29-01-2019
Um cidadão francês está a residir em Portugal desde março de 2018 e tem o estatuto de residente não habitual. No entanto, encontra-se a receber um fundo de pensão privado a partir de França, onde é efetuada retenção na fonte.
Como é que se pode pedir o reembolso ao Estado francês do valor retido lá quando efetuar a entrega da declaração de rendimentos (modelo 3) em Portugal? Terá que ser feito anteriormente à entrega da declaração ou apenas é colocado em algum quadro dessa declaração que houve retenções na fonte de outro Estado-membro?
Tendo em conta que a totalidade da reforma é recebida no país de origem (França), terá o mesmo que declarar os rendimentos lá ou, pelo facto de ser residente em Portugal, declara os rendimentos cá? Neste tipo de situações, pelo facto de ser reformado, existe isenção do imposto a pagar ou é tributado à taxa de 20 por cento da matéria coletável?
Parecer técnico
Questiona-nos relativamente ao regime de tributação aplicável aos residentes não habituais.
A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2009, continha uma autorização legislativa que permitia ao Governo a criação de um novo re¬gime fiscal em IRS para os sujeitos passivos residentes que não tenham residência habitual em Portugal. No uso de tal autorização, o Governo procedeu à sua criação através do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, alterando, para esse efeitos, os artigos 16.º, 22.º, 72.º e 81.º do Código do IRS.
De acordo com o n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, consideram-se residentes não habituais as pessoas sin¬gulares que, tendo-se tornado residentes em Portugal de acordo com as regras previstas no n.º 1 do referido artigo, nomeadamente por aplicação da alínea b), não tenham em qualquer dos cinco anos anteriores sido tributados como tal em sede de IRS.
Obtido este estatuto, o sujeito passivo adquire o direito a ser tributado em IRS como residente não habitual, pelo período de dez anos consecutivos, renováveis, com a respetiva inscrição des¬sa qualidade para efeitos cadastrais no registo de contribuintes da Autoridade Tributaria (n.º 9 do artigo 16.º do Código do IRS).
O gozo do direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido requer que o sujeito passivo seja considerado residente em Portugal para efeitos do IRS (n.º 11 do artigo 16.º) podendo, no entanto, caso não tenha gozado daquele direito num ou mais anos do período, retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos em falta para terminar os dez anos, contando que nele volte a ser considerado residente para efeitos de IRS (n.º 12 do artigo 16.º).
Trata-se, pois, de um direito que o sujeito passivo adquire que não é obrigatório podendo o mesmo, caso o entenda e nada faça, ser tributado como residente, nos termos gerais.
Poderão pois, inscrever-se como residentes não habituais, os sujeitos passivos que, cumulativamente, reunirem as seguintes condições:
- Tornarem-se fiscalmente residentes em território português de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do art.º 16.º do Código do IRS, nomeadamente ao abrigo da alínea b);
- Comprovarem no momento da inscrição, a anterior residência e tributação e tributação no estrangeiro, através de certificado de residência fiscal demonstrando a tributação efetiva;
- Não terem em qualquer dos cinco anos anteriores sido tributados como residentes em sede de IRS.
Considerando o crescente número de pedidos de inscrição como residente não habitual, cujas condições estão previstas no artigo 16.º do Código do IRS (cf. Circulares n.º 2/2010, de 6 de maio e n.º 9/2012, de 3 de agosto), foi disponibilizada recentemente uma funcionalidade no Portal das Finanças, denominada «Inscrição como residente não habitual», que permite ao interessado efetuar o respetivo pedido.
O regime de tributação aplicável aos sujeitos passivos residentes não habituais caracteriza-se por:
- Não englobamento, para efeitos da sua tributação, salvo opção dos respetivos titulares, dos rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos em território nacional em atividades de elevado valor acrescentado, com caráter científico, artístico ou técnico (n.º 6 do artigo 72.º do Código do IRS). Tais rendimentos serão sujeitos a tributação através de uma taxa especial de 20 por cento.
- Opção pela aplicação do método da isenção relativamente aos rendimentos obtidos no estrangeiro das categorias E, F, G e da categoria B em atividades de prestação de serviços de elevado valor acrescentado, com caráter científico, artístico ou técnico, ou provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, desde que, alternativamente (conforme n.º 5 do artigo 81.º):
a) Caso exista convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com o Estado da fonte, tais rendimentos possam ser tributados neste Estado;
b) Caso não exista convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com o Estado da fonte, tais rendimentos possam ser tributados no outro país, território ou região, em conformidade com o modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o património da OCDE, interpretado de acordo com as observações e reservas formuladas por Portugal, desde que aqueles não constem de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, relativa a regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis e, bem assim, desde que os rendimentos, pelos critérios previstos no artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português.
- Opção pela aplicação do método da isenção relativamente aos rendimentos obtidos no estrangeiro das categorias A e H (na parte em que os mesmos, relativamente à categoria H, quando tenham origem em contribuições, não tenham gerado uma dedução para efeitos do n.º 2 do artigo 25º), desde que, se verifique qualquer das condições seguintes (n.º 4 e 6 do artigo 81º do Código do IRS):
a) Caso exista convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com o Estado da fonte, tais rendimentos possam ser tributados no outro Estado;
b) Caso não exista convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com o Estado da fonte:
i) Quanto à categoria A, tais rendimentos sejam tributados no outro país, território ou região, nos casos em que não exista convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, desde que os rendimentos, pelos critérios previstos no n.º 1 do artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português;
ii) Quanto à categoria H, tais rendimentos, pelos critérios previstos no n.º 1 do artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português.
