Moedas virtuais
07-10-2021
Uma sociedade que acabou de ser constituída tem como principal atividade a produção de moedas virtuais. Estas moedas são produzidas a partir da validação e geração de consenso entre transações e decorrem da exploração de equipamento informático.
Qual o enquadramento em sede de IRC desta atividade e como pode ser apurado o lucro tributável? Qual o enquadramento em sede de IVA deste tipo de atividade? Não se sabe a quem são prestados estes serviços de validação e geração de consensos que geram as moedas virtuais. Será necessário emitir fatura?
Parecer técnico
A questão colocada está relacionada com o tratamento contabilístico e fiscal na atividade de produção de moedas virtuais "bitcoins” (atividade de mineração, ou "mining” de criptomoedas).
Neste âmbito começamos por referir que na ausência de diretrizes relativamente aos equipamentos para mineração de critptomoedas (apesar da atividade de mineração seja a obtenção de uma remuneração, não é o equipamento em si que é rentabilizado), somos do entendimento que deve ser reconhecido como um ativo fixo tangível e depreciado como um computador que na realidade é. Sendo esse o objeto social da sociedade, não vemos preceito legal para a não aceitação fiscal das respetivas depreciações.
Quanto aos ganhos da mineração de criptomoedas, devem ser reconhecidos em nosso entender como outros rendimentos.
Em sede de IRC, os rendimentos concorrem para o apuramento do resultado tributável.
Sobre a contabilização das criptomoedas ainda não existem diretrizes nem dos organismos internacionais como o IAS, nem do órgão nacional regulador que é a Comissão de Normalização contabilística. Ou seja, não há ainda certezas. Existem já, contudo, muitos estudos e conferencias internacionais que debatem a contabilização das criptomoedas.
O parágrafo 3 das IAS 38 (Norma Internacional de Contabilidade – Inventários) inclui uma exceção para os ativos intangíveis detidos para venda no decurso ordinário da atividade empresarial.
Estes ativos são objeto da IAS 2 – Inventories/Inventários e assim sendo, são registados pelo menor dos dois valores: custo ou valor realizável líquido (exceto para os inventários detidos por traders/brokers de mercadorias).
Acrescenta ainda que não é muito claro como a expressão «detidos para venda no decurso ordinário das atividades» deve ser interpretada no contexto das moedas digitais.
Exemplificando, não é claro se entidades que aceitam criptomoedas como um meio de pagamento devem considerar como as detendo para venda no decurso ordinário da atividade empresarial.
Acrescendo ainda que a IAS 2 não se aplica à mensuração de inventários detidos por corretores ou negociantes (traders ou brokers) de inventários, os quais aplicam o justo valor menos os custos de vender e reconhecem as alterações no justo valor em gastos por redução do justo valor e rendimentos por aumento do justo valor nas suas demonstrações financeiras.
Os corretores ou negociantes (brokers ou traders) são aquelas empresas que compram e vendem mercadorias para outrem ou em seu próprio nome. Não é ainda igualmente claro se as criptomoedas podem ser classificadas como commodity no âmbito da IAS 2.
Assim sendo, se o sujeito passivo compra e vende criptomoedas em seu próprio nome e não em nome dos clientes, existem vários estudos que entendem que as moedas virtuais devem ter o tratamento contabilístico de inventários.
Ou seja, a compra pode ser considerada como inventário (conta 32) e na venda o apuramento do custo das existências vendidas e consumidas.
Ou seja, a empresa adquire bitcoin com o objetivo de valorização o que implica uma venda posterior.
Não sendo esse o objeto principal a compra e venda podem ser registadas no item à parte não reunindo à data atual os critérios das normas contabilísticas para serem registadas como investimentos financeiros.
Para ser considerado como caixa, as bitcoin têm que ser consideradas como dinheiro, ou seja, como uma moeda com valor e aceitação legal por todas as entidades, privadas e públicas.
As Bitcoins podem ser utilizadas como meio de pagamento. Todavia, como a maior parte das empresas privadas e as entidades públicas, ainda não consideram as bitcoins como uma moeda oficial ou como um meio de pagamento possível, não parece possível a classificação das bitcoins como "caixa” (dinheiro).
