Já é conhecido o Orçamento do Estado (O.E.) para 2012.
Como documento orientador da atividade do País nos mais diversos domínios, revela-se de grande importância para os cidadãos, pois, não obstante ser previsional, logo sujeito a um conjunto muito complexo de contingências, não deixa de ser revelador dos valores e princípios em que assentará a atividade de Portugal no período da sua vigência.
Independentemente da leitura que cada um faça do Orçamento, considerando a nossa realidade económica e financeira, é garantido que vai exigir de todos nós um esforço suplementar, visando o reequilíbrio das contas públicas.
Sendo indiscutível a sua urgente necessidade, pois vivemos desde há muito tempo numa ilusão coletiva, também é verdade que o Orçamento aparece-nos com uma dureza inusitada, que não deixa ninguém indiferente.
Desde logo pelas opções nele vertidas, quanto ao esforço dirigido às diversas classes de rendimentos dos cidadãos em que, sem que se justifique, se aplica uma tributação muito acentuada aos rendimentos do trabalho, deixando de fora o caso dos rendimentos de capitais que passam incólumes a esse sacrifício financeiro.
As alterações introduzidas nas deduções do IRS, para efeitos da determinação da matéria coletável, ameaçam levar a um retrocesso da filosofia do sistema fiscal português, em que se abandona de forma efetiva o esforço de humanização e personalização do ato tributário, introduzido com a reforma de 1989, elegendo-se em sua substituição as fontes de rendimento.
Ou seja, sacrifica-se o esforço de enquadramento do sujeito passivo na sua realidade objetiva. O esforço de aferição da sua capacidade contributiva, por eleição das fontes de rendimento, estas indiferentes à realidade concreta e objetiva do sujeito passivo, tributando-se, não pessoas com a diferenciação que a sua realidade concreta estabelece, mas sim simulações daquela realidade. O mesmo é dizer, que sempre que se desenquadra os sujeitos passivos da sua efetiva realidade de vida, deixamos de tributar pessoas e passamos a tributar "fantasmas”.
O esforço que é pedido aos cidadãos gerará efeitos circulares negativos para a economia, podendo colocar em risco, não só a receita prevista no O.E., mas também a necessidade de uma maior intervenção do Estado, por aumento do desemprego. Todos temos consciência da necessidade de recorrer a medidas de grande alcance imediato para estabilizar as finanças públicas, mas começa a formar-se uma consciência coletiva que se está a pedir em demasia e que o doente, pode acabar por sucumbir da cura, em vez de morrer da doença.
Sente-se no ar um permanente temor e mal-estar nos cidadãos, na medida em que este documento, embora constituindo um esforço dos governantes para o reequilíbrio das contas públicas, não é acompanhado de um conjunto de ideias e alterações na nossa vida pública que transmita a esperança de um futuro melhor, nem mesmo se avançam com sinais concretos do esforço necessário para dar a garantia que alguns desmandos que nos conduziram a este estado serão erradicados. Confrontados com práticas nocivas ao interesse coletivo na gestão da causa pública, os cidadãos sentem-se impotentes e sem força anímica suficiente para aceitarem, acriticamente, o pacote de sacrifícios que estão em cima da mesa.
Com a devida tolerância por interpretações diferentes, pensamos que é de importância capital os cidadãos compreenderem o que se passa com as contas do seu país, exigindo-se comportamentos diferentes sustentados no rigor, transparência e organização da gestão da causa pública, o que, infelizmente, não tem sido tradição em Portugal. Trata-se de um direito indiscutível e inalienável que os cidadãos saibam o que pagam, porque pagam e, pelo menos, até quando pagam, visto que são estas pessoas, enquanto contribuintes, que acabam por sofrer na pela e na carteira as consequências dos atos dos outros.
Bastonário da Ordem dos Técnicos Oficias de Contas