Opinião
Ordem nos media
Pague agora, depois reclame
25 Maio 2007
Artigo de Domingues de Azevedo, presidente da CTOC

                                          

Neste semanário especializado e também noutros fóruns, tenho vindo a alertar para a necessidade de observância das regras e direitos no relacionamento entre os cidadãos e a Administração Pública.
À indiscutível e louvável maior eficiência da máquina do Estado, nem sempre tem correspondido uma preocupação de criar mecanismos paralelos que possibilitem a resolução rápida e eficiente dos erros causados com o seu próprio funcionamento, por vezes geradores de grandes injustiças.
Ou seja, a eficiência ¿ e, reconheça-se, que não seria possível de outra maneira ¿ tem assentado na utilização de processos e estruturas automáticos, através da utilização das novas tecnologias ao serviço das organizações.
Mas as máquinas não pensam, ou melhor, realizam a sua acção, não em função de um juízo que formulam sobre os seus próprios actos, mas sim de acordo com as coordenadas que lhes são transmitidas.
Essas coordenadas são idealizadas por seres humanos. Por isso, podem não conceber em plenitude os efeitos das acções a realizar e gerarem erros que se vão reflectir na situação dos cidadãos.
Errar é humano. Mas se errar é uma característica indissociável do Homem, também a ele deveria andar ligada a preocupação de prever a existência desses lapsos e conceber mecanismos e soluções que reduzam o mais possível o seu alcance e efeitos.
O cultivar de concepções ou doutrinas de infalibilidade torna as pessoas prisioneiras da sua própria verdade e, independentemente do seu mérito, desenraíza-as da realidade humana em que se inserem.
Aquele facto associado ao exacerbamento da utilização da presunção da fé pública de que gozam os actos da Administração, deixa os contribuintes completamente indefesos perante o funcionamento dos serviços.
Não raras vezes, ouvimos nos serviços de Finanças os funcionários -  diga-se em abono da verdade, muitas vezes por comodidade - , dizerem aos contribuintes que sendo os impostos liquidados pelos serviços centrais nada podem fazer, fazendo afirmações do género: «pague agora, depois reclame».
Como cidadão e como contribuinte acho que não há nada mais humilhante do que obrigar uma pessoa a pagar aquilo que não deve. Revela um acto de prepotência e redunda num estado de humilhação e injustiça, propício à criação de estados de espírito motivadores do incumprimento dos deveres de cidadania.
Quando se desloca às Finanças, o contribuinte alimenta a expectativa de resolver o seu problema. O funcionário que o atende é a parte visível da DGI.
Ora se aquela expectativa é substituída por comportamentos menos correctos, concordemos que em nada abonam ao objectivo fundamental da criação de uma cultura de cumprimento das obrigações de cidadania.
Urge, pois, paralelamente ao aumento da eficiência da Administração Pública, criar mecanismos eficientes que possibilitem a resolução célere dos possíveis erros gerados com a evolução daquela própria eficiência.
Ignorar a realidade e continuar a ter preocupações apenas de obrigatoriedade por parte dos cidadãos, poderá produzir resultados satisfatórios, mas de forma alguma, constitui um incentivo à criação, manutenção e sustentação de uma cultura de cidadania.