Ordem nos media
O que vai mudar nas contas das empresas em 2004
19 Dezembro 2003
A herança de 2003 para as NIC, artigo 35º do CSC e facturação electrónica
No próximo ano, os empresários, as empresas, os colaboradores destas e os gestores vão ter novo enquadramento jurídico e fiscal. Alguns diplomas e disposições legais sofreram alterações e induzem mudanças que a todos afectarão, independentemente do sector de actividade. O ano que agora termina ficará para a história como o ano da reforma da tributação do património, operada pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, o da introdução do novo Código do Trabalho , Lei 99/2003 e «ano-piloto da reforma contabilística». A facturação electrónica marcará o ritmo, mas é a preparação para as exigências do artigo 35 do CSC que estará na mira de qualquer administrador. A entrada em vigor do artigo 35 do Código das Sociedades Comerciais e das Normas Internacionais de Contabilidade -ou das «Normas Internacionais de Relato Financeiro» (IFRS) em 2005 -, bem como o termino em 31 de Dezembro de 2004 do prazo para as firmas de auditoria se inscreverem na Ordem dos Revisores Oficias de Contas, são alguns dos pontos da agenda no novo ano, prestes a começar. As disposições do Protocolo de Quioto, bem como Basileia II (mais direccionado às empresas que operam no sector financeiro) serão outros assuntos que, a par da facturação electrónica, irão condicionar a actividade empresarial em 2004. «O combate à fraude e evasão fiscal e uma maior necessidade de organização por parte das empresas, serão outros factores a ter em conta. Mudança de mentalidades não só por parte das empresas como também na função pública» são três factores que António Domingues de Azevedo, presidente da Câmara dos Técnicos Oficias de Contas, gostava de ver implementados em Portugal. E lembra que «a Administração Pública deveria repensar os seus procedimentos e passar facturas de todas as suas receitas, por exemplo. Aquilo que, afinal, reclama por parte dos empresários». Normas Internacionais de Contabilidade Com a publicação do Regulamento n.º 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, pelo menos as contas consolidadas das sociedades cotadas devem ser elaboradas em conformidade com as Normas Internacionais de Contabilidade ou IFRS (Normas Internacionais de Relato Financeiro), a partir dos exercícios iniciados em, ou após, 1 de Janeiro de 2005. Deste modo, uma das questões que as empresas cotadas e com contas consolidadas terão de «enfrentar» em 2004 é a necessidade de utilizar as Normas Internacionais de Contabilidade já no próximo ano, de forma a permitir o comparativo com os resultados em 2005. Ano em que as empresas cotadas terão de utilizar as mesmas normas contabilísticas independentemente do país da União Europeia em que se encontrem. Esta medida vem permitir: l Comparabilidade entre empresas l Aumentar a transparência da informação O ano de 2003 foi assim decisivo para objectivar, por parte do Governo, da Comissão de Normalização Contabilística, Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), Ordem dos Revisores Oficias de Contas (OROC), Câmara dos Técnicos Oficias de Contas (CTOC) e outras entidades, o modelo de convergência contabilístico para Portugal. Para as empresas cotadas e com contas consolidadas tudo está em aberto para 2004. Ou seja, de acordo com o Jornal Oficial da Associação Portuguesas dos Técnicos de Contabilidade (APOTEC) «o ano de 2004, depois de encerrado, de acordo com as regras do Plano Oficial de Contabilidade, deverá ser avaliado à luz das novas regras». Uma posição que Nasser Sattar, da PricewaterhouseCoopers, explica: «as empresas aquando da apresentação das contas estatutárias anuais de 2004, irão apresentar uma reconciliação dos efeitos de adopção dos IFRS (Normas Internacionais de Relato Financeiro) nos resultados líquidos e capitais próprios para que os accionistas, que irão aprovar em Assembleia Geral, algures em Março de 2005, as contas estatutárias de 2004, tenham conhecimento da situação patrimonial à luz dos IFRS». «Oportunidade» é a palavra que António Domingues de Azevedo, presidente da CTOC, utiliza para classificar a introdução das Normas Internacionais de Contabilidade. Mas logo acrescenta que se «deveria considerar uma pequena nuance: definir o universo de aplicação das normas, uma vez que existem empresas com uma dimensão tão pequena que não se justifica a sua utilização». Isto é, segundo o presidente da CTOC «para empresas