Nestes casos, e conforme o n.º 7 do artigo 81.º do Código do IRS, os rendimentos isentos, são obrigatoriamente englobados para efeitos de determinação da taxa a aplicar aos restantes rendimentos (exceto os rendimentos previstos nas alíneas c) a e) do n.º 1 e no n.º 6 do artigo 72.º do Código do IRS).
Os residentes não habituais, são em primeiro lugar residentes fiscais em Portugal, pelo que estão sujeitos á regra da universalidade prevista no n.º 1 do artigo 15.º do Código do IRS. Assim, se estivermos perante rendimentos que não se enquadrem em nenhuma das situações elencadas anteriormente como tendo vantagem pelo estatuto de residente não habitual, serão tributados como "normais” contribuintes, sujeitos passivos residentes em território nacional.
O anexo L, destina-se a declarar os rendimentos auferidos por residentes não habituais em território português, em atividades de elevado valor acrescentado, com caráter científico, artístico ou técnico, tal como se encontram identificadas na tabela constante no fim destas instruções (categorias A e B), destinando-se ainda a evidenciar a opção pelo método pretendido para eliminar a dupla tributação internacional relativamente àqueles rendimentos, bem como aos rendimentos das categorias E, F, G e H obtidos no estrangeiro, como se refere no Quadro 6-B.
Concretamente em relação à situação exposta, um cidadão francês que, tendo alterado a sua residência fiscal para Portugal, obteve o estatuto de residente não habitual. Este sujeito passivo obtém rendimentos na França provenientes de um fundo de pensões, cuja entidade pagadora procede à retenção na fonte.
Antes de qualquer enquadramento face às regras aplicáveis a residentes não habituais, importa, face à convenção determinar a forma de tributação desses rendimentos, sendo necessário para o efeito a qualificação dos mesmos.
A convenção entre Portugal e a França para evitar a dupla tributação e estabelecer regras de assistência administrativa recíproca em matéria de imposto sobre o rendimento, foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 105/71, de 26 de março.
Consideramos que o rendimento proveniente de um fundo de pensões se qualificada como pensões, pelo que importa analisar o disposto no n.º 2 do artigo 20.º do acordo internacional:
«(…) 2 - As pensões e outras remunerações similares pagas por um Estado Contratante ou por uma sua subdivisão política ou administrativa ou autarquia local ou territorial ou por uma sua pessoa jurídica de direito público, quer diretamente, quer através de fundos por eles constituídos, a uma pessoa singular, em consequência de serviços prestados a esse Estado ou a essa subdivisão ou autarquia ou pessoa jurídica, só podem ser tributados nesse Estado. Contudo, essas pensões e outras remunerações similares são tributáveis exclusivamente no outro Estado Contratante, se a pessoa singular for um residente e um nacional desse Estado (…).»
Perante o exposto, o Estado francês terá legitimidade para tributar tal rendimento, a não ser que este cidadão seja de nacionalidade portuguesa e aqui residente.
Se o sujeito passivo não tiver nacionalidade portuguesa, não há eliminação da dupla tributação por aplicação da convenção ou acordo bilateral entre os Estados, pelo que será Portugal, enquanto Estado de residência que aplicará as suas regras internas para esse efeito. Neste caso não poderá solicitar o reembolso do imposto retido em França.
Se o sujeito passivo tiver nacionalidade portuguesa, uma vez que é residente para efeitos fiscais em Portugal, então tal rendimento não deverá, face ao acordo bilateral, ser tributado em França. Neste caso deverá averiguar junto do Estado francês ou da entidade pagadora, qual a forma de acionar o acordo e comprovar a sua residência fiscal em Portugal, desde modo, deixará de haver retenção de imposto em França. Relativamente ao imposto já retido haverá certamente meios de solicitar o seu reembolso, contudo, sugerimos que averigue junto das autoridades fiscais francesas, a forma de o fazer.
Sendo o sujeito passivo residente para efeitos fiscais em Portugal é aqui que ele deve declarar a totalidade dos rendimentos obtidos, incluindo aqueles que proveem do estrangeiro, atentos à regra da universalidade prevista no n.º 1 do artigo 15.º do Código do IRS.
No que se refere à aplicação do método de isenção em Portugal, relativamente aos rendimentos de pensões obtidas n França, importa analisar o disposto no n.º 6 do artigo 81.º do Código do IRS, relativamente a esta temática:
«(…) 6 - Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria H, na parte em que os mesmos, quando tenham origem em contribuições, não tenham gerado uma dedução para efeitos do n.º 2 do artigo 25.º, aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer das condições previstas nas alíneas seguintes:
a) Sejam tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou
b) Pelos critérios previstos no n.º 1 do artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português (…).»
Da aplicação desta norma poderá resultar a isenção de tais rendimentos em território nacional, devendo para o efeito analisar-se o acordo bilateral com o país em causa e/ou o disposto no artigo 18º do Código do IRS.
Pelo artigo 18.º do Código do IRS, verificamos que tais rendimentos não se consideram obtidos em território nacional, uma vez que não são pagos por entidade portuguesa. Pois, resulta da alínea l) do n.º 1 do artigo 18º do Código do IRS, que:
«(…) 1 - Consideram-se obtidos em território português:
(…)
l) As pensões devidas por entidade que nele tenha residência, sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento (…).»
Assim, face ao disposto na alínea l) do n.º 1 do artigo 18.º com a alínea a) do n.º 6 do artigo 81º, ambos do Código do IRS, concluímos pela aplicação do método de isenção em território nacional, dos rendimentos de pensões provenientes de França.