Pareceres
Regime do acréscimo
31 Março 2023
Regime do acréscimo
PT27381 - janeiro de 2023

Determinada empresa comercial rececionou em 26 de dezembro de 2022 nos seus armazéns mercadoria adquirida a um fornecedor espanhol. Para a entrega da mercadoria em questão, o fornecedor emitiu um «Albarán de Entrega» e o transportador, um CMR, ambos documentos com data de 22 de dezembro de 2022.
A empresa adquirente vendeu parte das mercadorias, ainda no ano de 2022, e a outra parte permaneceu em stock na data de 31 de dezembro de 2022.
Apesar de a mercadoria ter sido entregue no ano de 2022, o fornecedor espanhol apenas emitiu a respetiva fatura em 10 de janeiro de 2023.
Tendo em consideração o exposto, quais os registos contabilísticos que a empresa adquirente deverá efetuar na sua contabilidade, nos períodos de 2022 e 2023, no que diz respeito à aquisição da mercadoria?

Parecer técnico

O pedido de parecer está relacionado com tratamento contabilístico da receção das mercadorias num determinado período e a receção das faturas em períodos posteriores.
No caso em concreto a entidade receciona fisicamente os bens e o fornecedor envia a fatura no mês seguinte.
Começamos por referir que as demonstrações financeiras devem ser preparadas e apresentadas atendendo ao pressuposto do regime do acréscimo (parágrafo 22 da estrutura conceptual do SNC).
Com base neste pressuposto, devem ser reconhecidos gastos e rendimentos no período a que digam respeito independentemente do momento da emissão ou receção das faturas ou documentos equivalentes, ou dos pagamentos e recebimentos.
A contabilidade deve basear-se nas operações realizadas no período, com o objetivo de se preparar e apresentar demonstrações financeiras que contenham a posição financeira e o desempenho económico verificado nesse período, independentemente de outros formalismos legais.
Devido a este procedimento, é bastante comum e normal a realização de reconhecimentos contabilísticos baseados em estimativas de valores (parágrafo 26 da norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) n.º 4 - Políticas contabilísticas, alterações nas estimativas contabilísticas e erros), procedendo-se a acréscimos ou diferimentos de gastos e rendimentos, quando os períodos do reconhecimento contabilístico não coincida com as datas dos documentos emitidos (faturas ou recibos), ou quando não exista a receção em devido tempo desses documentos.
De acordo com o parágrafo 92 da estrutura conceptual do SNC, os gastos são reconhecidos na demonstração dos resultados quando tenha surgido uma diminuição dos benefícios económicos futuros relacionados com uma diminuição num ativo ou com um aumento de um passivo e que possam ser mensurados com fiabilidade.
Na realidade, o reconhecimento de gastos ocorre simultaneamente com o reconhecimento de um aumento de passivos ou de uma diminuição de ativos.
Da mesma forma, o parágrafo 89 da estrutura conceptual do SNC estabelece que os passivos devem ser reconhecidos quando for provável uma saída de recursos futuros incorporando benefícios económicos que resulte da liquidação de uma obrigação presente e que a quantia pela qual a liquidação tenha lugar possa ser mensurada com fiabilidade.
Este princípio geral de reconhecimento de passivos está transposto nas normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF) que tratam de assuntos relacionados com passivos, como por exemplo, a NCRF 21 - Provisões, passivos contingentes e ativos contingentes e a NCRF 27 - Instrumentos financeiros.
A NCRF 21 trata do reconhecimento de provisões, que são passivos de tempestividade ou quantia incerta, ou seja, são obrigações presentes que implicam saídas futuras de recursos que incorporam benefícios económicos, mas para os quais não se conhece com certeza o momento ou quantia dessa saída de recursos.
A NCRF 27 trata do reconhecimento de passivos financeiros, decorrentes de obrigações contratuais de pagar dívidas a terceiros.
