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Prestação de serviços
20 Outubro 2022
Prestação de serviços
PT27184 – setembro de 2022

Determinado sujeito passivo de IVA, no regime de contabilidade organizada, enquadrado no regime normal de IVA e cuja atividade se prende com a reparação e manutenção de equipamentos, quando emite as faturas, para cumprimento do estabelecido no artigo 36.º do CIVA, coloca em linhas separadas a mão-de-obra e material aplicado nos serviços.
Tratando-se a atividade da empresa de reparação e manutenção de equipamentos, ou seja, uma atividade de prestação de serviços, na contabilização do rendimento a entidade deverá considerar quer a mão-de-obra quer os materiais incorporados, como prestação de serviços e, como tal, contabilizar tudo na conta 72 ou terá obrigatoriamente de considerar os materiais incorporados como venda de materiais diversos?


Parecer técnico

O pedido de parecer está relacionado com o tratamento contabilístico das operações de vendas de bens e prestações serviços.
No caso em apreço, a entidade exerce a atividade de reparação de equipamentos. Na fatura, é detalhado o serviço prestado bem como os materiais aplicados. Em concreto é questionado se se deve separar os serviços da venda de bens.
Considerando que não é indicado o normativo contabilístico adotado pela entidade, iremos abordar esta temática no âmbito das normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF) previstas no aviso n.º 8 256/2015, de 29 de julho. Em todo o caso, o tratamento contabilístico é comum em todos os normativos.
Em termos contabilísticos, o reconhecimento dos rendimentos obtidos pelo exercício da atividade ordinária de uma entidade, enquadram-se no conceito de rédito, previsto na norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) n.º 20 - Rédito.
Relativamente à venda de bens, o parágrafo 3 da norma refere que «o termo bens inclui bens produzidos pela entidade com a finalidade de serem vendidos e bens comprados para revenda, tais como mercadorias compradas por um retalhista ou terrenos e outras propriedades detidas para revenda.» (contabilizadas na conta 71 - Vendas)
As prestações de serviços, de acordo com o parágrafo 4, «envolve tipicamente o desempenho por uma entidade de uma tarefa contratualmente acordada durante um período acordado. Os serviços podem ser prestados dentro de um período único ou durante mais do que um período.» (contabilizadas na conta 72 - Prestações de serviços)
Em termos contabilísticos, as entidades que prestam serviços, por definição, compram matérias-primas e materiais de consumo e utilizam fatores humanos e tecnológicos de modo a obter serviços a fornecer aos seus clientes.
Embora as notas de enquadramento do SNC sejam omissas na definição das diferentes categorias de inventários, da doutrina contabilística parece-nos resultar consensual que aqueles materiais podem ser entendidos como os bens adquiridos e detidos por uma entidade com o objetivo de proceder à sua integração, por exemplo, no processo de prestação de serviços.
Por seu lado, as mercadorias podem ser entendidas como integrando os bens adquiridos e detidos pela entidade com o objetivo de proceder à sua venda no decurso normal do negócio sem que sejam submetidos a qualquer processo de transformação.
Embora, à partida, a distinção entre uma mercadoria e uma matéria-prima ou material de consumo possa parecer clara, a verdade é que poderão surgir algumas dificuldades na aplicação prática destes conceitos, em determinado tipo de atividades. Tal facto apela necessariamente ao julgamento profissional para cada caso em concreto, em face das particulares características do tipo atividade/serviço desenvolvido, da informação disponível para tratamento e da informação que se pretende produzir.
No caso apresentado, a entidade dedica-se à reparação de equipamentos, isto é prestação de serviços, pelo que, os correspondentes materiais adquiridos destinam-se a serem incorporados no serviço a prestar (e a faturar globalmente), concorrendo para o custo da prestação do serviço e, consequentemente, para o apuramento da respetiva margem bruta.
Importa, contudo, realçar que poderão existir situações em que, atendendo à relação custo/benefício que deve estar presente na preparação da informação financeira e à materialidade dos valores em causa, pode não se justificar uma classificação autónoma de determinados bens. Tal poderá suceder, por exemplo, na atividade de uma oficina, em que a generalidade dos materiais se destinam a aplicar na reparação dos equipamentos, mas poderá também acontecer a venda autónoma das peças.
Quanto ao documento de suporte a efetuar, deverá ter em conta o n.º 5 do artigo 36.º do CIVA:
«5 - As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos:
a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente sujeito passivo do imposto, bem como os correspondentes números de identificação fiscal;
b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas devem ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;
c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;