De acordo com o parágrafo 3 da NCRF 2 – Demonstração de fluxos de caixa, equivalentes de caixa são investimentos financeiros a curto prazo, altamente líquidos que sejam prontamente convertíveis para quantias conhecidas de dinheiro e que estejam sujeitos a um risco insignificante de alterações de valor.
A Bitcoin não é um investimento altamente líquido nem é facilmente convertível em quantias conhecidas de dinheiro (em moeda legalmente aceite).
Apesar da bitcoin poder ser trocada por moeda legal, esta não é na realidade altamente líquida, atendendo a que, a maioria dos bancos comerciais ainda não aceita depósitos ou contas em Bitcoins.
As bitcoins também não são facilmente convertíveis em quantias conhecidas de dinheiro, face às grandes variações do valor de câmbio dessa moeda virtual para qualquer moeda legal.
Desta forma, as bitcoins também não podem ser classificadas como equivalentes de caixa.
De acordo com o parágrafo 7 da NCRF 23 – Efeitos de alterações em taxas de câmbio, itens monetários são unidades monetárias detidas e ativos e passivos a receber ou a pagar num número fixado ou determinável de unidades monetárias.
A bitcoin continua a não cumprir esta definição, pois o seu valor não é fixo ou pré-determinado, pois varia em função do mercado.
Apesar de parecer possível, os normativos contabilísticos também não preveem a classificação das bitcoins como ativo financeiro.
De acordo com o parágrafo 5 da NCRF 27 – Instrumentos financeiros, um ativo financeiro é um ativo que seja dinheiro, um instrumento de capital próprio de uma outra entidade ou um direito contratual para receber ou trocar outro ativo financeiro.
Já se referiu que a bitcoin não é caixa (dinheiro), e com certeza que também não é um instrumento de capital próprio de uma outra entidade ou um direito contratual de receber dinheiro ou outro ativo financeiro.
De acordo com o parágrafo 5 da NCRF 27 – Instrumentos financeiros, um instrumento financeiro é um contrato que dá origem a um ativo financeiro numa entidade e a um passivo financeiro ou instrumento de capital próprio noutra entidade.
As Bitcoins não representam qualquer contrato que dê direitos a ativos financeiros, passivos financeiros ou instrumentos de capital próprio de outra entidade.
Desta forma, a bitcoin não é um ativo financeiro ou qualquer outro instrumento financeiro.
As bitcoins são itens sem substância física pelo que há que verificar se podem ser classificadas como ativos desse tipo, tal como inventários ou ativos intangíveis.
O parágrafo 8 da NCRF 6 – Ativos intangíveis define os ativos intangíveis como ativos não monetários identificáveis sem substância física.
Para que um dispêndio possa ser definido como um ativo intangível, há a necessidade do cumprimento de três condições: identificabilidade, controlo e benefícios económicos futuros.
Um ativo intangível satisfaz a condição de identificabilidade quando este for separável do conjunto da entidade, de modo que possa ser vendido, transferido, licenciado, alugado ou trocado, ou então, quando este resultar de direitos contratuais ou legais separáveis da entidade.
Uma entidade controla um ativo se tiver o poder de obter benefícios económicos futuros relacionados diretamente com esse ativo intangível, e possa restringir o acesso de terceiros a esses benefícios. Normalmente, esse poder advém de direitos legais que a empresa possua sobre esse ativo intangível (ex. copyrights).
Os benefícios económicos futuros relacionados com o ativo intangível podem incluir réditos da venda ou prestações de serviços, poupanças de custos ou outros benefícios resultantes do uso desse ativo pela entidade.
No caso da aquisição das bitcoins como investimento, parecem estar cumpridas as condições referidas.
Tal dispêndio cumpre o critério da identificabilidade, pois resulta de um direito separável do valor intrínseco da própria entidade, uma vez que cada unidade de bitcoin pode ser vendida ou trocada em mercado.
Cumpre ainda o critério do controlo, pois a entidade adquirente tem o poder de controlar a obtenção de benefícios económicos futuros que venham a fluir desse dispêndio, sendo essa uma opção a ser efetuada pela própria entidade sem necessidade de consentimento de terceiros.
Por último, cumpre também o critério de benefícios económicos futuros, pois espera-se vir a obter tais benefícios em resultado da sua venda ou troca a terceiros.
Tal como referido acima, as bitcoins não são considerados como ativos monetários, sendo identificáveis, pois podendo ser vendidos ou trocadas em unidades específicas. Atendendo a que são moedas virtuais não possuem substância física.
As bitcoins parecem cumprir a definição de ativos intangíveis.
Todavia, face ao espírito de criação da NCRF 6, e dos tratamentos contabilísticos aí previstos, não parece apropriado que as bitcoins possam ser classificadas como ativos intangíveis.
A NCRF 6 determina o tratamento contabilístico para os ativos sem substância física usados na atividade operacional da empresa para produzir fluxos caixa, em conjunto com outro tipo de ativos e recursos da empresa.
Os exemplos destas realidades são marcas, patentes, propriedade industrial ou outro tipo de direitos detidos pela empresa, para serem utilizados no desenvolvimento da atividade operacional da entidade em conjunto com os restantes recursos da empresa.
Esta NCRF 6 não prevê um tratamento contabilístico para ativos detidos para negociação ou venda especulativa, ou que tenham caraterísticas de investimento financeiro ou para itens com caraterísticas similares a meios de pagamento a serem utilizados para pagar a aquisição de outros bens ou serviços.
Em termos de mensuração subsequente, a NCRF 6 estabelece que os ativos intangíveis sejam mensurados pelo modelo do custo ou pelo modelo da revalorização, desde que exista um mercado ativo.
A utilização do modelo da revalorização apesar de se basear no valor de mercado do ativo, determina que essas variações sejam reconhecidas por contrapartida de capital próprio (resultado integral), e não nos resultados do período.
Face a este enquadramento, apesar das bitcoins cumprirem a definição de ativo intangível, não parece apropriada tal contabilização, atendendo à natureza e objetivo de detenção das moedas virtuais, que são adquiridas para virem a gerar benefícios económicos para entidade pela respetiva venda ou troca, ou serem utilizadas como meio de pagamento na aquisição de bens ou serviços.
Existindo um mercado ativo para as bitcoins, que possui uma volatilidade muito grande, a mensuração subsequente mais apropriada parece ser o justo valor com alterações através de resultados, para refletir nas demonstrações financeiras o respetivo valor de mercado desses ativos. A NCRF 6 não prevê esse modelo de mensuração.
De acordo com o parágrafo 3a) da NCRF 6, os ativos intangíveis detidos por uma entidade para venda no decurso ordinário da atividade empresarial não devem ser contabilizados nos termos da NCRF 6, devendo ter o tratamento contabilístico previsto para os inventários nos termos da NCRF 18.
De acordo com o parágrafo 6 da NCRF 18, inventários são ativos detidos para venda no decurso ordinário da atividade empresarial; detidos no processo de produção para tal venda; ou detidos na forma de materiais ou consumíveis a serem aplicados no processo de produção ou na prestação de serviços.
Assim, se a atividade ordinária (corrente) da entidade for a venda de moedas virtuais, as aquisições e detenções desse tipo de moedas podem ser classificadas como inventários.
Todavia, se a empresa em causa não exercer essa atividade, tendo apenas adquirido essas moedas virtuais como investimento financeiro ou para ser utilizadas como meios de pagamentos, já não é possível essa classificação como inventários.
Caso a entidade exerça essa atividade, classificando as bitcoins como inventários, a entidade deve ainda determinar se é uma entidade corretora/negociadora de mercadorias (commodities).
Nos termos do parágrafo 3b) da NCRF 18, as entidades corretoras/negociadoras de mercadorias (commodities) não efetuam mensuração dos inventários nos termos da NCRF 18 (custo ou valor realizável líquido), devendo utilizar a valorização ao justo valor menos custos de vender com alterações através de resultados do período.
O parágrafo 5 da NCRF 18 estabelece que entidades corretoras/negociadoras são aquelas que compram ou vendem de mercadorias (commodities) para outros ou por sua própria conta.
Essas commodities são essencialmente adquiridos com a finalidade de serem vendidos no futuro próximo e de gerar lucro com base nas variações dos preços ou na margem dos corretores/negociantes.
Não é claro que as moedas virtuais cumpram a definição de commodities.
Não resulta claro do SNC ou das normas internacionais de contabilidade um tratamento específico para as Bitcoins e outras moedas virtuais.
Não há dúvida que a aquisição de Bitcoins pela entidade deve ser considerada como ativo, pois cumprirão a definição e os critérios de reconhecimento previstos nos parágrafos 49 e 87 da Estrutura conceptual do SNC.
