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Saldo de caixa elevado
30 Junho 2021
Saldo de caixa elevado
14-06-2021

Determinado contabilista certificado tem um cliente com saldo elevado de caixa proveniente de levantamentos. O que fazer a esse saldo que não existe? Por outro lado, com outro cliente, o saldo de banco não estava de acordo com a contabilidade. Transfere-se para uma conta 27, esperando regularizar este ano?

Parecer técnico

Na situação em análise estamos perante uma entidade que apresenta na sua contabilidade um saldo de caixa e de depósitos à ordem inexatos. Neste âmbito questiona-nos que procedimentos deve tomar.
Perante a situação descrita, deve-se, em primeiro lugar, estar ciente das responsabilidades inerentes à assunção da responsabilidade técnica de uma contabilidade na situação apresentada.
Deste modo, somos de opinião que para além de obter a declarações de responsabilidade e comunicar aos clientes que não cumpriram com determinada obrigação, o contabilista certificado deve cumulativamente:
- Documentar que os clientes foram devidamente informados da necessidade de cumprimento dessas obrigações;
- Documentar que foram pedidas as informações necessárias para que o contabilista pudesse fazer os registo apropriados com a periodicidade adequada;
- Assegurar-se que os elementos fornecidos à contabilidade permitem refletir a imagem verdadeira e apropriada das demostrações financeiras.
Na ausência de todos esses elementos, a contabilidade que for posteriormente gerada não poderá ser considerada como representativa da verdadeira imagem patrimonial da entidade.
Lembramos que, quer os registos contabilísticos quer a aplicação das normas fiscais estão dependentes da existência de documentos de suporte adequados, não devendo o contabilista certificado (CC) proceder ao registo de operação ou ao seu enquadramento fiscal, apenas com base em indicações da gerência.
Em primeiro lugar, há a referir que os montantes de lucros gerados por uma empresa no decurso da sua atividade não distribuídos aos sócios estão refletidos nas contas de capital próprio, nomeadamente em resultados transitados ou contas de reservas.
Quando se refere a saldos em caixa, tal terá que corresponder a notas e moedas efetivamente existentes na empresa, e não em valores contabilísticos sem correspondência à realidade.
Do ponto de vista contabilístico, um contabilista certificado quando deteta na contabilidade um saldo ou um registo contabilístico que se apresenta errado (ou não confirmado) tem obrigação de averiguar a sua origem e os factos que documentam tais lançamentos.
Sem saber se os saldos apresentados na contabilidade correspondem a valores reais, não é possível assegurar a veracidade das demonstrações financeiras e declarações fiscais.
A respeito de correções deve ser adotado o disposto na NCRF 4 - Políticas contabilísticas, alterações nas estimativas contabilísticas e erros.
Concluindo-se que ocorreu alguma situação que afete rendimentos ou gastos de anos anteriores, haverá que proceder à correção do saldo da conta caixa sempre suportando os movimentos com documentos justificativos, usando para tal a conta 56 – Resultados transitados se assumirem grande relevo na informação veiculada pelas demonstrações financeiras, ou as contas 6881/7881 – Correções relativas a exercícios anteriores, se se tratarem de correções favoráveis ou desfavoráveis resultantes de erros ou omissões relacionadas com exercícios anteriores, que não tenham materialidade.
Relativamente à situação exposta, somos de opinião que, se o saldo de caixa (notas, moedas, vales de correio e cheques recebidos) não apresenta na contabilidade um valor real, esse saldo deve ser corrigido contabilisticamente tendo em conta os elementos/documentos que a empresa forneça, ou existindo documentos em falta deverão ser pedidos à gerência/administração.
Será aqui essencial, quanto ao saldo de caixa existente, a solicitação de uma contagem de caixa que depois deve ser confrontado com o saldo registado na contabilidade. Eventuais diferenças devem ser reconciliadas através dos diários de caixa e dos documentos que suportam as operações. Poderá, também ser necessário efetuar a reconciliação (caso não tenha sido feita) das contas bancárias da empresa, no sentido de identificar pagamentos e recebimentos que tenham sido feitos através de movimentos bancários, mas que tenha sido, erradamente, contabilizados em caixa.   
Ora, se contabilisticamente todos os pagamentos devem estar comprovados através de fluxos financeiros e comprovados com os respetivos documentos de suporte, tratando-se de operações bancárias, devem ser espelhadas na conta depósitos à ordem e suportadas com os devidos documentos contabilísticos válidos.