d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;
e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;
f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura.
No caso de a operação ou operações às quais se reporta a fatura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados nas alíneas b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável.»
Deste modo, para efeitos de faturação, nos termos da alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA, a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável é um dos elementos a constar na referida fatura, sob pena de não conferir o direito à dedução do imposto nela contido.
A nosso ver, no caso em análise, deverão ser descritas as prestações de serviços realizadas, de modo que o enquadramento em termos fiscais por parte da Autoridade Tributária seja possível de forma clara. Por outro lado, a descrição «mão-de-obra» e «peças» admitimos que não cumpra este requisito uma vez que a mesma é de carater genérico e não permite avaliar quais os trabalhos efetivamente realizados e quais os materiais efetivamente transmitidos.
Note-se que o facto de a prestação de serviços incluir a incorporação de bens previamente adquiridos, não significa que se deva reconhecer o rédito da venda desses bens em separado da prestação de serviços.
Na realidade, todas as prestações de serviços envolvem, em maior ou menor grau, a utilização de materiais diversos para a sua concretização, sendo o preço praticado determinado, também, em função dos encargos incorridos com os mesmos. Nuns casos os materiais são incorporados no próprio serviço, não sendo autonomizáveis, noutros são passíveis de autonomização e de débito separado ao cliente.
Se o sujeito passivo considera que os materiais adquiridos aos fornecedores são autonomizáveis e que assumem um valor importante da prestação de serviços efetuada, poderão os mesmos ser discriminados do valor da mão-de-obra e da colocação, na fatura dos clientes. Nesta situação, os ganhos obtidos relativos à prestação de serviços ficam autonomizados dos respeitantes a vendas de mercadorias.
Se o valor dos materiais incorporados na prestação de serviços for meramente acessório, poderá a faturação ser efetuada pelo valor global dos materiais e mão-de-obra, considerando a totalidade como prestação de serviços. Caso contrário, poderá nas faturas discriminar o valor dos materiais incluídos numa rubrica à parte. Nesta situação, os rendimentos obtidos são relativos a prestação de serviços e a vendas de mercadorias.
A questão do débito em conjunto ou separado dos bens e do serviço deve atender à natureza da operação, a qual decorre também dos termos do acordo com a seguradora. Importa salientar que quando é contratado um serviço que se traduz na obtenção de um determinado resultado final (empreitada), não parece ser de efetuar a discriminação entre produtos e mão de obra, pois aí o que importa é o resultado final; num contrato de empreitada, há lugar à prestação de um serviço com caraterísticas próprias que incorpora bens cuja individualidade se perde com essa incorporação. Não obstante, pode haver situações em que se justifique a distinção e correspondente faturação em separado de serviços e venda de bens, por exemplo, por exigência contratual; ainda assim, a prestação não perde a natureza de empreitada.
Para além do cumprimento das normas fiscais, na emissão da fatura também terá de se atender à informação que se pretende prestar ao cliente (ou que este exija). Porém, não é o facto de se desagregar, com maior ou menor detalhe, uma dada operação que modificará a sua natureza, quer para efeitos de IVA (taxas a aplicar), quer para efeitos de registo contabilístico.
Assim, no caso em concreto, a venda de bens adquiridos para vender deve ser classificado na conta 711 - Vendas de mercadorias. Por sua vez, as reparações devem ser classificadas na conta 72 - Prestações de serviços.
De notar que as próprias notas de enquadramento das contas 71 e 72 remetem para uma separação do valor das vendas e dos serviços prestados, referindo-se na conta 72 que esta «poderá integrar os materiais aplicados, no caso de estes não serem faturados separadamente.»
Assim, no caso em concreto deve ser efetuado o juízo profissional no sentido de efetuar o registo mais adequado para as operações. Salvo melhor opinião, os bens referidos (urnas, flores, etc.) são transmitidos no âmbito da prestação de serviços efetuada e inerentes à mesma, mas não consumidos no ato dessa prestação, no sentido de que os bens não perdem as características que os identificam como tal aquando da conclusão do serviço, sendo perfeitamente identificáveis após essa prestação.
Por outro lado, não será indiferente a forma de faturação, onde, estamos em crer, será discriminada e autonomizada a parte correspondente aos bens transmitidos no âmbito dessa prestação do serviço, com a identificação do valor correspondente, já que estes resultarão de uma escolha do cliente.
Face ao exposto, poderá fazer sentido a separação entre venda de bens e prestação de serviços.