Opinião
Ordem nos media
Repartir sacrifícios (Conclusão)
17 Agosto 2011
A. Domingues de Azevedo
Bastonário da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas
Portugal é um país crescentemente assimétrico. O fosso entre ricos e pobres acentua-se. Sempre o tenho dito e continuo a pensar igual: A injustiça é o maior incentivo ao incumprimento da lei. 

E não havia justificação para se ter deixado de fora o conjunto de rendimentos que acabou por não ser enquadrado neste esforço suplementar, denominado sobretaxa extraordinária, que agora é pedido aos trabalhadores.

A argumentação que a tributação dos rendimentos dos capitais poderia ser prejudical para o país, faz-me lembrar o "puxão de orelhas” que em 1986 me quiseram dar na Assembleia da República, quando no exercício das funções de deputado, defendi a tributação das mais-valias mobiliárias e não apenas pelo mecanismo liberatório.

Por exemplo, em França, também existe o mecanismo liberatório, mas de forma completamente diferente da que aqui se pratica, beneficiando a imobilização de longa duração (cinco anos) do dinheiro e penalizando períodos mais curtos de imobilização, em que as taxas no primeiro caso são de 17,50% e no segundo podem ir até 35%.

Penso que não se deveria ter excluído completamente estes rendimentos do esforço suplementar agora solicitado, mas sim tributá-los a uma taxa menor que os restantes. Uma oportunidade perdida.

Confesso que também não entendi, deixar-se de fora os rendimentos das empresas e não os dos empresários individuais. É sabido que as nossas empresas estão no limite da sua capacidade de pagar impostos. 

Mas como é justificado para os restantes rendimentos este é um esforço que se pretende de âmbito universal, procurando atingir os rendimentos efetivos e reais obtidos pelos cidadãos, pois os lucros das empresas vão acrescentar os rendimentos dos cidadãos que nelas detêm partes sociais.

Se a medida se destina a apoiar o crescimento das empresas e a criação de novos postos de trabalho, reconhecendo por essa via o importante papel social que os empregos representam na estabilidade social, então, urge enquadrar no nosso normativo jurídico situações comprovativas que justifiquem a exceção que as empresas em prazo certo tenham que demonstrar para o cumprimento daquele objetivo, sob pena de virem a ser tributadas da mesma forma que os restantes cidadãos.

Mas se o propósito é a criação líquida de emprego, então terá que se repensar a medida aplicada ao IRS, quando se fala que ela inclui todos os rendimentos englobados, retirando da incidência os rendimentos dos empresários individuais e profissionais liberais, impondo-lhes, tal como às empresas, obrigações comprovativas.

Ao considerar-se a isenção para as empresas numa ótica de sociedades e não se concedendo o mesmo benefício aos rendimentos obtidos numa atividade empresarial ou no âmbito da prestação de serviços por empresários e profissionais liberais, eles mesmos também criadores de emprego, contribui-se para gerar discricionariedades indesejadas. 

Seria muito mais compreensível contemplar um mecanismo próximo do que existe hoje com o reinvestimento das mais-valias, definindo a obrigação e dilatando no tempo o seu cumprimento e a obrigação de demonstrar a realização dos objetivos que justificavam a isenção da contribuição extraordinária. 

Urge pois, porque justo e expectável para os cidadãos, que haja uma sobrecarga universal e que os sacrifícios, embora aceitando que possam ser diferentes, sejam repartidos por todos e não apenas por alguns.

Artigo escrito ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico