A lista «negra» do fisco, publicada no Verão passado, provocou uma acesa polémica, sobre se seria esta a forma eticamente mais correcta do Estado pedir contas aos contribuintes faltosos. Logo se levantaram algumas vozes a defenderem que se o Estado expõe e revela sem pudor a referida lista, também deveria dar o exemplo e divulgar a relação completa dos seus credores - tal comportamento só credibiliza e reforça a confiança dos cidadãos. O presidente do Tribunal de Contas (TC), Guilherme dOliveira Martins, foi um dos que veio reclamar essa reciprocidade. Muito criticado quando assumiu funções no TC, Oliveira Martins tem dado provas da sua imparcialidade e transparência, e que a gestão da causa pública não tem cor política, nem obedece a lógicas de esquerda ou de direita. Após a mudança da lei que define as competências deste órgão de soberania, dotando-o de meios mais expeditos para garantir uma maior responsabilização dos agentes do Estado, a instituição tem tido um papel mais interventivo na fiscalização das contas, «controlando os dinheiros públicos, onde quer que eles se encontrem», nas palavras do seu presidente.
Os últimos relatórios da instituição dão-nos motivos de sobra para ficarmos inquietos, com sérios reparos à gestão da Justiça, das empresas municipais, entre outros. Segundo a Constituição, este tribunal especializado de natureza financeira, é um «órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas que a lei mandar submeter-lhe». É este papel de vigilância permanente que o actual responsável máximo do TC tem desempenhado, cumprindo a sua missão, indiferente aos comentários, vindos de todos os quadrantes políticos, criticando-o por acção ou omissão.
Os mais recentes relatórios emanados do TC durante o mês de Março são um forte alerta ao modo de funcionamento da administração pública. O Estado, deve ser e parecer uma pessoa de bem, não deve ter medo de prestar contas. Quem não deve, não teme. É insustentável o Estado continuar a passar para a opinião pública uma imagem de mau pagador e de perdulário, quando se exige diariamente esforços hercúleos a cidadãos que chegam a sobreviver com o ordenado mínimo. Que moral tem um Estado para exigir o integral pagamento de impostos quando ele é o primeiro a não cumprir com as suas dívidas? É uma mensagem errada que se transmite para toda a sociedade e para os agentes privados. Por outras palavras, a máxima de Frei Tomás no seu melhor, com a agravante de estes comportamentos serem altamente lesivos para a economia nacional, acabando mesmo por se revelarem fatais para muitas empresas que, acabam por ficar à beira do abismo, com a «corda na garganta». Segundo o TC, o Estado devia em 2005 cerca de 1500 milhões de euros aos fornecedores de bens e serviços, não considerando áreas tão sensíveis como a indústria farmacêutica, cuidados de saúde ou construção civil. Por isso, é bem-vindo o apelo do ministro Teixeira dos Santos para que o Estado acelere o pagamento de dívidas às empresas, pecando apenas por tardio. O papel dos controladores financeiros nos ministérios, elementos de crucial importância na «máquina» do Estado, mas cujo trabalho tem tido pouca visibilidade, adquire uma enorme preponderância, em nome do rigor e da transparência. Esperamos que os avisos do TC e a função vigilante, e até pedagógica dos controladores, não caíam em saco roto. Sabemos que os hábitos e as mentalidades, à boa maneira portuguesa, não se mudam de um dia para o outro, mas, como em tudo na vida, «o caminho faz-se caminhando».