No prazo anunciado pelo Governo para o pagamento das primeiras comparticipações ao "lay-off”, são muitas as empresas que ainda não receberam um cêntimo do Estado. Obter respostas da Segurança Social também não tem sido fácil. "É uma questão de sorte”, desabafa a bastonária dos contabilistas
"Tive de recorrer ao meu património pessoal para conseguir pagar os salários no último mês”. O testemunho é de Maria Gray, dona da cadeia de restauração Local. Your Healthy Kitchen, que continua sem receber a comparticipação da Segurança Social que requereu a 3 de abril. Em causa estão as remunerações de 108 funcionários que colocou em regime de lay-off com suspensão total de horário e que, depois de sucessivas derrapagens no calendário, o Governo garantiu que estariam comparticipadas até 5 de maio.
5 de maio chegou mas para empresários como Maria, o dinheiro ainda não. Nem chegou o dinheiro, nem chegou qualquer indicação sobre onde pára o processo, ao mesmo tempo em que os contactos com a Segurança Social através do telefone são quase impossíveis.
Na semana passada, Maria Gray já tinha partilhado com o Expresso dificuldade em aceder ao regime de lay-off simplificado e esta terça-feira, no dia que o Governo tinha dado como prazo para pagar, continuava sem receber a comparticipação.
A empresária disse ao Expresso que não terá capacidade para voltar a dispor do seu património para adiantar o dinheiro que deveria ser o Estado a avançar. Tem consultado a página da Segurança Social Direta. "O meu processo continua exatamente no mesmo estado. Não sei se sequer se está aprovado, quanto mais quando vou receber”, contou. Quer Maria quer a sua contabilista continuam sem conseguir obter esclarecimentos junto da Segurança Social. A empresária tinha também recorrido a uma linha de crédito, através do BPI, mas "também não está concluído o processo e já lá vai um mês”. "É tudo apresentado como simples, mas o dinheiro continua a não chegar às empresas”, relatou.
A bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), Paula Franco, assegurou esta terça-feira ao Expresso que "relativamente aos lay-offs iniciais [submetidos até 10 de abril e a pagar até hoje] os processos não estão todos pagos”. "Existem milhares de processos por pagar. A mensagem que podemos passar aos empresários é que o seu caso não é caso único”, afirmou Paula Franco.
Entretanto, esta terça-feira à tarde o Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social divulgou um comunicado dando conta de que já foram feitos pagamentos a 64,5 mil empresas (com 492 mil trabalhadores abrangidos pelos respetivos lay-offs), no montante total de 190 milhões de euros. O Governo estima que até dia 15 de maio proceda ao pagamento de todos os pedidos aprovados que tenham dado entrada até ao dia 30 de abril.
"Os empresários tentam ligar para a Segurança Social mas é tudo uma questão de sorte. Conseguir ser atendido é uma questão de sorte. E o atendimento presencial, sendo diferido no tempo e para datas posteriores ao prazo do lay-off, não serve. O atendimento físico não é solução”, frisa a bastonária dos contabilistas.
Pouca sorte tem tido também, por exemplo, José Brito e Abreu, que continua sem ter resposta para os dois requerimentos de lay-off que apresentou. O agricultor submeteu o primeiro pedido ainda em março, "logo quando o mecanismo foi apresentado”, e renovou o pedido um mês depois, como está previsto na lei. Esperava ter recebido a comparticipação do Estado a 28 de abril, depois a 30, mas até agora "nada”. Tem continuado a pagar os salários dos 9 trabalhadores que emprega com recurso aos fundos de tesouraria da empresa que "só aguentam mais um mês2. Informações sobre o estado dos requerimentos não tem. "Ninguém me contactou para retificar nada, mas também ninguém me diz quando vou receber”, lamenta.