A NCRF 1 – Estrutura e conteúdo das demonstrações financeiras estabelece, no seu parágrafo 25, o conteúdo mínimo do balanço, remetendo para o modelo previsto na Portaria n.º 220/2015, 24/07 (Anexo 1).
Nesse conteúdo mínimo, estão previstas rubricas para apresentação dos itens reconhecidos nos termos das NCRF, nomeadamente os instrumentos financeiros, inventários, ativos intangíveis, caixa e equivalentes de caixa.
De acordo com o parágrafo 26 da NCRF 1, é possível adicionar linhas ao balanço, para além do referido modelo (com as rubricas das NCRF), quando tal apresentação for relevante para uma melhor compreensão da posição financeira da entidade.
Desta forma, é possível, se entidade considerar as bitcoins como um item material relevante, criar uma linha específica no balanço (no ativo não corrente ou no ativo corrente), para apresentar a posição financeira relativa a esses ativos detidos.
Caso não seja materialmente relevante, esse ativo referente às bitcoins pode ser apresentado na rúbrica «Créditos a receber» do ativo não corrente ou na rúbrica «Outros créditos a receber» do ativo corrente.
A questão da avaliação, se uma determinada operação (facto ou transação) é material, ou não, deve ser efetuada pela entidade em causa, não dependendo exclusivamente dos montantes em causa, mas também da natureza e dimensão das operações, e da situação económica e financeira da própria entidade, conforme previsto nos parágrafos 29 e 30 da estrutura conceptual do SNC.
O que a entidade deve verificar para efetuar esse juízo de valor na determinação da materialidade é aferir se esse facto irá influenciar a tomada de decisão dos utilizadores das demonstrações financeiras.
Quanto à apresentação no balanço como ativo não corrente ou ativo corrente, há que atender às definições previstas no parágrafo 14 e seguintes da NCRF 1.
Um ativo deve ser classificado como corrente quando satisfizer qualquer dos seguintes critérios:
– Espera-se que seja realizado, ou pretende-se que seja vendido ou consumido, no decurso normal do ciclo operacional da entidade;
– Esteja detido essencialmente para a finalidade de ser negociado;
– Espera-se que seja realizado num período até doze meses após a data do balanço; ou
– É caixa ou equivalente de caixa, a menos que lhe seja limitada a troca ou sejam usados para liquidar um passivo durante pelo menos doze meses após a data do balanço.
Todos os outros ativos devem ser classificados como não correntes.
Como ativos não correntes devem incluir-se os ativos fixos tangíveis, intangíveis e financeiros cuja natureza seja de longo prazo.
No caso em concreto, a entidade deve avaliar, através de julgamentos e juízos de valor, em cada data de relato, qual o objetivo de detenção das bitcoins.
Se as mesmas tiverem sido detidas para serem negociadas, num período que se espera ser de curto prazo, ou o objetivo seja a sua utilização como meio de pagamento na aquisição de bens e serviços da atividade operacional, esses ativos devem ser apresentados como ativos correntes.
Por outro lado, se essas moedas virtuais forem detidas numa lógica de investimento estratégico de longo prazo, não estando destinadas a ser negociadas ou utilizadas como meio de pagamento, estas podem ser apresentadas como ativos não correntes no balanço da empresa.
Chegando à forma de apresentar no balanço, resta saber como se pode mensurar essas bitcoins.
De acordo com o parágrafo 97 a 99 da estrutura conceptual do SNC, existe a possibilidade de utilizar várias bases de mensuração, em separado ou em conjunto, como por exemplo, o custo histórico, o custo corrente, o valor realizável líquido, o valor presente ou o justo valor.
Normalmente, a base de mensuração adotada pelas entidades ao preparar as suas demonstrações financeiras é o custo histórico, pelo menos inicialmente, sendo possível a sua combinação subsequente com outras bases de mensuração.
No reconhecimento inicial de um ativo, normalmente, deve ser utilizado o custo, que é o justo valor nessa data.
Subsequentemente, pode manter esse ativo reconhecido por esse justo valor a essa data, que passa a ser o seu custo histórico, ou utilizar outra base de mensuração como o valor realizável líquido ou o justo valor a cada data de relato, por exemplo.
