Opinião
Ordem nos media
Os sagrados direitos dos contribuintes
6 Julho 2007
Artigo do presidente da CTOC, Domingues de Azevedo

                                                

Muitos milhares de contribuintes têm vindo a ser notificados da instauração de processos de contra-ordenação, tendo por base as mais insólitas situações que, por desconformidade com as normas legais que os regem, não têm qualquer razão de ser. Este cenário é revelador do menosprezo com que estes factos são encarados pela Administração Fiscal.
Até hoje, o relacionamento do Fisco com os contribuintes radicava num pressuposto que, salvo raras excepções, estava assente na credibilidade e sustentação legal dos actos praticados por aquela entidade.
Presentemente, sem que haja um acto voluntário, mas antes por efeito da introdução de automatismos em muitas funcionalidades daquela Administração, é necessário uma atenção redobrada dos cidadãos.
Ainda recentemente, milhares de contribuintes em todo o território nacional, viram ser-lhes instaurados processos de contra-ordenação por actos tributários praticados dentro dos prazos e previstos na Lei.
Os exemplos práticos são diversos: emissão de notificações de instauração de processos de contra-ordenação por envio de declarações do IVA do primeiro trimestre, quando aquelas declarações foram expedidas dentro dos prazos normais; instauração de processos de contra-ordenação por envio de declarações de substituição modelo 22 do IRC, quando o sistema só permitia o seu envio após o validar da declaração entregue, tendo aquele ocorrido após o termo do prazo para a entrega da declaração; a notificação de liquidações de impostos ou de instauração de processos de contra-ordenação, por factos ou actos tributários que, ou estão isentos nos termos da lei, ou por ter caducado o direito à liquidação dos tributos.
O mais grave no meio de todo este processo, é que se nota uma certa propensão por parte dos serviços para a aceitação de uma verdade imutável e intransigente dos actos que pratica, em nítido desrespeito pelos direitos dos contribuintes.
Ainda há bem poucos anos, quando nos deslocávamos aos serviços de finanças com um problema decorrente de erro dos serviços, os funcionários desculpavam-se, desdobrando-se em diligências e dedicação para solucionar o lapso.
Actualmente, quando se demonstra que o funcionamento do sistema originou um erro em prejuízo do contribuinte, ouvimos, por vezes até com alguma displicência, os funcionários a atirar as culpas para o  funcionamento dos computadores, sem que se faça qualquer esforço para solucionar um erro gerado pelos próprios serviços.

Não raro, injustificadamente e sem qualquer suporte de legalidade, ouvimos de forma impiedosa: "pague agora e reclame depois".
Antes de mais julgo pertinente ressalvar que a Administração Fiscal, na sua longa história, conta com uma credibilidade que não pode nem deve ser abalada por problemas desta natureza. Na minha perspectiva, estes falhas são fruto de uma mudança brusca no funcionamento dos serviços, sem que tenham sido testados em toda a sua dimensão os efeitos globais, nomeadamente para os contribuintes, da introdução de automatismos em certas funções, até à data executadas manualmente.
Mas que não se infira do presente artigo que estou em desacordo com o automatismo daquelas funcionalidades. Mas é justo dizer que aquelas só são sustentáveis num plano de direito e de história da própria Administração Fiscal, quando devidamente testadas no seu funcionamento, de forma a acautelar os sagrados direitos dos contribuintes. Uma boa parte dos erros cometidos pelo Fisco não são admissíveis: como se compreende que um sistema informático aceite a emissão de uma nota de liquidação de um imposto caducado? Das duas, uma: ou a programação está errada, ou então o computador não tem essa instrução e aceita manualmente a introdução dos dados, o que só pode ter na sua base um pressuposto de má fé de quem o liquida.
No domínio do racional não é compreensível como é que a lei possibilita que até ao termo do prazo os contribuintes possam proceder à substituição das declarações entregues e que depois se tenha um programa informático que não permite proceder àquela substituição em tempo útil, emitindo depois notas de contra-ordenação, sem justificação.
A evolução que se tem vindo a verificar na gestão do sistema fiscal é, em meu entender, extremamente positiva, mas o seu funcionamento não pode, de forma alguma, colocar em causa os direitos dos contribuintes e, paralelamente, a credibilidade dos profissionais que lidam com estas temáticas. Como tal, julgamos prudente a implementação de medidas urgentes para evitar situações que retiram credibilidade a quem as praticam e criam dores de cabeça desnecessárias aos que as têm de resolver.