Rendimentos do trabalho dependente
PT28092 - março de 2024
Como deve proceder um determinado restaurante, com uma faturação acima dos 600 mil euros anuais, com o registo das refeições que fornece aos seus funcionários, uma vez que não regista esse custo nos recibos de salários, tendo previamente calculado um custo unitário de 6,50 euros por refeição para uma média de 22 refeições por dia (almoços e jantares), e uma vez que, representando um custo mensal com alguma relevância, têm necessidade de regularizar essas existências e seus custos?
Deve fazer um mapa mensal com esse controlo, assinado pela gerência, e proceder ao seu registo contabilístico, através do mesmo, numa conta própria do pessoal? Deve registar nos recibos de ordenado os custos respetivos em rubrica própria? Deve efetuar faturas, a título de autoconsumo, de forma a regularizar as existências? Quais os limites de custos aceites fiscalmente?
Parecer técnico
A questão colocada relaciona-se com o enquadramento contabilístico e fiscal referente ao consumo de matérias-primas para a confeção de refeições dos trabalhadores de um restaurante.
Em termos contabilísticos, o custo suportado com as refeições fornecidas aos empregados deve ser reconhecido como gasto do período a que digam respeito. Esse gasto pode ser classificado como um benefício de empregados de curto prazo, nos termos da norma contabilística e de relato financeiro n.º 28 - Benefícios de empregados.
A conta para registar estes benefícios de empregados poderá ser a 637x - Gastos de ação social, ou outra conta mais apropriada.
Pressupondo que se trata de refeições fornecidas a título gratuito ou como compensação pelo trabalho prestado (por exemplo, em substituição do subsídio de refeição), os registos contabilísticos podem ser:
Pelo consumo das matérias utilizadas para o fornecimento das refeições para os empregados:
- Débito da conta 383 - Reclassificação e regularização de inventários e ativos biológicos - Matérias-primas, subsidiárias e de consumo por contrapartida a crédito da conta 33 - Matérias-primas, subsidiárias e de consumo, pelo custo dos bens consumidos.
Pelo reconhecimento do gasto:
- Débito da conta 637x - Gastos de ação social por contrapartida a crédito da conta 383 - Reclassificação e regularização de inventários e ativos biológicos - Matérias-primas, subsidiárias e de consumo, pelo custo dos bens consumidos.
Outros gastos suportados para a preparação das refeições podem também ser reclassificados para a conta 637.
Em termos de IRC, os gastos suportados com as referidas refeições fornecidas aos empregados são aceites em termos fiscais, desde que tenham caráter geral e não revistam a natureza de rendimentos do trabalho dependente ou, revestindo-o, sejam de difícil ou complexa individualização relativamente a cada um dos beneficiários, conforme o n.º 1 do artigo 43.º do Código desse imposto.
Deve ser criado um mapa de controlo das refeições fornecidas a título gratuito aos empregados no restaurante da entidade, para determinar o número de dias em que cada empregado utiliza esse benefício e deduzir ao número de dias de subsídio de refeição a pagar em numerário pela empresa, bem como para controlo contabilístico, fiscal e de gestão.
Em termos de IVA, de forma a ultrapassar a presunção legal do artigo 86.º do Código do IVA, ou seja, não se efetuar qualquer liquidação ou regularização a favor do Estado, as quebras normais de inventários devem ser objeto de controlo rigoroso e relevação contabilística adequada.
Depreende-se estar perante quebras normais, decorrentes do exercício da atividade do sujeito passivo, inerentes ao processo produtivo e/ou ao manuseamento de certos bens, que se verificam com alguma regularidade.
Para se ilidir a presunção do artigo 86.º do CIVA, a entidade deve possuir sistemas de controlo e procedimentos técnicos para assegurar a minimização das quebras bem como o sistema de registo informático dessas quebras de existências e de controlo interno implementados na empresa que simultaneamente preencham os critérios adotados para efeitos da aceitação fiscal em IRC referente ao custo dessas perdas.
Este procedimento decorre de entendimento veiculado pela AT através de informação vinculativa publicada no Portal das Finanças (Proc. A509 2009009 - despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do diretor-geral, em 29 de junho de 2009).
Refeições fornecidas aos trabalhadores
Em termos de IVA, as refeições fornecidas pela entidade patronal aos empregados são consideradas como uma operação isenta deste imposto nos termos do n.º 36 do artigo 9.º Código do IVA.
