Ordem nos media
Política fiscal ou fiscalidade para a política?
23 Janeiro 2004
Artigo de opinião de A. Domingues Azevedo, sobre política fiscal
Portugal não tem, nem nunca teve, uma política fiscal, mas sim uma fiscalidade para a política. A construção de uma política fiscal pressupõe o conhecimento mínimo das necessidades dos cidadãos, a definição de parâmetros de vivência com um mínimo de dignidade e um conjunto de elementos básicos para que as empresas - como entes produtores de riqueza e bem estar social - sobrevivam num ambiente de grande competitividade. Com a criação do Imposto Único, criei a ilusão de que aqueles parâmetros seriam definidos e que, de facto, os cidadãos iriam colaborar nas despesas da sociedade de acordo com as suas capacidades contributivas. Embora reconhecendo essa dificuldade, vem-me à memória uma das expressões da «comissão Karter»: «A justiça fiscal é uma utopia». Julgo que, infelizmente, não temos despendido o esforço necessário para encontrar o equilíbrio fiscal. Assistimos, por vezes, a argumentações de que a carga fiscal em Portugal, quando comparada com outros países, é menos elevada. Só teremos um conceito realmente comparativo, quando forem estabelecidas diferenças entre os impostos pagos por todos nós, na medida em que, pelas mais diversas formas, se revertam através da Saúde, da Educação, da Segurança, dos meios de comunicação, da Justiça, etc. Os impostos pagos representam sempre a cedência de uma parte do conforto e bem estar dos contribuintes, daí deverem merecer um cuidado acrescido da parte de quem tem a responsabilidade de os fixar e gerir. Em bom rigor, em Portugal não temos uma política fiscal que pressuponha o conhecimento e definição de um conjunto de elementos inerentes à vida dos cidadãos, para a partir daí fixarmos os impostos que seriam devidos. A existência de uma política fiscal pressupõe que o poder político faça uma gestão da sociedade de acordo com essa mesma política fiscal. A sua ausência cria um vazio de conhecimento, quer para quem governa, quer para quem é governado, abrindo a porta à existência de uma fiscalidade para a política. Ou seja, quem desempenha cargos políticos numa sociedade que implemente uma política fiscal, só pode prometer e executar as obras que essa política fiscal lhe possibilite. Na sua ausência, promete-se e executa-se a obra, funcionando a fiscalidade, não em função das suas reais capacidades, mas para responder às necessidades que os gestores dos bens sociais acabam por criar. O funcionamento do sistema naquelas condições pelas pressões que gera no âmbito do poder político, é muitas vezes o causador de uma série de actos e iniciativas que, quer pela sua incoerência com a realidade, quer muitas vezes por efeito da pressão a que são sujeitas, não permite avaliar da sua eficácia ou de outras alternativas mais adequadas aos objectivos que se pretendem atingir e que surgem aos olhos dos cidadãos não como um acto natural, mas sim como consequência do ambiente em que a maioria das leis fiscais são geradas. Uma análise séria da nossa realidade fiscal, pressupõe a coragem de aprofundar realidades, para que o imposto surja aos olhos do cidadão como uma realidade natural pela sua inserção numa sociedade e não com violência, como hoje, na maioria das vezes, acontece. Para tanto há que conceber e construir uma verdadeira política fiscal para o país e não a existência de uma fiscalidade para a política.