14-01-2020
Em determinada empresa verificou-se que não foi possível regularizar o IVA. As faturas inexatas tinham mais de dois anos e a regularização tinha a ver com o facto de ter sido aplicada a taxa de 23 por cento quando deveria ter sido aplicada a taxa de seis por cento. Em 5 de julho de 2018, saiu o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, em que os sujeitos passivos podem regularizar o IVA para além dos dois anos. Quais as implicações deste acórdão?Parecer técnico
Questiona-nos sobre a aplicabilidade da jurisprudência do caso Biosafe em termos de impacto no prazo de dedução do IVA para além de dois anos.
As regularizações de IVA a favor dos sujeitos passivos têm o seu fundamento legal em duas disposições do Código do IVA (CIVA): n.º 2 art.º 98.º, que estabelece um prazo geral e supletivo para a regularização do IVA liquidado e deduzido de quatro anos, e o art.º 78.º, que é uma norma especial face ao art.º 98.º, consagra diversos prazos para a regularização do IVA em função das condições/categorias aí elencadas.
Em regra, podem agrupar-se as principais condições/categorias que dão lugar à regularização do IVA nas seguintes, sempre sem prejuízo de uma análise ao caso concreto:
- Alteração superveniente das condições objetivas e subjetivas associadas à operação, nomeadamente anulação da operação ou redução do seu valor tributável;
- Inexatidão da fatura ou erro material ou de cálculo na transcrição dos elementos da fatura para as declarações periódicas de IVA;
- Erro de enquadramento da operação.
No caso de aplicação da taxa normal de IVA quando devia ter sido aplicada a taxa de seis por cento, importa, desde logo, verificar em que categoria das acima descritas se insere a operação.
Por outro lado, é sabido que a AT tende a considerar que o prazo para regularização do IVA nestas categorias se reconduz, na maioria das vezes, a uma situação de inexatidão ou erro material.
Em termos muito sintéticos, e tendo em conta a jurisprudência dos tribunais fiscais e arbitrais, pode resumir-se as condições de regularização do IVA a favor do sujeito passivo em cada uma das categorias elencadas como segue:
- Alteração superveniente das condições objetivas e subjetivas associadas à operação, nomeadamente anulação da operação ou redução do seu valor tributável
A regularização rege-se pelo n.º 2 do art.º 78.º do CIVA, sendo feita até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificaram as circunstâncias determinantes desse facto. O que está aqui em causa é uma alteração das condições da operação, mas sem que haja alteração de enquadramento da operação em termos de direito.
- Inexatidão da fatura ou erro material ou de cálculo na transcrição dos elementos da fatura para as declarações periódicas de IVA
Faturas inexatas
Está aqui em causa a definição da inexatidão, que não deve reconduzir-se a um erro de direito, por exemplo, de enquadramento de uma operação, mas a erros de transcrição de valores para as faturas, erros de cálculo do IVA na fatura, erros na indicação da base tributável e similares.
Neste caso, o prazo para se proceder à regularização do IVA a favor do sujeito passivo é de dois anos, contados da data de emissão da fatura, conforme n.º 3 art.º 78.º do CIVA.
Outros erros materiais ou de cálculo no registo das operações nas declarações periódicas de IVA: aqui, estarão em causa situações de erros na transcrição de valores das faturas para as declarações periódicas, por exemplo, mas não situações de incorreto enquadramento de direito das operações. Neste caso, o prazo para se proceder à regularização do IVA a favor do sujeito passivo é de dois anos, contados da data de nascimento do direito à dedução, conforme o n.º 6 do art.º 78.º do CIVA.
Erro de enquadramento da operação
Estão em causa situações de incorreta interpretação dos factos ou errónea aplicação do direito no enquadramento de operações, em que os sujeitos passivos liquidam ou deduzem imposto a mais ou a menos. O que está aqui em causa não é uma alteração superveniente da operação nem inexatidão da fatura ou um erro de cálculo ou escrita, conforme acima delimitado.
A AT tem qualificado os erros de enquadramento da operação como decorrentes de inexatidão das faturas ou de erros materiais ou de cálculo, sujeitando-os ao prazo de regularização de dois anos nos termos do n.º 6 do art.º 78.º do CIVA. Contudo, e conforme já referido, este entendimento tem sido frequentemente desconsiderado pelos tribunais, que, assim, reconhecem que o prazo para o exercício do direito à dedução do imposto é de quatro anos, contado do nascimento desse direito (conforme n.º 2 do art.º 98.º do CIVA).
Contudo, em todos os casos, deve salientar-se que só as condições concretas das operações permitirão enquadrá-las convenientemente.
Por outro lado, há que ter em conta que a aplicação das regras acima, em particular do prazo geral de dedução do art.º 98.º do CIVA, pressupõe que os sujeitos passivos atuem de boa fé e sem o propósito de desvirtuar os princípios estruturantes do IVA, ou seja, que não se esteja perante situações de falta de diligência das partes, nem perante abuso ou conluio fraudulento entre o adquirente e o fornecedor.
O caso Biosafe, que é referido na questão, decorre de uma situação em que, por via de uma liquidação adicional, se verificou ter havido um erro de direito no enquadramento da operação (foi liquidado IVA à taxa reduzida e deveria ter sido liquidado IVA à taxa normal, situação identificada em sede de inspeção fiscal por parte da AT).
De acordo com a proposta de enquadramento acima apresentada, o prazo para a regularização do IVA seria de quatro anos, pois trata-se de um erro de enquadramento da operação. Mas a questão determinante apreciada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e depois acolhida pelo tribunal português, era a do momento em que se inicia a contagem desses quatro anos, isto é, a partir de que momento nasce o direito à dedução de quatro anos numa situação de erro de enquadramento decorrente de uma inspeção.
Trata-se, portanto, de uma situação distinta das situações, diríamos de base, pois o que está aqui em causa é uma situação superveniente, mas, neste caso, fora do controlo quer do transmitente e do adquirente, por decorrer de uma inspeção que veio a aplicar, sem que tal fosse contestado, um distinto enquadramento de direito para a operação, materializado na aplicação de uma taxa de IVA superior à inicialmente aplicada. Esta jurisprudência é, por isso, de aplicar restritivamente e não põe em causa as regras gerais apresentadas.
Esta jurisprudência consta de informação vinculativa, sob o processo n.º 15 042, por despacho de 2019-11-06, da diretora de serviços do IVA, (por subdelegação), para a qual se remete, e onde se conclui no seguinte sentido: «Considerando a jurisprudência do TJUE, conclui-se, em termos gerais, que nos casos em que, na sequência de uma liquidação adicional, tenha sido entregue ao Estado um acréscimo de IVA e tenham sido emitidos pelo sujeito passivo fornecedor os correspondentes documentos retificativos das faturas, os quais devem obedecer aos formalismos previstos no n.º 7 do artigo 29.º e do n.º 6 do artigo 36.º, ambos do CIVA, o exercício do direito à dedução pelo sujeito passivo adquirente não pode ser negado apenas com o argumento de que se encontra expirado o prazo legal de exercício do direito à dedução contado da data de emissão das faturas iniciais, se apenas com o recebimento dos documentos retificativos da fatura o adquirente toma conhecimento de que é devido aquele acréscimo do imposto, ficando apenas nesse momento reunidas as condições (formais e materiais) para o exercício do direito à dedução. Esta conclusão exige, no entanto, que não estejam em causa situações de falta de diligência do sujeito passivo adquirente antes da receção dos documentos retificativos da fatura ou eventuais situações de abuso ou conluio fraudulento com o sujeito passivo fornecedor dos bens ou prestador dos serviços.»