Esta isenção restringe o direito à dedução do imposto suportado na aquisição dos bens e serviços para realização das mesmas, sendo que a entidade deve utilizar, para efeitos do exercício do direito a dedução, um dos métodos previstos no artigo 23.º do mesmo Código, isto é, o método de afetação real ou o método de percentagem de dedução (vulgo «pro-rata»), caso seja um sujeito passivo que utilize esses bens e serviços adquiridos comummente em atividades com direito à dedução e atividades sem direito à dedução.
O Ofício-Circulado n.º 53 598 de 11 de maio de 1989, do SAIVA refere no seu ponto 7:
«7. Por outro lado, sem prejuízo de aplicação do método de afetação real se o pretenderem, todos os sujeitos passivos que exerçam a título principal uma atividade no âmbito da restauração e hotelaria (Código CAE começado por 63 - Nota: há que verificar o n.º do novo CAE que lhe seja correspondente) podem utilizar o método de percentagem ou pro-rata, considerando-se inexistentes, para efeito do n.º 9 do artigo 23.º, as refeições isentas nos termos do n.º 40 (atual n.º 36) do artigo 9.º, desde que o seu valor não ultrapasse 5% do volume total de negócios.»
Pelo que, como o sujeito passivo em causa exerce a atividade no setor de restauração e hotelaria, se o valor das refeições fornecidas aos empregados não ultrapassar o valor de 5 por cento do volume total de negócios, não há qualquer regularização a fazer em termos de IVA.
O Código do IVA permite ainda que a entidade, se assim o entender, possa renunciar a esta isenção (conforme alínea a) n.º 1 do artigo 12.º do referido Código) liquidando o imposto aquando do fornecimento das refeições aos empregados, e tendo o direito à dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços para a realização do fornecimento dessas refeições, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 21.º do referido Código.
Se existir a obrigação de regularização ou liquidação do IVA, pelo fornecimento das refeições a título gratuito, o valor tributável pode ser pelo custo determinado em termos contabilístico, tal como previsto nos pontos 1.3 do Ofício-Circulado n.º 18 815, de 4 de março de 1988 do SIVA.
Se esse custo contabilístico não for fiavelmente determinado, o valor tributável para efeitos de IVA pode ser o valor das refeições estabelecidos nos instrumentos coletivos de trabalho (líquido de IVA), ou se inexistente, pelo preço da refeição nos refeitórios do Estado (líquido de IVA), conforme referido no Ofício-Circulado n.º 18 815, de 4 de março de 1988 dos SIVA.
Atualmente, o preço de refeições nos refeitórios do Estado foi estabelecido em 4,10 euros (IVA incluído), nos termos da Portaria n.º 421/2012, de 04/09 (DR 2.º série).
Atendendo a este enquadramento, sendo o fornecimento de refeições aos empregados pela entidade patronal uma atividade isenta sem direito à dedução, nos termos do n.º 36 do artigo 9.º, conjugado com a alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º, ambos do Código do IVA, a entidade em causa não pode efetuar qualquer dedução de imposto suportado com a aquisição dos bens e serviços diretamente relacionados com o fornecimento dessas refeições, sem prejuízo de não se atingir o limite previsto no Ofício-Circulado n.º 53 598/1989.
Esse direito à dedução pode ainda verificar-se se a entidade efetuar a renúncia à isenção do n.º 36 do artigo 9.º do Código do IVA, nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 12.º do Código do IVA, implicando a entrega de declaração de alterações para exercer tal opção pela renúncia à isenção.
Efetuando essa renúncia à isenção, para além da possibilidade de dedução integral do imposto suportado com as aquisições de bens e serviços destinados a esse refeitório, tem de passar a liquidar IVA pelo fornecimento dessas refeições, seja esse fornecimento gratuito ou oneroso.
Se o fornecimento das refeições aos empregados for gratuito, o valor tributável para a liquidação de IVA pode ser o custo da refeição determinado em termos contabilísticos, ou o preço de refeições estabelecido nos CCT ou para a administração pública, conforme estabelece o Ofício-Circulado mencionado acima.
Se o fornecimento das refeições aos empregados for oneroso, o valor tributável para a liquidação de IVA é o montante da contraprestação a receber dos empregados, sem prejuízo das regras do n.º 10 a 12 do artigo 16.º do Código do IVA.