - Lucros disponíveis" por contrapartida a crédito da conta 12 - "Depósitos à ordem", pelo montante pago.