A conta depósitos à ordem conforme dispõe o artigo 63.º C da Lei Geral Tributária é obrigatória para todos os sujeitos passivos de IRC, bem como os sujeitos passivos de IRS, que disponham ou devam dispor de contabilidade. Estes terão de possuir, pelo menos uma conta bancária afeta exclusivamente à atividade. Fazendo esta parte do património afeto à atividade, terá de estar refletida nas suas demonstrações financeiras, implicando que o registo das operações de pagamento e recebimentos se façam por esta conta ou contas, obrigando à realização das reconciliações bancárias periódicas.
Existindo mais do que uma conta bancária todos os movimentos realizados nessa outra conta devem igualmente estar refletidos na contabilidade.
Assim, todos os movimentos efetuados na conta bancária terão de ser passíveis de ser identificados pela empresa, devendo estar devidamente justificados com a respetiva fatura quando se trate da aquisição de bem ou serviço sujeito a IVA, ou de outro documento identificativo, contendo os elementos mínimos previstos no n.º 4 do artigo 23.º do CIRC.
Apenas com esses documentos podem os respetivos encargos serem considerados como devidamente justificados e documentados, sendo aceites como gastos fiscais, conforme previsto no n.º 3 e 6 do artigo 23.º do CIRC.
No caso de não existirem tais faturas, esses encargos não são aceites como gastos fiscalmente dedutíveis em sede de IRC, devendo ser acrescidos na determinação do lucro tributável de IRC.
Neste sentido, em relação à situação que nos reporta, deverá ter-se em atenção o seguinte:
Em relação ao facto do dinheiro não se encontrar na posse da empresa, poderá presumir-se que reverteu a favor do sócio ou sócios devendo ser aplicado o tratamento que normalmente dado aos adiantamentos por conta de lucros, dando lugar à correspondente retenção na fonte em vigor à data (atualmente a taxa é de 28 por cento, se tais rendimentos tiverem ocorrido em 2012, a taxa seria de 25 por cento e, sujeitos a 21,5 por cento caso tais valores tenham sido colocados à disposição em 2011, de acordo com o art.º 71º n.º 1 c) do CIRS).
Caso não se conclua pelo levantamento da verba por parte do sócio, também poderemos estar perante despesas não documentadas, tendo em conta as consequências em termos de tributação explanadas no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC:
«1 - As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 por cento, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A.» Existindo prejuízo fiscal a taxa de tributação autónoma a aplicar é de 60 por cento.
Desta forma, o lançamento contabilístico também deverá ser suportado por documento emitido pela gerência que conclua que foi esta a situação (despesas não documentadas) que originou o saldo referido.
Caso se tratem do pagamento de encargos caráter pessoal do sócio – gerente também se podem assumir como rendimentos do trabalho dependente na esfera deste.
Note-se que, em qualquer das correções a efetuar haverá sempre que proceder em conformidade com documentos de suporte existente ou emitidos pela gerência, sendo que, em qualquer das situações atrás referenciadas, deverá existir pagamento ao Estado (ou por adiantamentos por conta de lucros, ou através de despesas não documentadas, ou como rendimentos de trabalho dependente do gerente).
Mas, note-se que, nesta situação o contabilista certificado (CC) não se pode limitar a «regularizar» tal saldo.
Ainda assim haverá que fazer a reconciliação da conta caixa e da conta de bancos, nomeadamente no sentido de determinar em que exercícios se terão dado os levantamentos não justificados e se realmente se constata que tais levantamentos não foram realizados pelo sócio.
Lembramos ainda que, nos termos do nosso Código Deontológico, no exercício das suas funções, os contabilistas certificados não devem subordinar a sua atuação a indicações de terceiros que possam comprometer a sua independência de apreciação, sem prejuízo de auscultarem outras opiniões técnicas que possam contribuir para uma correta interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis.
Neste sentido, lembramos que, embora o CC seja responsável pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, dessa entidade, essa mesma responsabilidade deixa de lhe ser exigida tal como dispõe o nosso Código Deontológico, se solicitar ao seu cliente, por escrito, os elementos em falta, nomeadamente, os movimentos em aberto na reconciliação bancária, de modo a poder demonstrar que as omissões decorrentes do não fornecimento dos elementos em falta não lhe são imputáveis, a si, mas sim ao seu cliente.