Aqui e ali ouve-se, com alguma frequência, dizer que não existe uma política global e uma estratégia para a Economia, a Justiça, a Saúde e a Educação, áreas-chave para o funcionamento de qualquer sociedade organizada. O fisco, enquanto realidade inserida num contexto social, não foge a esta realidade.
A ausência (há tempo demasiado) de uma política fiscal, leva a que a fiscalidade fique nas mãos dos políticos, sendo sujeita a enormes pressões para angariar receitas necessárias ao cumprimento de uma boa fatia das suas promessas eleitorais, preterindo-se, muitas vezes, os direitos fundamentais dos cidadãos sob a capa do dever de pagamento de impostos.
Se existisse uma política fiscal com «cabeça, tronco e membros», os cidadãos saberiam, com segurança, o que pagar, e qual o seu excedente, da mesma forma que os políticos, conhecendo os impostos que os cidadãos podem pagar, teriam que redimensionar as suas promessas em função desses limites. Não havendo uma estratégia fiscal, os políticos anunciam, principalmente em campanha eleitoral, o que podem e o que não podem, pressionando permanentemente o sistema fiscal para que este arranje as verbas para aquilo que eles sabiam que não estavam em condições de prometer.
É preciso desmistificar a ideia feita de que o mal está sempre do lado dos contribuintes. Esta conceptualização pré-definida por muitos, está longe de ser verdadeira, na medida em que algumas coisas também podem e devem ser feitas do lado da administração fiscal. E aqui cabe considerar o papel do poder político, que deveria definir regras de comportamento em que se perspective o cidadão no mesmo plano de igualdade no seu relacionamento com as entidades tributárias.
Parece-nos da maior oportunidade sublinhar que não temos um sistema fiscal, mas sim uma fiscalidade para a política. Uma política fiscal adequada passaria por fazer uma gestão criteriosa e responsável do sistema fiscal e, só depois, aplicar os excedentes. Mas isso, depende de uma política global dos governos e de uma estratégia concertada entre todos os governantes que assumam funções executivas. É insustentável assistir na Educação, na Saúde e na Justiça, só para citar alguns exemplos, a uma gritante descontinuidade de políticas. E também aqui o fisco não é excepção, ficando à mercê das lógicas de curto prazo dos sucessivos políticos que têm governado os destinos nacionais.
O pacote de medidas simplificadoras lançado por este Executivo é um passo positivo, mas continua a faltar ao sistema fiscal, atractividade, estabilidade e competitividade. Urge dotar o sistema dessas características sob pena de nos atrasarmos, ainda mais, relativamente aos nossos congéneres europeus, nomeadamente os novos membros da União Europeia, oriundos da antiga Europa de leste.
Precisamos de um sistema fiscal simples, com menos regras e menos discricionário, desprovido de «ratoeiras», também mais «amigo» dos cidadãos, mas jamais tolerando uma cultura de permissividade e de facilitismo. Estou em crer que os momentos de transformação e de crise são uma excelente ocasião para eliminar burocracias e obstáculos à dinâmica.
A legislação e regulamentação fiscais portuguesas, por serem demasiado complexas, acabam por condicionar o relacionamento entre o fisco e os contribuintes. Também aqui legisla-se à vista, sem preocupações de longo prazo. Também aqui os políticos, e em especial o muitas vezes esquecido Parlamento, deviam ter uma palavra a dizer na modificação e afinação das leis de enquadramento fiscal.
A administração tributária tem que responder, pelo menos com igual exigência, se possível até com maior, face à bitola que impõe aos cidadãos, fundamentando com mais rigor e precisão a totalidade das decisões tomadas. Só assim é possível alterar o sentimento de prepotência, que, por vezes com demasiada frequência, pauta o relacionamento entre o fisco e os cidadãos passivos. A transparência da vida fiscal de empresas e contribuintes seria completa e a ambiência de crispação que actualmente existe entre os contribuintes e a administração fiscal seria atenuada. No fundo, teríamos condições propícias a um clima fiscal dissuasor de mecanismos de evasão e a uma maior eficácia na cobrança.