com um volume de negócios igual/superior a cerca de 2500 mil euros justifica-se a aplicação das NIC». Por agora, um estudo Watson Wyatt revela que «menos de um terço das empresas com sede na Europa (excluindo Reino Unido e Irlanda) assegura estar bem preparada para a introdução das Normas Internacionais Contabilidade aplicáveis às pensões e outros benefícios». Uma realidade que parece não assustar Bernie Thomaz, sócio responsável por esta área na Watson Wyatt em Portugal, que refere que «a norma IAS 19 não pode ser apenas entendida como um fardo contabilístico acrescido. Deve também ser considerado uma clara oportunidade para as empresas, em particular as multinacionais, melhor entenderem as suas responsabilidades com benefícios de reforma e efectuarem a gestão desses benefícios de uma forma mais consistente». Enquanto isso, a publicação das alterações às normas IAS 32 e IAS 39 sobre instrumentos financeiros, ajudam, a clarificar os princípios e fornecem orientações adicionais para as empresas. Alterações que segundo Nasser Sattar, partner da PwC «demonstram a capacidade de resposta do International Accounting Standards Board às questões levantadas pelas empresas, bancos e por outras entidades». As normas estão, assim, mais claras e fornecem melhores orientações sobre questões como o desreconhecimento de activos e passivos, a classificação da divida/instrumentos de capitais próprios e justo valor (fair values). Além de que, acrescenta Nasser Sattar, «a publicação das normas IAS 32 e IAS 39 coloca os mercados de capitais mais próximos de uma única linguagem global do relato financeiro e permite ao Comité Técnico Contabilístico da União Europeia avançar com o processo de aprovação completo de normas IFRS para 2005». A questão fica no ar¿ Como irão as empresas portuguesas sobreviver às NIC? Artigo 35 Suspenso desde 1986, o artigo 35 do Código das Sociedades Comerciais (CSC) foi recuperado em 2001 com o objectivo de entrar em vigor cerca de um ano depois. A versão final do artigo 35 do Código das Sociedades Comerciais aprovada pelo executivo em meados de 2003, introduziu o mecanismo de extinção automático das empresas cujos capitais próprios sejam inferiores a metade do capital social durante dois anos consecutivos. Uma medida severa e que gerou polémica. Várias vozes se levantaram e questionaram a sua aplicabilidade, além de que caso a legislação fosse aplicada os impactos imediatos na actividade empresarial seriam desastrosos. Assim, o Executivo cedeu ao argumento que defendeu a necessidade de um período de ajustamento, o que dilatou a aplicação da lei para 2005. Até lá e de acordo com o artigo 35 «os membros da administração que, pelas contas de exercício, verifiquem estar perdida metade do capital social devem propor aos sócios que a sociedade seja dissolvida ou o capital seja reduzido, a não ser que os sócios se comprometam a efectuar e efectuem, nos 60 dias seguintes à deliberação que da proposta resultar, entradas que mantenham pelo menos em dois terços a cobertura do capital». Deste modo, os administradores são obrigados a propor uma de três soluções: l dissolução da sociedade l redução do capital social de modo a eliminar os prejuízos acumulados l novas entradas de dinheiro que assegurem pelo menos dois terços de cobertura desse capital social. Sublinhe-se que os sócios minoritários são também responsáveis por essas entradas, nos termos previstos na lei e no contrato social. Crítico em relação a esta medida, António Domingues de Azevedo, presidente da CTOC refere que «não vamos ter falências porque os empresários vão dar entrada de capitais para cobertura do prejuízo». Mas questiona acerca do sector público e lembra que com a entrada em vigor do artigo 35 «o Governo continua com dois pesos e duas medidas». Já o Bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, José Vieira dos Reis, refere que «essa medida é salutar para o saneamento financeiro das empresas». No entanto lembra que «esta medida é útil mas deveria ser aplicada numa altura em que a economia estivesse numa situação de retoma, para ser mais efectiva e eficaz a sua aplicação». Seja qual for a opção que os empresários tomem, a realidade é que tiveram o ano de 2003 para efectuarem ajustes, sendo que 2004 é um ano crucial para tomarem posição. Em termos gerais, é de referir que a entrada em vigor do artigo 35 do Código das Sociedades Comerciais vem reforçar a saúde financeira das empresas e a protecção de credores e sócios minoritários.