No caso das Bitcoins, não há dúvida que estas devem ser reconhecidas e mensuradas inicialmente pelo respetivo custo de aquisição (justo valor à data de aquisição).
Falta perceber se é adequado manter essa mensuração pelo custo histórico ou se é mais apropriado utilizar a mensuração do justo valor a cada data de relato.
Como existem cotações num mercado ativo para as bitcoins, pode ser apropriado efetuar ajustamentos ao custo desse ativo pelo justo valor a cada data de relato, pois essas cotações refletem o valor desses itens
Pressupondo que seja essa a mensuração adequada para as bitcoins, falta perceber se esses ganhos e perdas de variações de justo valor devem ser reconhecidas nos resultados de cada período ou se devem ser reconhecidas em capitais próprios (como resultados retidos ou reservas).
De acordo com o parágrafo 30 da NCRF 1, «todos os itens de rendimentos e de gastos reconhecidos num período devem ser incluídos nos resultados a menos que uma Norma o exija de outro modo.»
No caso concreto das bitcoins, já se constatou que parece não existir um tratamento específico numa NCRF nem nas IAS, pelo que face à referida regra parece que esses ganhos ou perdas de variações de justo valor devem ser reconhecidos nos resultados do período.
Se o objetivo da sua aquisição for a respetiva detenção para valorização e obtenção de benefícios futuros com a respetiva venda, mas no longo prazo, parece não fazer sentido reconhecer esses ganhos ou perdas em resultados do período, pois os mesmos mantêm-se por realizar efetivamente.
Nestas situações, parece mais apropriado reconhecer esses ganhos e perdas pelas variações de justo valor das bitcoins em capital próprio (reservas não distribuíveis).
É, claro, que tal mensuração não se enquadra em qualquer NCRF, nem sequer existe tal procedimento previsto na estrutura conceptual.
No entanto, face à realidade dos factos este parece o procedimento de reconhecimento e mensuração que mais se adequa e que é mais apropriado, e atendendo à necessidade de transparência na preparação e apresentação das demonstrações financeiras, a entidade deve proceder à definição e divulgação desta política contabilística para as bitcoins.
Se as bitcoins forem detidas para negociação, esperando-se obter benefícios económicos futuros por vendas ou trocas no curto prazo, não há dúvida que a mensuração subsequentemente mais apropriada é o justo valor com alterações através dos resultados do período.
Esta lógica de mensuração subsequente está prevista ao longo das NCRF que tratam ativos. É o caso de ativos não correntes como os ativos fixos tangíveis e intangíveis, que normalmente são detidos para serem realizados através do uso na atividade numa perspetiva de longo prazo (e não através de venda), cuja mensuração subsequente ao justo valor determina que as alterações sejam reconhecidas através de capital próprio (reservas não distribuíveis).
Por outro lado, os ativos detidos para serem negociados e vendidos com objetivos especulativos, tal como os ativos financeiros e as propriedades de investimento podem ser mensurados subsequentemente pelo justo valor com alterações através de resultados do período.
Quanto à alineação das Bitcoins, o tratamento contabilístico depende da classificação inicial e da mensuração subsequente utilizada.
Se estas foram classificadas como ativos correntes, com mensuração subsequente ao justo valor com alterações através de resultados do período, o ganho obtido pela venda resulta da diferença entre o rédito pela venda e a quantia escriturada à data da alienação (data de relato do período anterior).
Apesar de não serem considerados como investimentos ou instrumentos financeiros, por falta de conta apropriada, sugere-se a utilizada da conta 14 ou da conta 41 para os registos contabilísticos das bitcoins.
Os registos contabilísticos podem ser, pela venda:
– Débito da conta 12 – Depósitos à ordem, pelo montante da contraprestação de rédito a obter;
– Débito da conta 6862 – Gastos nos restantes investimentos financeiros – Alienações, pela diferença negativa entre o rédito e a quantia escriturada (se for o caso);
Por contrapartida a:
– Crédito da conta 143 – Outros instrumentos financeiros, pela quantia escriturada à data da venda;
– Crédito da conta 7862 – Rendimentos nos restantes ativos financeiros – Alienações, pela diferença positiva entre o rédito e a quantia escriturada (se for o caso).
