O cumprimento dos deveres de cidadania através dos impostos é um tema de permanente actualidade. Tem todos os ingredientes para, atenta a evolução previsível da nossa sociedade, continuar a ser uma questão a permanecer na ordem do dia.
Pelas suas características, pelos efeitos que tem na vida de todos nós e porque é, praticamente, o único meio que os políticos podem lançar mão para a realização das suas promessas, tem constituído prioridade, pelo menos nas intenções da grande maioria dos governos, o estudo ou a implementação de fórmulas que conduzam a uma maior recolha de receitas fiscais.
Tem-se dado a conhecer e, em alguns casos até empolando algumas situações, com vista a despertar a consciência dos cidadãos e da sociedade em geral para se acabar com a terrível chaga que é a fuga e a evasão fiscal.
Sendo verdade a necessidade de se criar aquela consciência colectiva, também é verdade que, o ponto a que se chegou, tem constituído uma fértil sementeira para o desenvolvimento de alguns gestos e atitudes por parte de certos agentes da Administração Fiscal, muitos com elevadas responsabilidades. Não obstante o indiscutível interesse público que está associado ao desempenho dessas funções, urge compatibiliza-las com o inquestionável direito que os cidadãos também têm de serem tratados com urbanidade e do direito à diferença que os seus comportamentos evidenciam.
Na verdade, nestes últimos tempos tem-se ressuscitado o preconceito de que todo o contribuinte é um potencial faltoso às suas obrigações, e porquanto, todos eles deverão como tal serem tratados.
A implementação de uma doutrina in dúbio pró fisco em nada seria abonadora da criação de uma sã relação entre sujeitos activos e passivos da relação tributária e constituiria mesmo uma contradição do espírito de cidadania, tão necessária na nossa sociedade.
Essa cidadania não pode assentar em situações de desequilíbrio entre os intervenientes, nem deve ter como alicerces o medo da penalização, mas antes brotar da consciência de cada um, pelo apego ao cumprimento das obrigações que a cada um compete, formando pelo seu somatório a consciência colectiva de cumprimento.
Para tanto, não pode, quem tem a missão de vigiar o cumprimento das obrigações estabelecidas, ter uma visão deformada daquele princípio e ter actuações contrárias aos valores defendidos.
O poder discricionário que a Lei no domínio fiscal atribui a algumas entidades é para que estas tenham ao seu dispor meios e condições para a reposição da verdade fiscal e não para, através do seu uso, provocarem a sua distorção.
Aquela verdade não é algo que se adquira em qualquer lado aos pacotinhos, mas algo que temos que ir construindo todos: sujeitos activos e passivos da relação tributária.
Como tudo na vida, também aqui, essa verdade só pode ser encontrada no bom senso que deve imperar nas nossas atitudes, pois só assim se conseguirá encontrar o necessário equilíbrio de comportamentos.
Sendo, num Estado de Direito, as relações entre os cidadãos e do comportamento destes perante a sociedade, regidos por regras e normas que a própria sociedade define, então achamos perfeitamente normal e lógico que os procedimentos dos que tenham missões «especiais», também se rejam por regras que todos conheçamos, limitando-se ou diminuindo-se ao mínimo indispensável o poder discricionário, para que todos, sem qualquer excepção, saibam com toda a clareza qual é o limite, melhor, a fronteira onde pára a discricionariedade e começam as regras de Direito.