A diferença entre os passivos, nomeadamente resultante de dívidas comerciais a pagar, os acréscimos de gastos e as provisões, é que os primeiros resultam de obrigações contratuais presentes de pagar uma quantia certa pela aquisição de um bem ou serviço.
A obrigação contratual de um passivo resulta de uma fatura ou documentos equivalentes ou acordo contratualmente formalizado com o credor.
Pelo que este passivo, designado de passivo financeiro nos termos da NCRF 27, deve ser reconhecido no momento em que a entidade devedora se torne uma das partes contratuais, ou seja, quando formalmente (através de fatura ou documento equivalente ou contrato) assuma uma obrigação presente de pagar uma determinada quantia no futuro à outra parte.
Em termos práticos, os passivos apenas devem ser reconhecidos quando se receba a fatura ou assine o contrato a formalizar a dívida a pagar. É, nesse momento, que deve contabilizar essa dívida a pagar na respetiva conta corrente do credor (conta 22, 25 ou 271/8).
Os acréscimos de gastos devem ser reconhecidos por aquisições de bens ou serviços já recebidos ou utilizados, mas em que não se tenha recebido a fatura ou assinado o contrato formal com o fornecedor ou outro credor, no cumprimento do pressuposto do acréscimo.
Na prática, os acréscimos de gastos são também passivos, pois representam obrigações presentes de pagar através de saídas futuras de recursos que incorporem benefícios económicos, mas que ainda não podem ser considerados como passivos financeiros (ou outro tipo de passivo) por não estarem ainda formalmente suportados por uma fatura ou contrato assinado.
Por vezes, os acréscimos de gastos devem ser determinados através de estimativas, por não se conhecer a respetiva quantia ou a tempestividade, no entanto, a incerteza dos acréscimos são muitos menores do que nas provisões.
Os diferimentos de gastos devem ser reconhecidos por aquisições de bens ou serviços ainda não recebidos ou não utilizados, mas em que já se tenha recebido a fatura ou assinado o contrato formal com o fornecedor ou outro credor.
No caso das provisões, apesar da incerteza quanto à tempestividade e quantia da saída de recursos no futuro, se existir uma obrigação presente que determine essa saída futura de recursos, sendo mais provável, do que não, de se verificar essa saída e sendo possível estimar com fiabilidade o montante da saída, haverá que reconhecer a referida provisão.
Se a obrigação não for presente, mas apenas possível, ou for uma obrigação presente, mas for mais provável não existir saída de recursos no futuro ou não for possível determinar com fiabilidade a quantia, não se poderá reconhecer qualquer provisão, havendo que divulgar nas notas às demonstrações financeiras um passivo contingente.
Se a obrigação for apenas remota, não haverá nada a fazer.
Em termos de reconhecimento dos rendimentos, de acordo com o parágrafo 90 da estrutura conceptual do SNC, os rendimentos são reconhecidos na demonstração dos resultados quando tenha surgido um aumento dos benefícios económicos futuros relacionados com um aumento num ativo ou com a diminuição de um passivo e que possam ser mensurados com fiabilidade.
No caso em concreto, o reconhecimento dos gastos e rendimentos deve ser reconhecido no período a que diz respeito, independentemente da data da emissão das faturas correspondentes.
No caso apresentado, a aquisição das mercadorias foi realizada no ano de 2022, ano em que forma fisicamente rececionadas. Assim, o registo contabilístico deverá ser:
- Débito da conta 311 - Compras – Mercadorias, por contrapartida a crédito da conta 225 - Faturas em receção e conferência, uma vez que os bens foram rececionados antes da receção da fatura.
Pelo reconhecimento do inventário:
- Débito da conta 32 - Mercadorias por contrapartida a crédito da conta 311 - Compras - Mercadorias, pelo custo de aquisição.
Pela receção e conferência da fatura em 2023:
- Débito da conta 225 - Faturas em receção e conferência, por contrapartida a crédito da conta 221 - Fornecedores c/c).