Se estas foram classificadas como ativos não correntes, com mensuração subsequente ao justo valor com alterações através de capital próprio, o ganho obtido pela venda resulta da diferença entre o rédito pela venda e a quantia escriturada à data da alienação (data de relato do período anterior).
Os registos contabilísticos podem ser:
Pela venda:
– Débito da conta 12 – Depósitos à ordem, pelo montante da contraprestação de rédito a obter;
– Débito da conta 6862 – Gastos nos restantes investimentos financeiros – Alienações, pela diferença negativa entre o rédito e a quantia escriturada (se for o caso);
Por contrapartida a:
– Crédito da conta 41x – Investimentos financeiros, pela quantia escriturada à data da venda;
– Crédito da conta 7862 – Rendimentos nos restantes ativos financeiros – Alienações, pela diferença positiva entre o rédito e a quantia escriturada (se for o caso).
Pela realização das alterações de justo valor de períodos anteriores:
– Débito da conta 599x – Outras variações de capital próprio – Outras – Variações de justo valor por contrapartida a crédito da conta 56 - Resultados transitados, pelo montante acumulado de ajustamentos de justo valor das bitcoins.
Tratando-se de aquisições e/ou vendas de bitcoins, com valorização numa moeda estrangeira (por exemplo, dólares dos Estados Unidos), há que atender aos efeitos das alterações de taxas de câmbio previsto na NCRF 23 – Efeitos das alterações de taxas de câmbio.
Nos termos do parágrafo 20 da NCRF 23, uma transação em moeda estrangeira, nomeadamente a aquisição de um item não monetário (como as Bitcoins), deve ser registada, no momento do reconhecimento inicial na moeda funcional (neste caso o euro), pela aplicação à quantia de moeda estrangeira da taxa de câmbio entre a moeda funcional e a moeda estrangeira à data da transação (à data da aquisição).
Em termos de reconhecimento subsequente, o parágrafo 22 da NCRF 23 estabelece que os itens não monetários mensurados pelo justo valor numa moeda estrangeira devem ser transpostos pelo uso da taxa de câmbio à data em que o justo valor foi determinado, ou seja, a cada data de relato, em função das alterações futuras da taxa de câmbio.
Assim, quando um ganho ou uma perda num item não monetário é reconhecido diretamente no capital próprio (por alteração do justo valor), qualquer diferença de câmbio incluída nesse ganho ou perda deve ser reconhecida diretamente no capital próprio.
Quando um ganho ou uma perda com um item não monetário é reconhecido nos resultados, qualquer diferença de câmbio incluída nesse ganho ou perda deve ser reconhecida nos resultados.»
Em sede de IRC, os rendimentos contabilísticos concorrem para a formação do resultado tributável em sede de IRC nos termos gerais.
Relativamente ao tratamento em IVA, existem duas informações vinculativas. A informação vinculativa relativa ao Processo n.º 14v436, de 03/07/2019 considera que a remuneração em criptomoeda é uma prestação de serviços sujeita a IVA e que, o artigo 9.º, alínea 27), subalínea d) do CIVA, abrange, não só as operações relativas à moeda tradicional, mas também as operações relativas à criptomoeda.
A informação vinculativa relativa ao processo n.º 14 763, de 28/01/2019, estabelece que em relação aos documentos a emitir pelas entidades a quem o requerente compra "bitcoins", caso o façam no exercício de uma atividade económica, ou pelas plataformas, e face à ausência de elementos factuais no pedido de informação, esclarece-se, em geral, que só existe obrigação de emissão de fatura com as exigências previstas na legislação nacional, nas situações identificadas no ponto anterior.
Quanto às prestações de serviços de câmbio de "bitcoin", se em resultado da aplicação das regras de processo: n.º 14 763 4 localização das prestações de serviços previstas no n.º 6 e seguintes do artigo 6.º do CIVA, a operação de câmbio, efetuada a título oneroso, se considerar localizada em território nacional, deve emitir a correspondente fatura, nos termos do CIVA, indicando como motivo da não liquidação do imposto a aplicação da isenção prevista no artigo 9.º, n.º 1, alínea 27), subalínea d) do CIVA. 20.
Em termos de suporte documental, sempre que o sujeito passivo aufira comissões ou venda diretamente criptomoedas, sendo uma sociedade aqui sedeada ou um esta estabelecimento estável aqui registado, tem obrigatoriamente que emitir fatura, nos termos gerais.