Mas há também quem tenha conhecido melhor destino. Quando o Expresso lhe ligou esta terça-feira, Serafim Freitas, dono de uma clínica dentária, tinha acabado de saber que a Segurança Social acabara de pagar o lay-off de duas funcionárias administrativas (uma contratada a tempo inteiro e a outra em horário parcial). O médico estomatologista é sócio-gerente da Clínica de Saúde Oral do Candal, em Vila Nova de Gaia, tinha feito a candidatura ao subsídio no início de abril e aguardava a transferência, como relatou ao Expresso na semana passada.
Os restantes dez membros (médicos e técnicos) da pequena unidade de saúde clínica são trabalhadores independentes e, por isso, não estão abrangidos pelo apoio. Recebeu 568,50 euros do Estado no dia em que voltou a abrir as portas da clínica, encerrada desde o dia 13 de março. O valor diz respeito ao período entre 14 de março e 14 de abril e, agora, Serafim Freitas vai submeter um novo processo para o pagamento dos dias seguintes até 4 de maio.
Para a tarde desta terça-feira tinha agendado o atendimento do primeiro doente "neste novo normal”, que obriga a grandes medidas de segurança, até porque a sua especialidade ‘trabalha’ na área infetante no caso da covid-19, ou seja, a boca. "Agora as consultas passam a ter, pelo menos, uma hora, porque há uma maior exigência em termos de assepsia, desinfeção, bem como de equipamentos de proteção”, explica o médico. As novas regras implicam custos extra para a atividade e serão pagos pelos clientes. "São cinco euros a mais por consulta”, revela o médico.
EM CONTACTO COM A SEGURANÇA SOCIAL
A OCC mantém-se em contacto com a Segurança Social para perceber porque é que muitos processos continuam sem resposta. E num momento em que as atividades económicas começam a poder reabrir Paula Franco deixa uma recomendação. "Os empresários com estabelecimentos que podem reabrir têm de avaliar essa hipótese com cuidado. Devem manter o lay-off parcial, porque neste momento provavelmente não vão ter ainda o retorno que esperam. E o pedido [para renovação do lay-off parcial] será sempre através do formulário de prorrogação do lay-off e não de um formulário para novo lay-off. A instrução que deixamos é que todos os processos que sejam para dar continuidade ao lay-off sejam feitos através do formulário de prorrogação”, declarou.
Nas próximas horas os serviços do Estado poderão ainda transferir muitas das verbas que os empresários anseiam para pagar salários. E a Segurança Social tem estado a trabalhar para isso, embora não haja um critério claro que ajude a perceber por que alguns empresários já receberam as comparticipações e outros não.
João Talone, um dos donos da Fábrica de Cervejas Portuense (que produz as cervejas Nortada), declarou esta terça-feira ao Expresso que a sua empresa recebeu os pagamentos da Segurança Social esta segunda-feira, um dia antes do prazo de 5 de maio. A empresa, que conta com cerca de 60 trabalhadores, manterá em "lay-off” pouco mais de metade dos funcionários (sobretudo os que estão afetos ao restaurante), mas já começou a chamar para trabalhar parte do pessoal da área cervejeira.
Talone lamenta, todavia, que as linhas de crédito anunciadas há largas semanas pelo Governo, continuem a não chegar à maior parte do tecido empresarial, a braços com problemas sérios de liquidez.
Até esta segunda-feira mais de 100 mil empresas, com 1,2 milhões de trabalhadores, tinham requerido a adesão ao "lay-off” simplificado. O Governo estima gastar 300 a 400 milhões de euros por mês com a comparticipação de salários dos trabalhadores abrangidos pela suspensão temporária do contrato de trabalho.
Inicialmente o Governo tinha dito que o dinheiro do lay-off seria transferido no dia 28 de cada mês (para as candidaturas entradas até ao início do mês). Mais tarde, contudo, criou um calendário de três dias (24, 28 e 30 de abril). E, na semana passada, reconheceu que não conseguiria cumprir o calendário e acrescentou mais um prazo: 5 de maio.
Chegados a 5 de maio, contudo, há quem ainda não tenha recebido o dinheiro nem saiba onde para o seu processo nem consiga falar con a segurança social por telefone.
Link para a edição online (apenas para assinantes): aqui